Quando assumiu o comando do recém-criado Estado do Rio de Janeiro, em 16 de novembro de 1889, o governador Francisco Portella tinha dois grandes objetivos: a) dividir territorialmente os municípios que lhe eram adversos, enfraquecendo-os politicamente e, com isso, criando unidades menores, simpatizantes da nova ordem; b) extinguir as câmaras municipais para criar, em lugar delas, os Conselhos de Intendentes, compostos de membros de sua escolha e livre nomeação.
Cantagalo, ferrenho adversário da nova ordem, foi uma das vítimas dessa desastrosa orientação. O município, que já havia perdido, no Império, os territórios de Nova Friburgo e Sumidouro, em 1820; Aldeia da Pedra (atualmente Itaocara) na mesma época; Santa Maria Madalena (que arrastou São Francisco de Paula, atual Trajano de Moraes, São Sebastião do Alto), em 1861, e Carmo, em 1881, sofreu novas sangrias com a política facciosa de Portella: em 7 de outubro de 1890, perdeu São Sebastião do Paraíba; em 28 de outubro de 1890, perdeu considerável parcela de seu território para Itaocara, que se emancipava de São Fidélis; em 24 de março de 1891, perdeu Cordeiro, que arrastou o distrito de Bom Jardim; em 8 de maio de 1891, perdeu Duas Barras; e, em 9 de maio de 1891, o povoado de Macuco.
No que tange a Bom Jardim, apesar de já ser mais importante que alguns dos novos municípios, servido por estação de trem desde 1875 e possuir uma economia (especialmente cafeeira) bastante incrementada, permaneceu como simples distrito de paz. E pior: tendo como metrópole regional a modesta Vila de Cordeiro, que em nada lhe superava. Motivo: aversão política, porque, tal como Cantagalo, Bom Jardim também não tinha a menor simpatia por Francisco Portella.
Entretanto, afastado Portella, por ter hipotecado solidariedade ao renunciante Marechal Deodoro e se oposto à ascensão de Floriano Peixoto, verificou-se total reviravolta na política fluminense. José Thomaz da Porciúncula, eleito para substituí-lo após a Constituição Estadual de 1892, anulou, por decreto, a criação dos municípios que não tinham condição de subsistência, entre eles, Cordeiro, Macuco e São Sebastião do Paraíba, destacados de Cantagalo, como também São José do Ribeirão, antes pertencente a Nova Friburgo, além de recriar as câmaras municipais.
Assessorado por Miguel de Carvalho, antigo juiz municipal de Cantagalo e agora secretário do Interior e Justiça do governo estadual, Porciúncula determinou o levantamento demográfico da área e logo encaminhou à Assembleia Legislativa o projeto que acabou se transformando na lei nº 37, de 17 de novembro de 1892, criando o município de Bom Jardim, nele incluindo parte de Duas Barras, São José do Ribeirão, Barra Alegre e Amparo. Para não melindrar os ribeironenses, pouco antes envaidecidos com a criação do efêmero município próprio, o diploma em questão dizia estar apenas “restabelecendo” o município de São José do Ribeirão, mas, na realidade, com o nome de Bom Jardim, cuja cidade passaria a ser a sede da nova unidade.
O fato é que, no dia 5 de março de 1893, estando em Bom Jardim o presidente José Thomaz da Porciúncula e seus secretários – inclusive o benfeitor Miguel de Carvalho -, instalou-se solenemente o novo município, quando foi eleita a Mesa do Colegiado: o vereador Manoel de Figueiredo para presidente e Américo Ferreira da Rocha para vice.
Desde então, Bom Jardim vem crescendo a olhos vistos, a ponto de se tornar, depois de Nova Friburgo, no mais populoso e progressista dentre os rebentos de Cantagalo.
*Clélio Erthal é desembargador federal aposentado, pesquisador e escritor de livros sobre a história da região.