Artigo – Libaneses por Dr Júlio Carvalho

Imigração Libanesa no Brasil
Imigração Libanesa no Brasil

Na minha infância, os libaneses dominavam o comércio em nossa cidade, cerca de 64% das casas comerciais estavam em suas mãos. Alguns eram proprietários de lojas com pequeno movimento, todavia a maioria apresentava grande movimento comercial, com prateleiras e vitrines bem sortidas com o que de melhor havia na época. Além disso, os descendentes dos fenícios sabiam conquistar os fregueses com uma boa conversa, o que é importantíssimo no ramo.

Na esquina das ruas Rodolfo Albino com Euclides da Cunha, situava-se a loja do Senhor Jacob Nacif, que apresentava características interessantes, vendia gêneros alimentícios, produtos de limpeza, material elétrico e material de construção (cimento, ferro, etc.). Sua residência ficava atrás da loja, mas a entrada principal era na rua Rodolfo Albino. Depois da residência, havia uma varanda ampla, com portão para a Euclides da Cunha, onde era guardado o material de construção. Era o “Bazar Jacob” mas que todos chamavam de venda do seu Jacob.

Homenagem aos imigrantes libaneses no Brasil
Homenagem aos imigrantes libaneses no Brasil

Na rua Barão de Cantagalo, defronte à Maçonaria, era situada a Casa da Sorte, da viúva Sra. Sada Iunes. Dizem que o nome existente na calçada vinha da época do seu marido, que ali vendia bilhetes lotéricos. D. Sada, sempre de roupa escura e longa, gostava de ficar sentada depois do balcão, conversando com os fregueses que chegavam, enquanto sua filha Da. Raquel e seu genro Sr. Bicharrinha atendiam as pessoas. Era um casal educadíssimo e muito simpático que, depois de muitos anos de casados, foi contemplado com o nascimento da Inês. O prédio de sobrado existe até hoje, ornamentado com figuras de leões.

Um pouco mais abaixo, na mesma calçada, A Fluminense, do Sr. Salvador Paulo Richa (Abdo Bulos Richa) e sua esposa Sra. Nazareth Wuardiny Richa, também em prédio de sobrado, em poder da família até hoje. O casal morreu idoso. Com muito trabalho e boa freguesia, criou seis filhos. No período pré-natalino, a primeira porta do prédio recebia uma tela, sendo colocado no chão uma infinidade de brinquedos, que fazia a criançada sonhar com Papai Noel. Quem quiser conhecer o estilo de uma casa comercial criada há 96 anos basta visitar a loja, que até hoje é dirigida pelo filho Sr. Jorge W. Richa, mantendo o mesmo balcão e armários envidraçados.

Em local privilegiado, no centro da cidade, defronte à Praça dos Melros (hoje Praça Joao XIII) ficava a loja do Sr. Mansur, que durante muitos anos foi membro da Loja Maçônica Confraternidade Beneficente de Cantagalo. Vendia tecidos, material para aviamentos, etc. Tinha dois tipos de comércio inéditos na cidade: vendia os livros didáticos adotados pelos professores do extinto Colégio Euclides da Cunha e vendia óculos de grau. Na loja havia um pequeno armário de vidro, fixado em uma parede, com óculos de diferentes graus. Quando o cidadão sentia alguma deficiência visual, ia à venda do seu Mansur. Era sentado em uma cadeira, recebia um jornal e o seu Mansur ia lhe experimentando os óculos, mandando que ele procurasse ler o jornal. Quando o cidadão lesse, esse era o óculos ideal. Costumo dizer que ele foi o primeiro oculista da região. O freguês comprava o óculos e saia feliz! Após a morte do seu Mansur, o antigo prédio foi demolido e no local foi erguido o edifício Mansur. Justa homenagem ao imigrante libanês, que fez do Brasil sua pátria!

Pouco depois da praça da cidade, ficava A Garotinha, de Adib Richa e irmãos. Sua loja vendia de tudo, de tecidos a móveis. Adib veio para o Brasil ainda muito jovem, era um bom poeta, deixando-nos um livro de poesias.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

Quase defronte a estação da E. F. Leopoldina, era a grande loja do Sr. Felipe João. Era o grande empório da cidade, tinha quase 50 metros de loja e de máquinas para beneficiar milho e arroz. Do outro lado da rua, onde hoje é a praça Zilda Estorani Guzzo, que na época era repleta de fícus de grande porte, as pessoas que vinham da zona rural amarravam seus animais, estacionavam os carros de bois que vinham repletos de cereais negociados com seu Felipe João, o mesmo acontecendo com as tropas de mulas, que descansavam à sombra das árvores. A família residia no sobrado, com escada lateral, que existe até hoje.

Do outro lado da rua, seu Felipe João mantinha uma bomba de gasolina para abastecer os poucos veículos da cidade. Mais tarde, seu filho Jamil Japor instalou no local um posto de gasolina da Petrobrás, que hoje é administrado por alguns dos seus herdeiros.

No morro, atrás do seu grande prédio, seu Felipe João construiu várias casas populares, que alugava para pessoas de baixos salários. Hoje é o bairro do Felipe João, urbanizado pela Prefeitura Municipal de Cantagalo.

Logo depois, era a casa comercial do seu José Miguel, homem de boa cultura e muito educado, que falava francês, língua em que era impresso seu livro de missas. Tinha um bom movimento comercial, sendo auxiliado por seu cunhado Manoel Jorge Farah, tendo a maioria dos ferroviários como seus fregueses. Tudo era anotado nos cadernos de compras e pago depois que os ferroviários recebiam seus salários. José Miguel era um verdadeiro diplomata. Lembro-me que, quando garoto, no início do mês, levava a conta dos serviços médicos realizados por meu pai. Ele, imediatamente, pagava e me dizia: “Menino, não vá embora. Você deve estar cansado, está muito quente!”. Mandava que eu entrasse na sua residência, ao lado da loja, e dizia para sua esposa: “Ana colha um figo para esse menino e lhe dê um copo d’agua da nascente”. Gentilmente, Da. Ana me entregava um belo figo, sobre um prato muito branco, colhido na hora e um copo d’agua, quase gelada, apanhada da nascente que brotava da rocha atrás da casa.

Felipe João e José Miguel tinham visão financeira e estavam entre os fundadores e diretores da Caixa Rural de Cantagalo, embrião do Banco Agrícola de Cantagalo.

Muito mais teria para escrever sobre esses extraordinários imigrantes árabes cristãos, que deixaram o Líbano em busca do Brasil, todavia o espaço de um artigo é limitado, por isso citei apenas algumas famílias e fatos que conheci.

Todos eles já estão na vida eterna, mas deixaram seus descendentes que continuam inseridos em nossa comunidade, trabalhando para o crescimento e o progresso de Cantagalo.

Júlio Marcos Carvalho é médico e já foi vereador do município de Cantagalo.

Um comentário

  1. RITA HELENA FIGUEIRA MENDES

    Lindo artigo do Dr. Júlio, como se “pintasse” uma tela, sobre aquela época. Eu , ainda criança me lembro de todos os locais citados. Muitas recordações da minha cidade Natal, da qual tanto me orgulho. PARABÉNS 👍👏👏👏👏👏👏

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