O jardim do barão

Burburinho festivo na rua do Gama’s Bar. A animação toma conta dos jovens que aguardam, com risos e flertes, o início da Boate Som do Cantagalo Esporte Clube, às 22h30min. Fuscas luzidios diminuem a marcha ao trafegarem pela rua repleta. Tênis All Star e camisetas surfwear dão o tom da moda. É o começo do Rock Brasil; os Paralamas alçam o sucesso. No rastro de três acordes estridentes e da batida primal do movimento punk, a Legião Urbana começa a recrutar seus legionários cantagalenses.

Já é noite alta. No banco circular que abraça o largo tronco da mangueira centenária, os seresteiros afinam seus bordões sob a luz intermitente e amarelada do poste. Logo, aveludadas vozes entoam ‘Noite cheia de estrelas’, e acalentam os sonhos dos comerciantes libaneses do Centro da cidade. Um DKV é visto cruzando a estreita rua à frente da porta principal do fórum. No Bar do Janjão ainda se ouve o estalar das bolas de bilhar nas derradeiras tacadas da madrugada.

Amanhecer ensolarado. Melros se agitam nas copas das palmeiras e entoam longos gorjeios. Um coral de pardais, sanhaços e sabiás se levanta, emoldurando com melodias a solenidade cívica na erma de Euclydes da Cunha. Professor Baptista já havia começado o discurso, sob olhar grave e metálico do seu próprio busto, imortalizado no bronze. Perfiladas, alunas do Curso Normal revezam a atenção entre as palavras e os pássaros.

Quentura da tarde amenizada pelas sombras das alfarrobeiras. Donzelas em longos e ornados vestidos cruzam as alamedas sinuosas e floridas, rumo ao recém-inaugurado coreto. Vitrais no teto e simulações de galhos retorcidos dão o tom arquitetônico da nova edificação pública do Centro da cidade. O silêncio é quebrado pelo tropel dos animais tangidos na rua principal e pelo tilintar da manivela, que insiste em dar partida ao “pé de bode” recém-abastecido na bomba postada frente ao pórtico de acesso ao “senadinho”.

A noite novamente se avizinha. Em uma das janelas do suntuoso solar, Dr. Augusto de Sousa Brandão, o Segundo Barão de Cantagalo, contempla, voltando os olhos para a esquerda, a fachada da Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento. Mas o que lhe prende a atenção não são os cânticos entoados em latim na cerimônia da Hora do Ângelus. Lançando o olhar na direção oposta, vislumbra, demoradamente, o perímetro de pedra recentemente erguido sob suas ordens. Os blocos de granito vindos da Fazenda de Santana atenderam perfeitamente ao seu propósito. Estrelas coroam de brilhos o firmamento. Neste instante, talvez, um pensamento lhe tenha povoado a mente: “Agora, o município terá um jardim à altura da sua importância! Um jardim para atravessar os tempos, a ser preservado e desfrutado por inúmeras gerações de cantagalenses!”. O Jardim do Barão.

*João Bôsco de Paula Bon Cardoso é professor de sociologia e geografia, coordenador de Patrimônio Cultural do Projeto Fazenda São Clemente e um dos coordenadores do Centro de Memória, Pesquisa e Documentação de Cantagalo.

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