Projeto Fazenda São Clemente relembra o sesquicentenário de nascimento de Eduardo Chapot-Prévost

O Projeto Fazenda São Clemente, neste ano de 2014, recorda os 150 anos de nascimento do médico e professor Eduardo Chapot-Prévost, uma das mais ilustres e notórias personalidades da medicina brasileira, cujo nome tornou-se mundialmente famoso pela marcante e bem sucedida operação que realizou, no final do século XIX, separando as irmãs siamesas Maria e Rosalina.

Eduardo Chapot-Prévost nasceu em Cantagalo, em 25 de junho de 1864, filho de Louis Chapot-Prévost, cirurgião dentista, de nacionalidade francesa, e de D. Louisa Chapot-Prévost, de nacionalidade belga, professora de línguas.

Chapot-Prévost cursou os preparatórios no Colégio Pedro II. Vocacionado aos estudos médicos, Eduardo Chapot-Prévost matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Colou grau em 1885, defendendo a tese sobre ‘Formas Clínicas do Puerperismo Infeccioso e seu Tratamento’, na Bahia.

No magistério, foi professor adjunto de anatomia, em 1886, e de histologia, em 1888, tendo logrado conquistar a cátedra de histologia em 1890, com uma tese sob o título ‘Pesquisas Histológicas sobre a Inervação das Vias Biliares Extra-Hepáticas’.

NOTORIEDADE MUNDIAL

Em 30 de maio de 1900, Eduardo Chapot-Prévost realizou, pela primeira vez na história da medicina, uma intervenção operatória que constituiu um marco na evolução da cirurgia mundial: a separação das meninas toracoxifópagas Maria e Rosalina, de 7 anos de idade, cuja cirurgia durou apenas 90 minutos.

Eduardo Chapot-Prévost, após realizar os mais minuciosos estudos sobre a operabilidade desse caso de toracoxifopagia, esgotando os métodos de investigação e exame possíveis para a época, criou processos originais para as várias fases da inovadora cirurgia.

MARIA E ROSALINA

As irmãs Maria e Rosalina, ligadas pelo fígado, nasceram em 21 de abril de 1893, em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, filhas de João Antônio Davel e Rosalina Pinheiro Davel. Entretanto, os poucos recursos da medicina do final do século XIX não permitiram aos médicos descobrir como e por onde elas estavam unidas.

O tempo foi passando e até que, quando tinham 5 anos de idade, os pais foram convencidos de que só no Rio de Janeiro seria possível resolver o caso. Poucos dias depois, rumaram para o Rio de Janeiro, onde o doutor Pinheiro Júnior apresentou os pais das irmãs toracoxifópagas ao doutor Álvaro Ramos, que decidiu realizar a operação.

Durante um ano, estiveram as crianças aos cuidados desse médico, em observação. A primeira tentativa de operação fracassou, quando o doutor Álvaro Ramos descobriu que as meninas não estavam ligadas apenas por músculos ou cartilagem, como inicialmente se pensara.

Diante desse resultado frustrado, o doutor Pinheiro Júnior decidiu consultar o doutor Eduardo Chapot-Prévost sobre o caso. Ficou surpreso com a resposta do cientista, que declarou estar disposto a assumir a responsabilidade da intervenção. Entretanto, como, na época, nem radiografias existiam, o decidido médico Eduardo Chapot-Prévost foi obrigado a mais de um ano de pesquisas. Aplicando remédios para uma das irmãs a fim de verificar se a outra sentia os efeitos, foi que ele chegou à conclusão de que o órgão que ligava as duas era o fígado. Foram necessários vários meses de experiências para descobrir se elas possuíam um único fígado ou não.

Para preparar a operação, o doutor Eduardo Chapot-Prévost foi obrigado a esculpir em gesso – no tamanho natural – o modelo das duas crianças e a desenhar uma mesa de operação especial, que se dividia em duas, para permitir que ele, depois de separadas as toracoxifópagas, atendesse a uma delas, enquanto os assistentes concluíam a operação da outra. Inclusive, um aparelho especial para a sutura do fígado foi desenhado e construído pelo médico.

A equipe médica chefiada pelo doutor Eduardo Chapot-Prévost, na operação de toracoxifopagia, era composta por 13 médicos assistentes: doutor Paulino Werneck, doutor Pinheiro Júnior, doutor Azevedo Monteiro, doutor Ernani Pinto, doutor Figueiredo Rodrigues, doutor João Gonçalves Lopes, doutor Amaro Campello, Dr. Jonathas Campello, doutor José Chapot-Prévost, doutor Sílvio Muniz, doutor Paula Rodrigues, doutor Dias de Barros e doutor Chardinal d’Arpenans.

Em 1900, o doutor Eduardo Chapot-Prévost usou, pela primeira vez no mundo, as máscaras de gaze, só dezenas de anos depois generalizadas pelos cirurgiões de todos os continentes, em seus atos operatórios. Para a hemostasia (interrupção fisiológica de uma hemorragia) do fígado, separado em larga ponte de conexão entre Maria e Rosalina, o doutor Eduardo Chapot-Prévost utilizou método e aparelhos originais, aceitos na técnica cirúrgica, após a publicação do seu trabalho ‘Chirurgie dês Thoracopages’, em Paris, no ano de 1901.

Durante o procedimento cirúrgico, “a população está acompanhando o drama de bondade e de amor que se representa na Casa de Saúde de São Sebastião.

Acabada a operação, suspensa a ação (anestésica) do clorofórmio, quando um silêncio trágico reinava naquela sala em que acabava de ser afirmada a glória da ciência humana, a Mariasinha, a que mais sofrera, a que mais sangue perdera, a que mais receios devia dali por diante inspirar, logo ao despertar, agitou uma das mãos no ar e disse adeus à irmã. Um cronista, na pressa de transmitir aos leitores as suas impressões pessoais, não soube compreender toda a significação desse adeus. Pareceu a essa alma apressada que havia ali, naquele gesto eloquente da pequenina, a manifestação da primeira saudade, da primeira mágoa da separação, do primeiro desgosto do apartamento… Não era isso, não. Aquilo era um adeus aliviado e consolado, com que o galé se despede do calceta, com que o acusado se despede do banco dos réus, com que a alma da gente se despede de uma preocupação dolorosa, com que um devedor ameaçado de penhora se despede de uma dívida, com que todos os que sofrem se despedem do sofrimento.

Como quereríeis vós que se amassem aquelas pobres almas, condenadas ao eterno convívio? Como quereríeis vós que não se repelissem aqueles dois corpos, condenados ao eterno contato?” (trecho apócrifo de um texto encontrado junto aos documentos dos descendentes dos familiares de Eduardo Chapot-Prévost).

Infelizmente, Maria, uma das xifópagas, faleceu cinco dias e 14 horas após a cirurgia, vitimada, conforme ficou provado pelo laudo da necropsia oficial, solicitada pelo próprio cirurgião, por uma pleuropericardite, quadro infeccioso para cuja debelação a medicina da época não dispunha de eficazes recursos.

Maria, caso tivesse acatado a dieta recomendada, também se salvaria. Muito voluntariosa, porém, e cheia de caprichos, não quis se submeter aos rigores que indicavam somente a ingestão de caldos e coisas leves. A enfermeira resolveu contrariar o conselho médico e deu-lhe um mingau de tapioca, que causou grave infecção intestinal.

A sobrevivência de Rosalina, a outra xifópaga, foi suficiente para atestar a magistral proficiência e o êxito do ato operatório, bem como para consagrar, no Brasil, e perante a ciência médica mundial, o nome de Eduardo Chapot-Prévost, cientista, mestre da medicina e imortal pioneiro deste tipo de cirurgia. Rosalina Henriques, depois de visitar toda a Europa, serviu de tema a várias conferências médicas.

Rosalina relatou, em diversos jornais da década de 1930, como ela e sua irmã Maria viveram presas, uma a outra, durante sete anos. Havia, entre elas, profundas diferenças de gênio e de vontades. Maria era voluntariosa, caprichosa e isso causava rusgas constantes. Uma não queria satisfazer as vontades da outra e principiava a briga da qual sempre Rosalina levava a pior parte, pois, mais cordata, calma e ponderada, cedia aos caprichos da irmã.

Resumindo, Rosalina gostava mais do sossego e Maria de brincadeiras mais movimentadas. Essas divergências eram constantes. Manifestavam-se, inclusive, na hora de dormir. Uma queria ir para o leito e a outra não, porque não tinha sono. E como era difícil acomodarem-se no leito.

A deformação no rosto da sobrevivente foi proveniente da posição a que era obrigada no leito. Maria também apresentava deformação idêntica, mas em sentido inverso porque as suas faces se encostavam, e, de tanto se tocarem, estabeleceram perfeita junção das partes em contato. O vestido tinha que ser de feitio todo especial. Da cintura para cima, com duas blusas; para baixo, uma saia somente. Comiam, cada qual no seu prato, mas sentadas numa só cadeira.  

Rosalina disse que seus pais tiveram, depois, mais 10 filhos, todos eles perfeitos, e que o seu caso foi o único fenômeno que se registrou na sua família e na de seus parentes. Rosalina, contou, ainda, que, depois de operada, passou a morar com o doutor Eduardo Chapot-Prévost, que, mais tarde, se tornou seu padrinho e lhe arranjou educação gratuita num colégio de irmãs de caridade, em Botafogo. Seu grande benfeitor tratava-a como filha.

Quando o padrinho morreu, tinha Rosalina 14 anos de idade e, muito embora a família do médico não quisesse, deixou a casa e foi morar com os pais. Educada, porém, não se habituou àquela vida de privações, no interior do Espírito Santo. Assim, ela voltou para o Rio de Janeiro e, depois, passou a residir com a família de Sebastião Lacerda, na vila que hoje tem seu nome e que se chamava Commercio. Em Sebastião Lacerda, perto de Vassouras, conheceu o homem que viria a ser seu esposo. Dos seus seis filhos, os dois primeiros nasceram em maternidades do Rio de Janeiro, pois os médicos temiam qualquer complicação no parto. Os outros quatro, em mãos de parteiras, naquele lugarejo fluminense.  Rosalina viveu mais de 80 anos.

VIDA E FAMÍLIA

Eduardo Chapot-Prévost casou-se com D. Laura Caminhoá, filha do Comendador da Ordem da Rosa, Joaquim Monteiro Caminhoá, doutor em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e professor de botânica e zoologia, e de sua esposa, D. Delmira Monteiro Caminhoá. Da união, nasceu um único filho, falecido em tenra idade. Após longa enfermidade, Eduardo Chapot-Prévost faleceu em 19 de outubro de 1907, aos 43 anos de idade.

A fotografia e todas as informações apresentadas na presente matéria foram retiradas dos diversos documentos e jornais das primeiras décadas do século XX sobre a vida e obra do doutor Eduardo Chapot-Prévost e que, pela força do destino, integram o acervo da Fazenda São Clemente, localizada em Boa Sorte, no município de Cantagalo, Rio de Janeiro.

*Álvaro Antônio Sagulo Borges de Aquino (coordenador executivo e coordenador de Comunicação Institucional do Projeto Fazenda São Clemente).

*Marcello Cardoso Monnerat (coordenador administrativo e financeiro e coordenador de Restauração e Conservação do Projeto Fazenda São Clemente).

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