Além do grande surto da lavoura cafeeira e da famosa ferrovia que cortava a Região Serrana de norte a sul, o maior legado da família Clemente Pinto à história de Cantagalo foi o Palacete do Gavião, sem dúvida a mais suntuosa sede rural do Brasil-Império. Fê-lo (embora só em parte, porque o prédio nunca foi concluído) o primeiro Barão de Nova Friburgo na década de 60 do século 19, com base em projeto elaborado pelo engenheiro alemão Friedrich Gustav Waehneldt, o mesmo que projetou o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.
Quando Antônio Clemente Pinto, seu artífice, transferiu-se para a zona, nela já residia seu irmão Manoel (também português) há vários anos, na condição de fazendeiro e político atuante, chegando, inclusive, a presidir sua Câmara de Vereadores em 1829. Ao que consta, foi com auxílio financeiro do Barão de Ubá (João Rodrigues Pereira de Almeida) que ele (Antônio) deu início à sua epopéia empresarial, comprando várias fazendas na região e, afinal, se tornando um dos homens mais ricos do país.
A monumental residência do Gavião, construída para servir de sede aos seus negócios agrários, foi concebida e projetada em forma de um grande quadrilátero, com quatro corpos interligados, a saber: uma frente imponente, uma ala de idêntica proporção nos fundos e duas laterais providas de varanda e colunas, dando vista para as montanhas em torno. No centro, uma espaçosa área contendo belo jardim, no qual, segundo a tradição, foram plantadas as primeiras mudas da variedade “java” de café em terras brasileiras.
Essas mudas, consoante relato do antigo agrônomo Honorário Lamblet, foram levadas ao palacete pelo patriarca do Amparo, Jorge Gripp, servindo-se de sementes trazidas do Oriente por Luiz Sardemberg.
Dos quatro corpos arquitetônicos que integravam o conjunto, o mais bonito sempre foi o da frente, ainda de pé, ostentando um varandão com dez colunas romanas e uma escadaria em duas rampas contrapostas, cujo ponto de encontro, no topo, formava (como ainda forma) um palanque então ornamentado por belas estátuas de mármore. Certamente, foi diante dessas escadas que se celebrou a festa de liberação dos 1,9 mil escravos antes da Lei Áurea, abrilhantada pela banda de música ‘Calíope Cantagalense’, trazida da cidade para animar o evento.
Antes da ferrovia, essa propriedade era ligada à Fazenda Santa Rita por uma linha de bondes puxados a burros, a qual ladeava, na várzea em frente ao palacete, um belo prado de corrida de cavalos.
Ao falecer o Conde de Nova Friburgo, em 6 de agosto de 1914, os tempos já eram outros. A alteração do regime laboral, seguida da queda da Monarquia e consequente extinção dos cafezais, forçaram: primeiro, a interrupção das obras, impedindo que o grande palácio se completasse; segundo, a decadência econômica da família Clemente Pinto, por sinal coincidente com o grande declínio da economia cantagalense, só revigorada mais tarde, com o advento da pecuária.
As partes laterais e do fundo do edifício nunca foram concluídas. Quando, em 1946, o Dr. Pedro Pitta as demoliu, restaurando apenas a fachada, prestou um assinalado serviço à cultura local, porque, afinal, permitiu às novas gerações contemplar a frente da mais notável edificação arquitetônica da Cantagalo Imperial. Lá, ainda podem ser vistas: a fachada, com a bela colunata, a escadaria (embora sem as estátuas) e a capela, no interior da fachada.
Vale a pena tal contemplação.
*Clélio Erthal é ex-desembargador, ex-juiz federal e pesquisador da história de Cantagalo e região. Mais em www.cantagalo.rj.gov.br/index.php/filhos-ilustres/136-clelio-erthal.