Uma égua chamada Flor e o filhote que carrega na barriga estão protagonizando um marco jurídico nacional. Num movimento inédito, o presidente da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OABRJ e do Conselho Federal, Reynaldo Velloso, representa o animal num recurso administrativo impetrado no dia 10 de julho junto ao Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para tentar impedir a eutanásia do animal e do feto.
Flor é portadora de anemia equina, equiparada ao HIV humano. Uma instrução normativa do órgão determina a execução sumária em caso de contaminação, para evitar que outros cavalos sejam infectados. A doença crônica, para a qual não há tratamento efetivo ou vacina, não é passada para humanos e só atinge equídeos.
A égua está em Nova Friburgo, no sítio de uma família que a resgatou em meados de março e que a mantém em isolamento. O parto do filhote está previsto para dezembro.
Na peça, Velloso fundamentou seu pedido de clemência pelo potro no Direito do Nascituro, com base no Artigo 2º do Código Civil, e na Declaração Universal dos Direitos dos Animais, cuja proclamação ocorreu em reunião da Unesco, em Bruxelas, na Bélgica em janeiro de 1978. O presidente da comissão da Ordem também cita estudos que comprovam que os filhotes dos equinos infectados podem nascer sem a doença e perfeitamente saudáveis.
“Se o recurso for aceito e o ‘Direito de Nascer’ for permitido ao potro, uma nova era começará na luta pelo ativismo dos animais. A bioética nos define o conceito de que o embrião é vida, portanto, significa reconhecer que deve ser respeitado como tal”, justificou o advogado.
Velloso apela que o órgão permita que “a paciente possa aguardar com tranquilidade o término de sua gestação sem atropelos e estresse”. E que possa dar à luz com segurança “seu tão esperado filho no isolamento do sítio em que já se adaptou. Que possa felicitar-se com o seu rebento, assim como as mães humanas o fazem.”
O Mapa ainda não se pronunciou sobre o caso. Em resposta à comissão, afirmou que está analisando o pedido.
O caso faz lembrar, com sinais trocados, da argumentação de Sobral Pinto em favor de Harry Berger, preso político do regime varguista, em petição elaborada em 1937. Diante das arbitrariedades a que Berger estava exposto e das condições desumanas do cárcere, Sobral requereu que o juízo aplicasse ao homem as disposições previstas na Lei de Proteção dos Animais.
“O raciocínio é o mesmo”, diz Velloso. “A lei existe para os animais humanos e os não humanos. Imaginem a morte lenta do feto sem ar e com muita agonia ainda no ventre materno. Este é o momento de mudarmos os nossos conceitos e darmos uma chance à vida”.