Conheci Mão de Luva

Carlos Élio Maciel Teixeira*

Criação do distrito, em 9 de outubro de 1806; da vila em 9 de março de 1814; elevação à categoria de cidade em 2 de outubro de 1857. São datas importantes no calendário civil do município de Cantagalo. Quando, em 2 de outubro de 1957, comemorou-se 100 anos da cidade, houve uma grande festa com a presença do governador do estado, Dr. Miguel Couto Filho; do senador Vasconcellos Torres e de inúmeras outras autoridades. Era prefeito o senhor Henrique Luiz Frauches, que nomeara uma comissão de professores, escritores e personalidades da terra para cuidar do evento.

Nas duas últimas administrações e na atual, preferiu-se comemorar o 9 de março. O 2 de outubro sempre vinha prejudicado, em decorrência das eleições no início do mesmo mês, de dois em dois anos. A escolha de 9 de março passa a ser uma opção. No entanto, 2 de outubro é uma data que não pode ser esquecida.

Em 2057, a cidade vai completar 200 anos de sua existência. Nas datas mencionadas, Cantagalo foi referência na colônia e sua influência chegava até a Corte. O imperador D. Pedro nos visitou mais de uma vez. Tivemos os nossos barões, de Cantagalo e de Nova Friburgo, que também nasceu aqui. A Igreja Matriz, o Palacete do Gavião, o jardim, o prédio do Fórum, a estrada de ferro e as fazendas de café são relíquias que refletem e guardam traços fortes da cultura e do desenvolvimento de um povo.

A fundação da maioria das cidades se dá por acaso. Se podemos retroceder, voltar no tempo, às suas origens, nelas encontraremos as figuras dos seus fundadores. É o que veremos, mais adiante, em relação à cidade de Cantagalo.

A história fala das Entradas e Bandeiras, expedições que visavam conhecer o interior do Brasil, descobrir pedras e metais preciosos. Devemos a elas a ampliação de nossas fronteiras, além do que estabelecia o Tratado de Tordesilhas. Não fogem de nossas memórias de estudantes as figuras lendárias de Fernão Dias, Paes Leme (O Caçador de Esmeraldas) e Bartolomeu Bueno da Silva (O Anhanguera).

O nosso herói, Manoel Henriques, comandava uma expedição com o mesmo desejo. No banco da escola, com imaginação, convidamos a todos para lembrarmos de Manoel Henriques, o Mão de Luva, fundador da cidade de Cantagalo. Com seu perfil aventureiro, sertanista, desbravados, de bandeirante, chegou, com seus companheiros. O objetivo do garimpar ouro, por aluvião, embrenhando-se neste vastíssimo sertão é a sua saga. Foi o primeiro e sua presença na história é verdadeira. Atraiu para cá os olhos e a atenção da colônia. Um explorador obstinado. Sua vida não foi uma vida de transgressão. Praticar o garimpo sem passar à Coroa a quinta parte exigida seria o seu crime. Que outro achou neste território?

Garimpar exige conhecimento, equipamentos, intuição, perseverança, contato com a natureza e muito trabalho. A febre do outro, em todo mundo, tornava regiões antes pacatas em verdadeiras áreas de turbulência, dando origem à sua colonização. A notícia do precioso metal atrai. A área ficou infestada de garimpeiros. Perante as autoridades, todos que permaneciam eram chamados facinorosos. Até jesuítas haviam explorado a terra sem a devida permissão. Certamente que cumpriam seu papel de catequizar e fundar cidades.

Conta-se que Mão de Luva, em todos os seus contatos com as pessoas e seus seguidores, ensinava alguma coisa aprendida com os próprios jesuítas. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, participou, em 1784, de uma expedição como encarregado de mapear o território, que já chamava a atenção há muito tempo. É possível que Tiradentes tenha observado o sentimento desbravador do famoso garimpeiro. Tiradentes, mais tarde, foi morto e esquartejado, no Rio de Janeiro, por querer a independência do Brasil, em 1792. Vejam!

Os fatos, as evidências, apontam para Mão de Luva. Ele não sabia o que estava fazendo, mas sabemos o que ele fez! No seu sonho de garimpo, deu origem a uma cidade chamada Cantagalo. Na madrugada fria da floresta, em canto prolongado, ecoando por todo o sertão, anuncia que, na casa do galo tem gente, às quatro horas da manhã. Nasce um novo dia, uma nova era. Mão de Luva é preso, levado e seu acampamento, um pequeno núcleo, pilhado. O “assentamento” de Mão de Luva ficava próximo à confluência de dois córregos, hoje, o São Pedro e o Lavrinhas, mais precisamente onde se situa a Praça Zilda Estorani Guzzo. O passo seguinte da colônia foi mandar construir a Casa do Ouro, no mesmo local, com a finalidade de recolher a cota da Coroa. Não logrou sucesso.

O canto do galo ficou, dando origem ao nome Cantagalo. E o galo, símbolo da terra, continua cantando forte, esculpido pelo ilustre e saudoso cantagalense Honório Peçanha, erguido na Praça Miguel de Carvalho, ao lado do prédio da Prefeitura Municipal. Escondido, poderia ser transferido para a Praça Zilda Estorani Guzzo, no início da cidade, como um gesto de boas-vindas. A referida praça está sofrendo reformas de embelezamento pela municipalidade e, receber um marco alusivo a Manoel Henriques, o Mão de Luva, seria louvável.

É chegado o momento de reconhecermos Manoel Henriques, o Mão de Luva, como o legítimo fundador da cidade de Cantagalo, em 1780!

Uma consulta aos historiadores e a elaboração de um projeto de lei municipal estabeleceria o bom senso a respeito.

Opine e divulgue sem moderação.

*Carlos Élio Maciel Teixeira é servidor público municipal aposentado. Já foi chefe de Gabinete da Prefeitura de Cantagalo e presidente do Instituto de Pensão e Aposentadoria Municipal de Cantagalo (Ipam).

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