Festas Juninas

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

Na minha infância, Cantagalo era paupérrimo em número de veículos motorizados. Existiam cinco táxis, que eram conhecidos como carros de aluguel ou carros de praça, dos motoristas Oscar Sereno, Euclides Rezende, Sebastião Gonçalves, Odilon Leitão e Júlio Guzzo. Todos eram carros antigos, com capota de lona e cortinas laterais protetoras contra a chuva, o vento e a poeira, que eram acionadas manualmente. Quando, na década de quarenta, os dois primeiros motoristas acima citados, compraram carros mais modernos, com rádio, tapetes e vidros laterais nas portas e teto metálico, foi um sucesso total. Todos queriam viajar só nesses veículos.

Automóveis particulares eram quatro ou cinco: do senhor Walter Tardin, dois da empresa de energia elétrica Ibero-Americana, do espanhol Sr. Antônio Castro e um do Dr. Américo Freire, que permanecia na garagem, saindo, esporadicamente, quando seu neto Dr. Helênio Verani resolvia dar umas voltinhas pela cidade.

Caminhões eram dois, um do Sr. Felipe João, dirigido por seu filho Jamil Japor, verdadeiro herói das péssimas estradas de chão, que levava para o Rio de Janeiro cereais e produtos da zona rural, trazendo da metrópole produtos industrializados e gasolina, que vinha em tambores metálicos.

O outro caminhão era uma relíquia da década de trinta, da firma Figueira e Filhos, pilotado pelo Sr. Juquinha Figueira, fazendo trabalhos só para a forte firma criada pelo lusitano João Figueira.

Os leitores devem estar pensando: mas o que tem isso com festas juninas? Calma, chegaremos lá.

Como o número de veículos era mínimo, as ruas ficavam vazias, sem movimento, o que permitia que as festas juninas fossem realizadas no centro das artérias urbanas.

Eram quatro festas juninas tradicionais para três santos, uma vez que o nascimento de São João Batista era duplamente comemorado.

Tudo começava no dia 13 de junho, na casa do casal Manoel e Carola Marques e seus múltiplos filhos, quando Santo Antônio era comemorado efusivamente. Residiam em um casarão, um dos mais antigos de Cantagalo, situado na rua Direita, hoje Chapot Prevost. A grande fogueira era armada no meio da rua e, depois de acesa, era muita música, danças, doces, salgados, quentão e outras bebidas que animavam todos os presentes.

Pela madrugada, Maria Barulho e outros afro-brasileiros dançavam o caxambu ao som de tambores, lembrando a origem africana da maior parte do nosso povo. E a festa custava a terminar.

No dia 24 de junho era dose dupla: uma festa na rua Getúlio Vargas, quase esquina com a Honório Pacheco, promovida pelo casal Clodoaldo Alcântara (Seu Dodô), sua esposa Da. Maria Elisa e seus filhos.

Novamente, muito fartura e alegria e a fogueira no meio da rua, pois não havia trânsito de veículos.

A outra ficava por conta do Sr. João Nicolao Filho (Seu Janjão), sua esposa Da. Clarinda e sua filharada, cada um mais animado que o outro.

A fogueira era armada no largo da igreja, que era de chão batido, hoje a urbanizada praça Cônego Crescêncio Lanciotti. E tudo se repetia: muita comida, bebidas abundantes e São João Batista era duplamente comemorado.

Havia um irmão de Seu Janjão, muito magrinho e surdo, chamado Vicente, que era um exímio fabricante de balões. Conseguia confeccioná-los de todos os modelos. Cada balão que ganhava o céu era aplaudido pela criançada que vibrava. Naquele tempo, não era crime soltar balões.

No dia 25, era um dia de muito trabalho para os médicos e farmacêuticos socorrerem pacientes com gastroenterites violentas naqueles que se excediam com bebidas e comidas em dose dupla.

No dia 29 de junho, finalmente, era a vez de ser comemorado São Pedro. Naquele tempo, ninguém falava que também era dia de São Paulo. A festa era na chácara do casal Sr. Oscar Monteiro e sua esposa Da. Maria Marques, que residiam no final da hoje rua Maria Zulmira Tôrres, que naquela época era chamada estrada da Batalha, pois a cidade terminava na rua Rodolfo Albino.

O ritual era repetido como nas festas anteriores: comidas, bebidas, danças e muita alegria.

Certa vez, esqueceram um embrulho de bombas juninas próximo ao fogão de lenha da casa de Seu Oscar e Da. Maria. Com o aquecimento do mesmo, as bombas passaram a explodir em grande quantidade, causando pânico na multidão que lá se encontrava. Os que não puderam sair pela porta da frente pulavam pela janela. Minha mãe correu para um dos quartos da casa puxando cada filho pelas mãos. Tudo não passou de um grande susto, sem vítimas. E a festa continuou.

Hoje, os promotores dessas festas já partiram para a eternidade, o mesmo acontecendo com a maior parte das crianças da época, restando apenas a lembrança de um tempo muito feliz em que a cidade era bem menor, todos se conheciam, nas festas não havia conflitos, os morros que circundam a cidade eram cobertos por vegetação abundante e o clima muito mais puro. Restou a saudade!

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

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