Quem nasceu a partir do governo João Goulart, não conheceu a ferrovia em Cantagalo e nem faz ideia da sua importância na história do lugar.
Até meados do século XIX, quando foi lançada a inovação, os cantagalenses só podiam viajar até Niterói, então capital da Província, em lombo de burros e enfrentando, durante dias seguidos, a inclemência do tempo.
Coube a Antônio Clemente Pinto, já Barão de Nova Friburgo e grande produtor de café na região, a iniciativa da mudança. Com base na Lei 641/1852, ele e demais investidores de menor gabarito fundaram a empresa S/A Estrada de Ferro Cantagalo e iniciaram a obra de implantação. O projeto inicial era construir de Porto das Caixas, escoadouro do café, até Santa Maria Madalena – cuja importância começava a despontar – a ferrovia que marcaria grande passo na evolução fluminense.
Como se tratava de plano muito arrojado, o projeto inicial foi dividido em três seções, cada qual objeto de contrato autônomo. A primeira etapa compreendia o trecho entre Porto das Caixas e Cachoeiras de Macacu, então simples lugarejo pertencente ao município de Santana de Japuíba. A segunda, de Cachoeiras a Nova Friburgo. E a terceira, de Nova Friburgo em diante.
A primeira seção foi a mais barata e de fácil execução, devido à adequação da topografia pouco acidentada. Tanto que o próprio barão a inaugurou, em 26 de abril de 1860, ao custo de 76:000$000. A segunda, que compreendia o trecho da serra, foi a mais trabalhosa. Contratou-a Bernardo Clemente Pinto (filho do concessionário inicial, falecido em 1869) com o governo da Província, por 2.800:000$000. E a terceira, apesar de mais extensa e cara (custou à empresa 3.426:000$000) foi de execução relativamente fácil, exceto nos trechos Conselheiro Paulino-Riograndina e Cachoeira dos Paulinos (atual Val de Palmas), em Macuco (onde afinal terminou o projeto, em vez de Santa Maria Madalena, conforme o plano inicial).
A segunda seção foi a mais trabalhosa, porque correspondia à serra de Nova Friburgo, numa extensão de apenas 35 quilômetros, mas vencendo rampas de até 9º em aclive e curvas de 34 metros de raio. Era, talvez, a ferrovia mais íngreme do mundo. Iniciados os trabalhos em 25 de março de 1870, somente três anos depois estavam concluídos – o que foi comemorado com um lauto banquete oferecido por Bernardo Clemente Pinto (que, na oportunidade, foi agraciado com o título de 2º Barão de Nova Friburgo) ao Imperador D. Pedro II.
Para subir a acidentada serra, Bernardo (servindo-se do eficiente auxílio do engenheiro Júlio Von Borell) tentou o sistema Fell, com um trilho intermediário servindo de cremalheira, cujos orifícios eram penetrados pelos dentes de uma engrenagem horizontal, debaixo da locomotiva, visando aumentar a impulsão na subida e servir de freio na descida. Para tanto, adquiriu sete locomotivas dotadas desse equipamento, da Estrada de Ferro Mont Cenis, que operava nos Alpes. Mas sem êxito, devido ao grande desgaste de material e ao elevado custo de manutenção. Pelo que acabou adquirindo locomotivas inglesas mais pesadas e que garantiam aderência sem necessidade de garras, conservando o trilho central apenas como instrumento de frenagem, mediante pastilhas.
O fato é que, em 1876, o trem chegou a Cordeiro, de onde foi puxado um ramal para Cantagalo e, em seguida, até o vale do Paraíba. A partir de então, embora ainda não estivesse pronto o edifício da estação, a maior parte da produção cafeeira e, depois, a do leite, além da totalidade do transporte coletivo da região, passaram a ser feitas pela ferrovia.
Isso, até o advento do transporte rodoviário, implantado cerca de meio século após e que, salvo durante a 2ª Guerra Mundial, fez à ferrovia enorme concorrência.
Vendidos mais tarde os três ramais em que se dividia o trajeto a empresas brasileiras e, depois, à britânica Leopoldina Railway, os serviços ferroviários na região funcionaram regularmente até 1950, quando se deu sua desapropriação em favor da Estrada de Ferro Leopoldina, afinal sucedida pela Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) e a consequente desativação em 1963.
A partir de então, o transporte de cargas e passageiros ficou a cargo, apenas, de empresas rodoviárias.
*Clélio Erthal é desembargador federal aposentado, pesquisador, escritor e autor de vários livros sobre a história dos municípios da região.