Os Caminhos do Imperador

Quem ouve falar nos ‘Caminhos do Imperador’ em Cantagalo sem conhecer a verdadeira história das tradicionais viagens de D. Pedro II pela região, imagina que ele, à semelhança do Príncipe Adalberto da Prússia e de outros viajantes ilustres que por ela passaram no século XIX, visitou várias fazendas de café e percorreu muitas partes do município, certamente atraído pelas belezas do lugar e no afã de conhecer, de perto, suas riquezas sociais e econômicas. 

Entretanto, nada mais ilusório.

O imperador, na verdade, não perambulou pelo município, nem visitou muitas fazendas na região como o vulgo imagina. Apenas passou duas vezes pela cidade, em ritmo acelerado, não tanto com propósitos sociais de conhecer os belos cafezais ou contactar os barões que viviam no recanto, mas com o fito de inaugurar trechos ferroviários já prontos e em pleno funcionamento mas por ele ainda desconhecidos.

A primeira viagem ocorreu em dezembro de 1878, para inaugurar a terceira etapa do projeto da Estrada de Ferro Cantagalo (já que a segunda, de Cachoeiras a Friburgo, ele tinha inaugurado em 1873, quando compareceu a um célebre banquete e outorgou a Bernardo Clemente Pinto o título de 2º Barão de Nova Friburgo). Na oportunidade, veio de Campos em trole até a fazenda de Areias (Boa Sorte) acompanhado de grande comitiva, da qual faziam parte, entre outras pessoas, a imperatriz Thereza Cristina, o conselheiro Cansanção de Sinimbu (presidente do conselho), Andrade Pinto (ministro da Marinha) e o Visconde de Bom Retiro (presidente da Província).

Foi uma viagem cansativa e árdua para quem estava acostumado ao conforto dos palácios; sobretudo, considerando que toda ela transcorreu em caminhos e chão e foi entrecortada por ligeiros pernoites em fazendas isoladas de São Fidélis e Itaocara.

Em Areias, a comitiva, já cansada, passou uma noite, seguindo para Santa Rita (hoje Euclidelândia) e daí para o Gavião em bonde sobre trilhos puxado a burros.

Em Cantagalo, ao contrário do que se imagina, sua passagem foi meteórica, tendo a comitiva mantido ligeiro contato com líderes locais de expressão, como José Antônio da Silva Freire (futuro Barão de Dourado), então delegado de polícia, Augusto de Souza Brandão (Barão de Cantagalo), chefe do Partido Liberal, e o Dr. Francisco de Souza Gomes, presidente da Câmara e, depois, famoso por ter combatido e, afinal, debelado a febre amarela na cidade.

Na ocasião, o imperador inaugurou a bela igreja do lugar (28 de dezembro), já em funcionamento desde 27 de janeiro de 1876, quando o padre José Antônio Paes Leitão nela celebrou a primeira missa. Em seguida, a comitiva tomou o rumo de Cordeiro, aí pegando o trem que a conduziu até Niterói, dando por inaugurado o respectivo trecho ferroviário (de Cordeiro a Friburgo).

A segunda viagem deu-se em junho de 1883 no sentido contrário ao da primeira, visando inaugurar a ferrovia até a margem do Paraíba (Itaocara), então chamada ‘Ramal da Cantagalo’. Tal como a outra, essa passagem também foi breve e corrida, demorando D. Pedro apenas um dia; tanto que foi até acompanhado de uma comitiva menor que a anterior, mal tendo tempo de manter contato com as autoridades locais, agora integrantes do Partido Conservador e não do Liberal. Nem tempo teve para deter-se na cidade ou visitar o interior do município e ali deixar as marcas da passagem, como certamente gostaria, na forma mencionada na lenda tão querida pelo povo.

*Clélio Erthal é ex-desembargador, ex-juiz federal e pesquisador da história de Cantagalo e região. Mais em www.cantagalo.rj.gov.br/index.php/filhos-ilustres/136-clelio-erthal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COMPARTILHE

Share on facebook
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on linkedin
Share on email