E chegamos ao último mês do ano. O burburinho das festas se avizinha, o comércio ampliará suas vendas, as canções natalinas passarão a ser executadas à exaustão e, daqui a pouco, para todo o lado para onde se lançar o olhar, a onipresença das reproduções cintilantes de papais noéis, pinheiros boreais e neve requisitarão a nossa atenção.
Em meio à euforia que, em poucos dias, se apossará de todos, o ano do bicentenário do município de Cantagalo chega ao fim. E, daqui, do alto do “décimo segundo andar” de 2014 (que é como o grande Mário Quintana refere-se ao mês de dezembro, em um arrebatador poema de final de ano intitulado ‘Esperança’), passamos a ter uma visão panorâmica do transcorrido e, antes do show pirotécnico da virada coalhar o céu com seus efeitos reluzentes, talvez seja pertinente tecermos algumas reflexões sobre os eventos comemorativos dos 200 anos.
O que deles não se apagará com os fogos do réveillon? Quais iniciativas ficarão entranhadas na tessitura social a ponto de gerarem frutos futuros? Será que as comemorações contribuíram para incrementar, ou ao menos reorganizar, o amarelado calendário de eventos culturais do município? O que de efetivo foi feito para projetar a história, preservar a memória e o valoroso patrimônio cultural da nossa terra? Na intenção de legar para a posteridade vestígios importantes da caminhada dos cantagalenses no tempo, alguma edificação de valor histórico foi restaurada, ou mesmo um novo equipamento cultural foi criado? Dentre os poucos espaços culturais que existem (ou persistem?) no município, algum foi revitalizado?
Talvez, argumentarão os mais cautelosos, não tenhamos todas as respostas para essas indagações assim, no frescor da hora presente, por conta da proximidade imediata com os fatos. É provável que, só concedendo tempo ao tempo, possamos perceber (ou não) se haverá desdobramentos do acontecido e verificar seus reais efeitos… Então, utilizemos a regra da prudência: aguardemos!
Mudando o tom da partitura, o ano do bicentenário não deve terminar sem prestarmos, aqui, as nossas necessárias homenagens e reverências às atuações de quatro importantes personalidades que, através de suas ideias, reflexões e paixões, contribuíram sobremaneira para a redefinição dos marcos temporais que balizam a história do município, devolvendo a Cantagalo a primazia de unidade administrativa mais antiga da região.
Cada um deles, ao seu modo e com seu estilo pessoal, plantou e fez germinar a semente da mudança, recolocando o “2 de outubro de 1857” em seu devido lugar – apenas como um marco temporal honorífico de elevação da nossa malha urbana central à condição de cidade – e evidenciando o “9 de março de 1814” como data magna representativa da criação do município, deste modo, redefinindo, de forma fidedigna, a contagem da idade de Cantagalo.
Há tempos, o nosso sempre candidato ao Prêmio Nobel da Paz, Seu Bento Luiz Lisboa, com a inabalável serenidade que lhe é peculiar, assinalava em conversas informais, nos debates públicos, nas palestras em colégios e em demais espaços de discussão, o que realmente representava cada um desses marcos temporais e a confusão que se fazia com eles.
Na seara da discussão acadêmica e militância na imprensa escrita (contando com ampla cobertura do JORNAL DA REGIÃO), atuavam os doutores Clélio Erthal e Henrique Bon, convertendo os incrédulos. Incansáveis pesquisadores que são, produziram textos reveladores e contundentes, imprescindíveis para o convencimento geral quanto à gênese do município e o “divisor de águas” que o “9 de março de 1814” representa, na história de Cantagalo e região.
E, por fim, mas tão importante quanto, encontrava-se o professor Gerson Tavares do Carmo, articulando a mudança de perspectiva junto às instâncias pedagógicas e políticas locais, com a produção de material didático sobre a correção da idade do município, como também promovendo profícuo diálogo junto aos representantes do Executivo e Legislativo à época.
Deste modo, esses quatro valorosos expoentes engendraram, há mais de uma década, na complementariedade de suas ações, um movimento de revisão histórica que conquistou os corações e mentes de uma parcela considerável dos munícipes, culminando na outorga, pelo Executivo municipal, do Decreto nº 1.661, de 22 de novembro de 2004 (publicado aqui, no JORNAL DA REGIÃO, em 11 de dezembro), e, no ano seguinte, ensejando a primeira comemoração pública, com toda pompa e circunstância, do “9 de março de 1814” como data magna do município, dentro do espírito de que esta deveria ter o status de ‘Dia da Consciência Histórica de Cantagalo’.
Assim sendo, do alto do décimo segundo andar de 2014, nas últimas semanas do bicentenário, aos artífices da mudança, prestamos as nossas mais respeitosas reverências, almejando que outros movimentos com o mesmo sentido de valorização da nossa história venham à tona.
Na oportunidade, desejamos a todos os cantagalenses um Ano Novo repleto de alegrias e afetos.
Viva o povo cantagalense!!! Viva a inebriante história e o valoroso patrimônio cultural da nossa queridíssima Cantagalo!!!
*João Bôsco de Paula Bon Cardoso é professor de sociologia e geografia, coordenador de patrimônio cultural do Projeto Fazenda São Clemente e um dos coordenadores do Centro de Memória, Pesquisa e Documentação de Cantagalo.