No JR da semana passada, o artigo “Santuário do Santíssimo Sacramento: lugar de desagravo e adoração” foi de autoria de Angela Araújo. Ela o escreveu sob pressão, devido a uma situação difícil de minha saúde, o que me impediu de escrever o artigo semanal em tempo hábil. Em respeito aos nossos fiéis leitores, Angela ofereceu-se para escrevê-lo. Por um lapso, o meu nome foi mantido como autor. Mas Angela Araújo, escritora e poeta, é a verdadeira autora.
Angela baseou-se na 3ª Conferência da Cidade, realizada em 9 de março de 2020, na Câmara Municipal de Cantagalo, organizada por iniciativa do então vereador João Bosco, de autoria do Professor Anderson José Machado de Oliveira, com doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (2002) e coordenador do Centro de Memória do polo do Cederj, em Cantagalo, sob o título O Catolicismo na ocupação das Novas Minas de Cantagalo – Uma história de desacato e desagravo ao Santíssimo Sacramento. De toda a pesquisa apresentada, o que principalmente ela destacou foi a hipótese, bastante provável, segundo ela mesmo concluiu, de fatos que acabaram por levar à escolha do Santíssimo Sacramento como Padroeiro da Matriz, depois, Santuário do Santíssimo Sacramento. Com certeza o Apóstolo Simão Pedro seria até uma escolha natural, uma vez que dera nome à Vila de São Pedro de Cantagalo e sempre foi muito festejado por aqui. Algo realmente especial aconteceu para que os olhos se voltassem para nosso Santíssimo Padroeiro, motivo de muito louvor e adoração, como Angela destacou.
As proezas de Manuel Henriques eram contadas por ele mesmo, naturalmente para amedrontar os seus possíveis adversários e inimigos para dominar os sertões dos índios bravios ou sertões de Macacu e, mais tarde, sertões de Cantagalo ou Novas Minas de Cantagalo. Ninguém contava que viu essas aventuras mirabolantes. Os que contavam essas estórias começavam assim: “Mão de Luva me contou que o governador das Minas Gerais pediu a ele para demonstrar as suas aventuras. Ele montou no cavalo e voou, atravessou rios e montanhas e depois voltou ao mesmo lugar”. Mas, ao que nos consta, o governador nunca contou essa proeza de Mão de Luva.
Manuel Henriques foi denunciado ao Tribunal da Santa Inquisição por vingança de um desafeto do garimpo, José Gomes, este processado, condenado, preso e com destino ignorado. Em seu depoimento José Gomes chega a detalhar onde o Mão de Luva pode ser encontrado:
“Pelo que já expusemos da Entrada de Macacu para as ditas Minas, chegando ao lugar chamado das Três Cruzes, se acha uma pedra de amolar à mão esquerda, e nesse mesmo lugar acha-se a picada, que entra para Minas Gerais; vai-se por ela sair a uma Aldeia, e perto desta fica o Rio Paraíba, viagem de dois dias; passando este a outra banda segue-se a picada, que vai sair à Igreja Nova, lugar da residência de Manoel Henriques, Mão de Luva, do Xopotó, aonde tem a sua família.” (Negritos no original).
A “bolsa de mandinga” de Mão de Luva, que ele dizia manter o seu “corpo fechado”, era uma espécie de amuleto, que portava ao pescoço. Ele dizia conter partículas de hóstias consagradas, pedaços de pedra d’ara, desenhos e orações aos santos e ao Santíssimo. Segundo ele, os fragmentos de hóstias eram obtidos, porque ele os guardava quando comungava, enroladas num pedaço de tecido. Eram objetos por ele usados em ritos mágicos. Esse o desacato que fazia ao Santíssimo Sacramento, uma profanação ao sagrado, como consta na coluna passada.
A história de nosso município é muito rica e nela se entrelaçam lendas e histórias verdadeiras que as pesquisas vão depurando nestes tempos digitais. Começou com o Visconde de Santo Tirso, um nobre português com sua romântica história de amor com a princesa Maria, que o fez tornar-se Mão de Luva:
“E esta mão, que um momento a vossa mão encerra,
Jamais há de apertar outra mão sobre a terra!
Nunca mais, minha mão cerrará outra palma;
Minha princesa! Eu vo-lo juro, por minh’alma,
Agora, que a selais, ó Princesa querida,
Com um beijo de amor, à hora de despedida!
Calçarei doravante uma luva e somente,
No dia em que puder, as vossas, novamente,
Apertar, já feliz por voltar, nesse dia,
É que a descalçarei, ó Princesa Maria!”
(Fonte de Aroma – Amélia Tomás)
Pura lenda, embora a história seja bela, criada por Acácio Ferreira Dias. E a Mão de Luva nunca tenha sido explicada… Da lenda, pulamos para a dura realidade do garimpo de aluvião, das tantas dificuldades com o próprio meio e com o governo. Trabalho duro, ouro, cansaço, lutas, algumas vitórias, muitas derrotas, denúncias, traição. Mas valeu certamente a pena! Afinal, de tudo isso nasceu CANTAGALO! E é assim que Amélia Tomás, nossa poeta maior, canta o que a História diz a Mão de Luva:
“E nesta terra, em que choraste tua mágoa,
Bem no lugar onde borbulha a fonte d’água
Há de nascer uma cidade, de teu ouro.
Um povo há de surgir empós de teu tesouro!
Teu nome será dito em palácios e escolas,
Feitos do ouro que tens guardado nas sacolas.
Por séculos irá repetido, em embalo,
Aqui, onde será erguida Cantagalo!
Procuraste a Riqueza. Eu te darei a Glória!
Quiseste regressar. Prender-te-ei na História!
E sobre o nome teu, poder não tem o olvido,
Porque, anos a fio, há de ser repetido,
De quebrada em quebrada, há de ir, de serra em serra,
Pela grande extensão dessa futura Terra!
Bandeirante do Amor! Só te resta a Saudade.
Foi mais forte que tu! Deu-te a Imortalidade!”.
(Fonte de Aroma – Amélia Tomás)
Na verdade, a pesquisa sobre Mão de Luva não terminou. Há muito a descobrir, a esclarecer. E o Instituto Mão de Luva segue as pistas, garimpa memórias para construir a História.