“Os jovens estão ficando mais sábios?”, por Amanda de Moraes
Era uma manhã agitada no escritório. Ana revisava um relatório importante quando foi interrompida por um e-mail seco do chefe: “Preciso disso pronto para a reunião. Está cheio de erros. Refaça.” O tom ríspido a irritou. Ela passou horas naquele relatório, revisando cada detalhe. “Ele nem sequer reconheceu o esforço que fiz”, pensou, sentindo um nó na garganta. Com raiva, começou uma resposta defensiva, mas algo a fez parar. Respirou fundo e decidiu perguntar ao colega do outro setor se sabia o que estava acontecendo. “O chefe está assim com todo mundo hoje, respondeu o colega. Parece que recebeu uma cobrança pesada da diretoria e está sob uma pressão enorme”.
Ana hesitou. Ainda estava chateada, mas agora via a situação com outros olhos. Em vez de responder no mesmo tom, refez o relatório e enviou uma mensagem objetiva e profissional:
“Aqui está a versão corrigida. Se precisar de ajustes de última hora, estou à disposição.”
Para sua surpresa, o chefe respondeu algumas horas depois: “Obrigado, Ana. Sei que o prazo está apertado. Agradeço seu empenho.” Naquele dia, Ana percebeu algo essencial: quando escolhemos olhar além da nossa própria frustração e tentamos entender o que o outro está passando, evitamos conflitos desnecessários e fortalecemos as relações no trabalho.
Se Colocar no Lugar do Outro Parece Fácil, Mas Não É
Falando assim, parece algo simples e fácil. Porém, na prática, é um dos maiores desafios humanos. Somos naturalmente egocêntricos e tendemos a ver o mundo a partir das nossas experiências, sentimentos, pensamentos, valores… No trabalho, isso resulta em julgamentos precipitados, falta de paciência e relações frágeis, alto índice de turnover e um clima organizacional tenso e hostil. Temos dificuldades em compreender a dor do outro e, muitas vezes, ao invés de acolher, acabamos caindo em armadilhas como:
- Comparar (transformar a dor do outro em competição): Quando alguém compartilha um problema, nossa reação automática muitas vezes é buscar uma referência na nossa própria história. ” Ah, mas eu já passei por coisa pior, ele está exagerando“. Sem perceber, invalidamos a dor do outro.
- Inferir (julgar antes de entender): criamos suposições sobre o comportamento alheio sem buscar entender de verdade. Quando um colega está mais quieto ou menos produtivo, concluímos que ele está desmotivado, preguiçoso ou fazendo corpo mole “Isso não é nada, ele está fazendo drama”, sem considerar que pode estar passando por dificuldades invisíveis.
- Silenciar (ignorar parece mais fácil): Quando uma pessoa perde a paciência e simplesmente quer se desconectar dos problemas alheios: “Caramba, lá vem ele com a mesma história de novo. Não quero mais ouvir sobre isso”. Amplia o sofrimento.
O fato é que cada um sente de um jeito. O que parece pequeno para um, pode ser gigante para outro. E é aqui que entra a necessidade de se colocar no lugar do outro: não se trata de sentir o que o outro sente, mas respeitar sua dor e tentar entender sua realidade. Nem sempre precisamos resolver o problema, só precisamos demonstrar que o outro não está sozinho. Estudos mostram que 60% dos funcionários deixam seus empregos devido a desentendimentos com chefes ou colegas. Situações poderiam ser evitadas se houvesse um esforço maior para compreender o outro.
Por Que é Tão Difícil Se Colocar no Lugar do Outro?
Um colega recebe uma bronca do chefe e fica arrasado. O que os outros pensam? “Ah, ele é muito sensível”, “Eu já levei broncas piores e não fiz drama” e “Isso faz parte do trabalho, segue o jogo!”. Mas quem garante que aquele momento não foi a gota d’água para alguém já sobrecarregado? O que nos impede de considerar o peso que isso pode ter para o outro:
- Egoísmo e Autocentralidade: Pessoas focadas apenas em suas próprias necessidades tendem a ignorar as emoções dos outros.
- Falta de Experiência ou Vivência: Quem nunca passou por uma determinada situação pode ter dificuldade em compreender a dor ou o desafio do outro.
- Pressa e Falta de Atenção Plena com o Outro: A rotina acelerada impede momentos de reflexão sobre o que os outros estão sentindo. Tendemos esquecer que trabalhamos com pessoas, não máquinas.
Atitudes Simples para Desenvolver a Arte de Se Colocar no Lugar do Outro
Não se trata de apenas sentir compaixão – significa agir com consciência. Requer um esforço ativo para ouvir de verdade, perguntar antes de julgar e aceitar que cada pessoa tem sua própria realidade. No trabalho, isso pode ser tão simples quanto perguntar a um colega sobre seu dia antes de despejar demandas, ou tão complexo quanto um líder que ajusta expectativas ao perceber que sua equipe está sobrecarregada. Pequenos gestos como validar sentimentos, demonstrar interesse genuíno e evitar respostas automáticas podem transformar um ambiente de trabalho de frio e indiferente para humano e colaborativo. Aqui estão algumas estratégias para exercitá-la no dia a dia:
- Pratique a Escuta Ativa – Escute com atenção – Não interrompa quando um colega explicar um problema ou dificuldade. Às vezes, a pessoa só precisa ser ouvida.
- Pergunte Antes de Julgar – Antes de reagir a um e-mail ríspido ou erro de um colega, entenda o contexto, pergunte: “Será que há algo por trás desse comportamento?”
- Observe a Linguagem Corporal – Muitas emoções não são ditas em palavras, mas aparecem em gestos e expressões.
- Reflita Sobre Suas Próprias Experiências – Pense em momentos em que você já precisou de compreensão e como se sentiu.
- Pratique Pequenos Atos de Gentileza – Um simples “como você está?” pode fazer diferença.
- Demonstre reconhecimento – Pequenos gestos, como agradecer o esforço de alguém ou reconhecer um bom trabalho, fazem grande diferença.
- Controle suas emoções antes de reagir – Se algo te irritou, respire fundo e avalie se vale a pena reagir no calor do momento.
Se Colocar no Lugar do Outro É Uma Arte – E Você Pode Praticá-la Todos os Dias
Empatia não é só uma questão de bom relacionamento, mas também de eficiência. Não é um talento inato, mas uma habilidade treinável. Começa com o exercício diário de olhar para além de si mesmo, com a disposição de aprender com as histórias e dores alheias. O desafio não é apenas se colocar no lugar do outro, mas estar disposto a permanecer lá por tempo suficiente para enxergar o mundo através dos olhos dele.
Se colocar no lugar do outro é uma arte – e como toda arte, ela precisa ser praticada. Que tal começar hoje? Da próxima vez que alguém agir de forma inesperada, tente parar por um momento e se perguntar: “O que essa pessoa pode estar passando?” Essa pequena mudança de perspectiva pode transformar suas relações no trabalho e tornar o ambiente profissional muito mais humano.