“A carta”, por Dr Júlio Carvalho

No dia 31 de março ou 01 de abril de 1964, os militares brasileiros afastaram João Goulart da Presidência da República, para qual tinha sido eleito democraticamente como vice-presidente, enquanto Jânio Quadros era escolhido presidente pela maioria do eleitorado brasileiro, ocupando os destinos do Brasil e instituindo um regime de exceção que durou 21 anos, caracterizando-se por inúmeras arbitrariedades e o desaparecimento de cerca de 1.500 brasileiros. Quem se manifestasse contra o governo era classificado como comunista e inimigo do Brasil.

Diante de tal quadro, reações de aspecto democrático surgiram no país; a mais importante de todos foi a Carta aos Brasileiros, elaborada pela Faculdade de Direito de São Paulo, em comemoração aos 150 anos do início do estudo do Direito em solo nacional.

Goffredo da Silva Telles lê a Carta aos Brasileiros pedindo Estado de Direito, nas Arcadas da Faculdade do Largo de São Francisco, São Paulo. Foto: Kenji Honda/Estadão
Goffredo da Silva Telles lê a Carta aos Brasileiros pedindo Estado de Direito, nas Arcadas da Faculdade do Largo de São Francisco, São Paulo. Foto: Kenji Honda/Estadão

Seriam comemorados os 150 anos da criação das Faculdades de Direito de São Paulo e Olinda; os festejos seriam organizados pelo Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, estando na Presidência do Brasil o General Emílio Garrastazu Médici. Todavia, três ex-alunos da Faculdade de Direito de São Paulo, não se conformando com tal situação, solicitaram ao jurista e professor Goffredo da Silva Telles Junior que elaborasse uma carta a ser lida na Faculdade de Direito de São Paulo no dia 11 de agosto de 1977.

Aceito o convite, o Prof. Goffredo preparou o documento que foi lido no Largo de São Francisco (SP) perante uma multidão. Terminada a leitura, a multidão, cheia de entusiasmo e patriotismo, saiu em desfile pelas ruas de São Paulo em manifestação contra o regime militar.

A carta de 1977, em um dos seus primeiros tópicos, afirmava: “Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permaneceremos, decididos, como sempre, a lutar pelos direitos humanos, contra a opressão de todas as ditaduras”.

Terminada a leitura pelo seu autor, o povo paulista saiu em manifestação pelas ruas da capital paulista, formando uma passeata que reuniu mais de 7.000 pessoas, contrariando as proibições do AI-5.

Pátio da Faculdade de Direito da USP cheio durante ato da leitura da carta pela democracia. Foto: Conjur
Pátio da Faculdade de Direito da USP cheio durante ato da leitura da carta pela democracia. Foto: Conjur

Agora, em 2022, quando o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário, e seus ministros sofrem ameaças de toda natureza e a segurança das urnas eletrônicas é questionada, que a compra de armas é facilitada por leis esdrúxulas, colocando em risco a vida da população e a democracia, São Paulo, mais uma vez se manifestou, repetindo a mesma cena de 1977, na Faculdade de Direito.

Dessa vez, a leitura da carta pela Democracia, no mesmo horário, ocorreu em Brasília e nas capitais estaduais, numa demonstração clara e patente de que o povo brasileiro deseja viver no regime democrático, repudiando qualquer forma de ditadura, como ficou bem claro pelas multidões presentes em todos os atos espalhados pelo Brasil. As manifestações tiveram um significado: queremos Democracia!

Em 2022, foram duas cartas, uma da FIESP, que contém mais de um milhão de signatários e outra da Faculdade de Direito de São Paulo. A solenidade se caracterizou pela presença de pessoas da direita, da esquerda e de centro; empresários e trabalhadores; professores e alunos; intelectuais e artistas; jovens e idosos; e, principalmente, por afrodescendentes da raça negra, que tanto contribuíram para o desenvolvimento brasileiro e que, até hoje, em sua maioria, vivem marginalizados, com os piores salários, vivendo em morros ou na periferia de nossas cidades, em habitações precárias, mal alimentados, com assistência médica e odontológica precárias. O grande partido defendido e amado por todos era a DEMOCRACIA.

Por falar em Democracia, ela nasceu no ano de 508 a.C., na Grécia, precisamente em Atenas, como um mecanismo contra os regimes autoritários da época, sendo Atenas o grande centro cultural da antiga Grécia.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

Não era uma democracia perfeita, na qual os estrangeiros, os escravos e as mulheres não tinham direito a votar. Por outro lado, os eleitos para os cargos públicos não recebiam salários, o que impedia que os pobres se candidatassem, pois não teriam como viver. Só mais tarde, Péricles criou leis remunerando os eleitos, o que facilitou a vida dos mais pobres que passaram, também, a concorrer a cargos eletivos na antiga Grécia.

No Brasil, nossa democracia também sofreu uma evolução lenta: as mulheres só passaram a ter direito ao voto a partir de 1932. Todavia, até hoje, a representação feminina é pequena no legislativo e no executivo, embora forme a maioria do eleitorado brasileiro.

Por outro lado, os analfabetos passaram o votar somente em 1985, assim mesmo sob protesto de alguns letrados da época, que esqueciam que o analfabeto foi à guerra lutando pela pátria mais de uma vez, que ajudou a construir as riquezas nacionais, que paga tributos ao estado, enfim, que também é cidadão.

O regime democrático não é perfeito mas é o melhor até hoje, podendo ocorrer o que foi dito por George Bernard Shaw: “A democracia muitas vezes significa o poder nas mãos de uma maioria incompetente”.

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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