“A vida em pedaços: causos”, por Celso Frauches

Vou continuar navegando por minha vida pregressa, sem qualquer relação com a famosa “certidão negativa”, que garantia que não tínhamos nada a dever à polícia ou à justiça…

Corria o ano de 1963. Janeiro. Morava com meus pais em Cantagalo, na Rua César Freijanes, ao lado da casa do amigo Wilder de Paula, por ele alugada ao meu pai, Henrique. Minha mãe, Telva, contratou uma antiga empregada doméstica ou secretária, Maria Antônia. Nós não sabíamos, mas ela era portadora de uma síndrome: não perdia um velório ou um enterro. Não interessava a pessoa, mas o ritual. Naquela época, o sino da Igreja do Santíssimo Sacramento badalava quando morria alguém e quando o féretro saía em procissão até o cemitério. Ao ouvir o sino, Maria Antônia largava tudo que estivesse fazendo e corria para participar do evento fúnebre. Quantas vezes minha mãe teve que terminar o almoço…

A vida em pedaços
Ilhabela, SP, e a bela da ilha. Ops! A bela da ilha mergulhou no Atlântico no momento da foto…

Em 1954, eu era escrevente da Delegacia de Polícia de Cantagalo. Meu chefe imediato era o amigo Milton Nunes Loureiro. Ele me orientava sobre como me relacionar, por carta, com pessoas do Brasil e de países de língua espanhola. Eu estudava Espanhol no curso científico. Cartas, em tempos sem internet. Fiz algumas boas amizades… Entre elas, com uma bela moça de Ilha Bela, na região de Santos. Mudei-me para Niterói. Fui trabalhar na Alerj. No almoxarifado. Era um simples funcionário. O almoxarifado funcionava num porão, tão desprezado que era. E não tinha a sorte da faxina pelos faxineiros. Eu e o amigo Uélsio, como dedicados trabalhadores, fazíamos uma limpeza periódica. Num sábado de 1955, estávamos fazendo uma limpeza pesada. Eu e ele de roupas surradas, calça arregaçada na canela, chinelo de dedo. Uma aparência dolorosa. O telefone toca. Atendo. Era a linda correspondente de Ilha Bela: “Estou com minha mãe aqui nas barcas, em Niterói. Onde posso encontrá-lo?”. Indico o caminho até a Alerj e vou esperá-la no portão, da forma que estava vestido. A mãe e a filha chegam e me perguntam: “Nós queremos falar com o Celso”. Eu respondi: “Sou eu”. A mãe arregalou os olhos. A filha, linda, ficou ruborizada. Eu, envergonhado. A mãe apressou-se a dizer: “Mais tarde passamos aqui, você está ocupado”. Viraram as costas. Foram embora. Nunca mais recebi cartas da linda moça da Ilha Bela, de praias idem… Decepcionei-a pela aparência!

A vida em pedaços
Na foto, Celso, sua esposa Lêla e o casal Roberto Santos, na festa de despedida do CFE, em julho de 1974

Em abril de 1971, fui convidado pelo Coronel Confúcio Pamplona a ir para Brasília, a fim de integrar a equipe que faria a mudança do Ministério da Educação para a nova capital. O ministro era o coronel Jarbas Passarinho. “Anos de chumbo”. Cheguei em maio. Em junho, assumi o cargo de secretário geral do Conselho Federal de Educação (CFE).

Dois causos:

— Ao me apresentar no Departamento de Pessoal, o diretor me perguntou, após preencher o cadastro: “O senhor é professor ou doutor?”. Respondi: “Nem uma coisa nem outra”. “Mas aqui o senhor tem que ser professor ou doutor”, acrescentou. “Então pode escolher”, disse. “Professor”, afirmou com autoridade. Foi assim que nasceu o “professor Celso”, embora alguns insistiam em me chamar de “doutor”.

— No mesmo CFE, eu tinha uma secretária que portava o título de doutorado nos EUA. Ela me apelidou de “Doutor”. Uma doutora não poderia ser secretária de alguém sem nenhum título. Entre os seis funcionários que mudaram para Brasília, um deles ficou meu amigo. Na primeira vez que ele me chamou de “doutor”, eu protestei: “Você é meu amigo e sabe que não sou doutor”. Passados alguns dias, ele foi despachar comigo alguns assuntos. Ele entrou e disse: “Não tem jeito. Quando eu disse pra dona Ana que desejava falar com o Celso, ela me disse, com autoridade: “Dobre a língua, doutor Celso”. Aí nasceu o “doutor Celso”. O caro leitor já sabe que não sou doutor ou professor. Mas caso queira me apelidar de professor, agradeço. É uma honra.

A vida em pedaços
Celso Frauches, no momento em que escrevia esta crônica

Ainda no CFE, havia uma conselheira, Nair Fortes Abu-Merhy, com cerca de setenta anos de idade e problemas auditivos. No meu primeiro contato com ela, disse-lhe em voz bem alta: “Doutora Nair…”. Ela me interrompeu e disse-me “Nair Fortes Abu-Merhy. Eu tenho marido”. Então lhe disse, em voz baixinha: “pois não, doutora Nair”…

Liderei a elaboração do projeto de autorização da Universidade Cândido Mendes, nos idos de 1993. Na primeira reunião com o Dr. Cândido Mendes, um homem culto, proficiente em vários idiomas, diretor de diversos organismos da ONU, ele começou a falar comigo e, de repente, disse uma frase em alemão. Logo depois em inglês. Eu lhe disse: “Doutor Cândido, por favor, fale comigo só em português. Não falo esses idiomas estrangeiros, só português”. Ele riu e eu aderi. Rimos à vontade e ficamos amigos…

Quando no CFE, gozava as férias entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. Em 1974, quando regressei das férias, comuniquei ao presidente, Dr. Roberto Santos, ex-reitor da Universidade, que deveria retornar à Alerj em julho do mesmo ano. Ele me disse: “Possivelmente vou ter que me afastar deste cargo. Se o ACM (Antônio Carlos Magalhães, governador da Bahia), me indicar entre os cinco candidatos a substituí-lo, eu posso ficar em último lugar, que serei escolhido pelo presidente Geisel para governar a Bahia a partir de 1975. E foi o que aconteceu… Coisas da política…

Corria o ano de 1959. Morava em Niterói. Vim passar uns dias de férias no sítio São Sebastião, entre o Porto do Tuta e o Porto Marinho, com meu avô Pedro Coelho, com 85 anos de idade, e os tios Lalá e Messias. Passo algum tempo à beira do Rio Paraíba do Sul, embaixo de uma frondosa árvore, aconchegante, pensando na vida. Vô Pedro comenta com tia Lalá: “Será que o Celso engravidou alguma moça em Niterói!?? Está tão pensativo…”. Tia Lalá sorriu e, evidente, negou essa possibilidade.

Numa manhã, após tomar o café, percebi que a braguilha do vô Pedro estava aberta. Disse-lhe: “Vô, sua braguilha está aberta”. Ele abriu um largo sorriso e falou: “Não ligue, meu neto, passarinho morto não foge da gaiola”. Hahahaha

É. A vida é bela; a felicidade até existe… Até a próxima!

Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

Ver anterior

Energisa reforça atendimento digital e pede apoio de clientes para evitar aglomerações em agências

Ver próximo

Firjan SENAI Nova Friburgo tem 70 vagas abertas para cursos técnicos em Eletromecânica e Mecatrônica

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais Populares

error: Conteúdo protegido !!