“Academia Boêmia de Letras”, por Amanda de Moraes

Platão, por volta de 387 a.C., fundou a famosa Academia, na qual se fortaleciam o intelecto e a aptidão física. O homem, harmonia do seu corpo e da sua mente, voltava-se para a máxima potência de seu desenvolvimento.

Há muito, é motivo de grande orgulho seguir uma notória carreira acadêmica, mediante árduos caminhos, trilhados a duras penas, com privação de prazerosos momentos com pessoas amadas ou de sua própria companhia.

Domingos de estudo avançam o lugar daquele cineminha despretensioso do entardecer; manhãs ensolaradas são dedicadas à consulta em diversos livros, neurônios aborrecidos pela famosa formatação à ABNT.

Porém, no mundo sub-reptício do conhecimento, existe uma formação, única e aprazível, para atalhos gigantescos: trata-se da academia boêmia de letras.

Não se sabe ao certo a origem dessa centenária instituição. Uns dizem que foi inaugurada em uma pequena cidade, no interior do país, por dois senhores vizinhos, que, ao entardecer, embalados pelo marasmo, colocavam suas cadeiras na calçada em frente à casa, para papear sobre os mais diversos assuntos. Outros afirmam que houve um conselho de deliberação.

Seja lá como for, essa entidade boêmia atrai, a torto e a direito, especialistas nos mais diversos assuntos. A grade curricular não é das mais complexas: basta um gole de cerveja, amigos reunidos (ou a solitude moderna), uma boa mesa de bar… dá-se, então, início aos mais eruditos discursos sobre o assunto do momento.

A expertise mais apreciada, pontuam, é em direito e processo penais. Se existe algo que atrai esses acadêmicos (in)formais é o tal do fato criminoso.

– O jogador foi acusado de praticar o delito de estupro, viu? Sabia! Tenho certeza de que é culpado!
– Ah, é? Por quê?
– Ora, está na cara que foi ele. Não viu a reportagem? Convenhamos, ele tem toda a pinta de culpado.
– É verdade. A sua intuição nunca engana…
– E a delação do cara lá da construtora? Só tem bandido!
– Ué, mas a delação não era do rapaz daquela outra empresa… Qual é mesmo o nome?
– Não importa, todos são culpados.

Dessa prestigiosa instituição, recebem todos o título de Rainha de Copas. Noticiou-se um crime? Cortem as cabeças! Dado momento, subitamente, algo curioso ocorreu.

Os gritos pela decapitação, que ecoavam de bar em bar, de mesa em mesa, entusiasmados pelo eco, aos poucos foram diminuindo. O barulho ensurdecedor do tribunal popular começou a se aquietar.

Cortem as cabeças!” – gritou fulano. Porém, só respondeu beltrano. Sicrano já não mais estava lá. Fora decapitado.

De tanta sentença às cegas, o pau que outrora bateu em Chico bateu forte em Francisco também. E sem defesa ou processo, a pena imposta de imediato não teve dó de ninguém: do carrasco ao indigente, não sobrou um vivente.

Sem processo, advogado, ou qualquer regra minimamente civilizatória, aos berros e gritos, o suicídio em massa foi inevitável. Maldito Platão!

 

Amanda Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes.
Amanda Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes.

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