“Adeus Amigo!”, por Dr Júlio Carvalho

O encontro, na Vila Pitta – da esquerda para direita: Celso, Geraldo e Júlio

 

Março de 1948. Mais uma turma de jovens iniciava o curso ginasial no casarão no final da rua Nilo Peçanha, em um prédio que foi demolido e substituído por uma residência. Defronte, do outro lado da rua, ficava um pequeno campo de futebol, que servia, também, para as aulas de Educação Física.

A nova turma do ginasial era bastante heterogênea quanto a sua origem; os alunos foram preparados em diversas escolas: G.E. Lameira de Andrade, Curso Amélia Thomaz, Curso da Da. Dulce Barros Lutterbach, escolas públicas dos distritos de Cantagalo, enquanto outros vieram de municípios vizinhos: São Sebastião do Alto e Cordeiro, pois Cantagalo era o único município da região a possuir curso ginasial.

Pouco a pouco os alunos foram se conhecendo e formando grupos de amigos; do mesmo modo, alguns foram se destacando pelo conhecimento, pela inteligência, pelo comportamento e pela dedicação ao estudo. O que mais se destacou por todas suas virtudes era o primogênito de uma irmandade de dez ou doze irmãos, filho de um padeiro e de uma senhora que tinha a função de cuidar da casa e da enorme prole. Educadíssimo e tranquilo, jamais entrava em atrito com os colegas. Seu nome Geraldo Arruda Figueredo, filho do Sr. Bertholino Cannes Figueredo e da Sra. Elvira Arruda Figueredo. Primeiro aluno da turma do primeiro ao quarto ano, sem concorrente e com grande humildade.

Durante o curso ginasial, foram sendo formados grupos com maior afinidade e amizade; embora eu falasse com todos os colegas, me enquadrei num quarteto, cuja amizade perdura por mais de meio século: os meus companheiros de estudo, passeios e bate-papos, à noite, na praça, eram Geraldo, João Guzzo e Celso Frauches.

No início do nosso curso, o avô do Geraldo fechou a sua padaria, deixando desempregado o Sr. Bertholino, que passou a trabalhar tenazmente, enfrentando diversos tipos de trabalho para manutenção da família, enquanto a Da. Elvira, ajudada pela Maria Amália, preparava deliciosos doces e salgadinhos que os filhos vendiam nas ruas de Cantagalo. Lutavam excessivamente, mas viviam com dignidade, apesar da pobreza.

Em determinado momento, nem os livros escolares puderam comprar para o Geraldo, que os recebia de um aluno de Bom Jardim, um ano a nossa frente, de nome Gonzaga.

Em certo momento, o saudoso amigo Padre Crescêncio convidou o Geraldo para assumir a secretaria da Paróquia do Santíssimo Sacramento de Cantagalo. Foi seu primeiro emprego. Com tranquilidade, meu amigo cumpriu as tarefas do cargo e aproveitava os momentos ociosos para estudar.

Terminado o ginasial, Geraldo passou a estudar contabilidade à noite. Ocasião em que foi convidado, pelo sócio Sr. Edmo Japor, para assumir o escritório da firma Japor, Dias e Teixeira, casa comercial de grande movimento. Mais uma tarefa exercida com sucesso.

Dois anos mais tarde, o tabelião Sr. Carlos Beliene Éboli, necessitando de mais um funcionário para o seu cartório, e sabendo a competência e a responsabilidade do jovem Geraldo, o convida. Nessa nova função, Geraldo entra em contato com os meandros do Direito e aprende as atividades cartoriais. Surge o desejo de estudar Direito.

Pouco tempo decorrido, a esposa de um deputado estadual é contemplada com um cartório em Niterói; necessitando de um servidor de responsabilidade e conhecedor do trabalho, convida Geraldo. Este transfere sua residência para a então capital do estado, presta vestibular e ingressa na Faculdade Fluminense de Direito.

Trabalha no cartório durante o dia e estuda à noite, residindo em São Gonçalo, na casa de seus tios Azer e Albertina Ribeiro.

Concluído o curso de Direito, o chefe do departamento jurídico da Companhia Brasileira de Energia Elétrica, convida Geraldo para ser seu assessor na companhia. Ao mesmo tempo que passa a exercer suas funções na empresa, Geraldo trabalha como advogado. Com a aposentadoria do chefe, Geraldo assume o comando do departamento jurídico da empresa.

Prestando concurso público, passa a trabalhar como advogado do estado em Niterói. Com a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, é transferido para a cidade do Rio de Janeiro.

Quando Benedita Silva assume o governo do Estado do Rio de Janeiro, Geraldo é nomeado Procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro, por indicação do procurador Dr. Eduardo Seabra Fagundes, emérito jurista que fora presidente nacional da OAB. Apesar do elevado cargo, Geraldo manteve sempre a simplicidade e humildade que foram apanágios de toda sua vida.

Na ocasião, fiz questão de felicitá-lo. Ele me respondeu de modo singelo, enviando-me uma foto do ato em que está assinando a posse e um pequeno trecho que guardo até hoje: “Como fiz em outras ocasiões, quero dividir sua homenagem com a memória de meus saudosos pais. Se vivos fossem, estariam alegres e felizes, embora dentro daquela modéstia e humildade, jamais poderiam avaliar o quanto contribuíram para que hoje eu pudesse desfrutar deste momento tão importante. Foi deles que recebi as lições e exemplos de luta e de trabalho para vencer obstáculos. Nunca se queixaram das dificuldades da vida e sempre procuraram passar para os filhos os sólidos princípios que fizeram questão de preservar e deixar como valiosa herança da qual tanto nos orgulhamos”.

Assim era o meu querido amigo Geraldo Arruda Figueiredo! Humildade, simplicidade, fidelidade e competência!

Quando começou a progredir em Niterói, Geraldo levou seus pais e irmãos para a antiga capital, conseguindo orientá-los e colocá-los empregados; mostrando a grandeza dos atos ditados pelo seu coração de bom irmão e ótimo filho!

Em Niterói, Geraldo se casou com Neuza, formando uma belíssima família de três filhos: Letícia, Fernando e Geraldo. Residindo, inicialmente, no Fonseca e, posteriormente, na rua Oswaldo Cruz, em Icaraí. Nas duas residências tive a oportunidade de visitá-los, sendo recebido carinhosamente, consolidando uma amizade nascida nos bancos escolares de Cantagalo.

Em setembro de 2022, Geraldo e Neuza estiveram em Cantagalo, ocasião em que fui visitá-los junto com Celso Frauches. Mantivemos alegre palestra por quase três horas recordando passagens de nossas vidas e de nossa amizade. Fizemos algumas fotografias para documentar o momento.

Infelizmente, há cerca de quarenta dias, soube que Geraldo estava adoentado. Telefonei para seu filho Fernando que me confirmou. Dias depois, uma tomografia computadorizada do crânio mostrou que a situação era muito séria. No último dia 6, o mesmo filho me ligou, comunicando o falecimento do meu amigo de tantos anos.

Apesar da luta financeira nos primeiros anos da sua existência, Geraldo sempre conseguiu realizar seus planos de vida, passando, sempre com êxito, pelas novas oportunidades que o mundo lhe oferecia.

Foi um cidadão tão especial que eu costumava a lhe dizer: “Você é uma espécie humana em extinção”. Ele simplesmente respondia: “Você fala isso por ser meu amigo”.

Geraldo foi tão diferente que nasceu em 11 de fevereiro de 1935, dia de Nossa Senhora de Lourdes e faleceu em 06 de abril de 2023, 5ª Feira Santa, dia da instituição da Eucaristia por Jesus Cristo. Talvez, por isso, tenha sido tão humilde, tão simples, tão bom e tão competente. Sua alma está junto ao Senhor! Amém!

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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