“Amigos para sempre – 2”, por Celso Frauches

Gerado, Celso e João em registro de 1956

 

“Quando eu morrer,
Beije as flores dos jardins, onde juntos passeamos tantas vezes, (…)
Sinta o frio das manhãs acariciar teus lábios bem suavemente…
No leito vazio que nos agasalhou por tantos anos…(..)
Viaje pelos mares, pelos ares, pelos solos em que juntos viajamos(…)”
(O Sobrado – para Iolanda, sua musa)

Amigos. Quem são; quais são? (leia a parte 1 neste link)

Amigos para sempre – nesta semana volto ao Joãozinho, o médico João Nicolau Guzzo. Assim como o Geraldo e o Júlio, ele foi um dos colegas do Ginásio Municipal Euclides da Cunha, que funcionava na rua Nilo Peçanha (essa rua deveria passar a ser, oficialmente, a rua Pinto & Palma, uma justa homenagem a dois empresários empreendedores). O encontro com esses amigos para sempre ocorreu em 1948, na 1ª série do curso ginasial, em linguagem da época. O Joãozinho fez a sua viagem antes de mim, do Geraldo e do Júlio. Uma vida interrompida à margem do diálogo, da fraternidade ou da civilização.

Já escrevi sobre “o meu amigo Joãozinho” nesta coluna, mas ele retorna reunido a mais dois amigos. Uma homenagem justa e comum.

Nossa turma no ginasial tinha o Joãozinho como o animador, o piadista, o sempre risonho e franco. Nem sempre compreendido.

Fomos para Niterói juntos, após um “lauto” jantar, regado a “finas” bebidas, do Clube Cantagalense dos Comilões (CCC), realizado nos fundos do Bar do seo João Serra, onde hoje funciona a Sol e Neve, ao lado da Igreja do Santíssimo Sacramento. No livro O Sobrado o Dr. João conta a história desse singular “clube”, instituído por ele, por mim e o Geraldo (Geraldo Arruda Figueredo), Leleco, Alberto Mansur, Maurício Rocha, Luiz Barreto, Júlio Carvalho e o Milton Loureiro que, por sua idade, era considerado o “conselheiro da turma”. Os encontros do CCC eram aos sábados e serviam para uma boa refeição, cervejas e um bom bate-papo. Geralmente, as “reuniões” eram realizadas no bar de dois imigrantes italianos – Salvatori e Mário Muzella -, situado na rua Chapot Prevost. Quase sempre tínhamos música, com o violão dos seresteiros Betão e do Pedro Ivo. Ao final, estávamos “alegres”, nos abraçávamos efusivamente e íamos para as casas de nossos pais.

 

João - foto e biografia resumida
João – foto e biografia resumida

 

O espírito fraterno do amigo Joãozinho aparece, transparente, na apresentação dele ao livro O Sobrado: “Este livro foi idealizado com a intenção de marcar a felicidade de uma época que vivemos, onde a ingenuidade, o amor, a perseverança, o trabalho, a arte e as pessoas tinham mais valor”.

O grande e único amor de sua vida, Iolanda Monteiro, era uma jovem linda, que roubou para sempre o coração do amigo Joãozinho, que a ela dedicou versos inesquecíveis em suas poesias, escritas com o coração. Esse amor se reflete no amor de suas filhas, Míriam e Fernanda, que, carinhosamente, ao dele se despedirem, na última viagem, chamam-no de “GRANDE MENINO”. Era GRANDE no caráter, na dignidade. E MENINO na sua pureza de sentimentos.

O Dr. João foi pediatra de minha primogênita, Leilany, em seu primeiro ano de vida, 1966. Creio que o atendimento sempre carinhoso e fraterno inspirou a futura médica. Lembro-me que, na primeira consulta, ele receitou um medicamento, mas falou em seguida: “Pode tomar chás, ser atendida por benzedeiras. Não tem problema”. Nunca ouvi coisa parecida de outros médicos. Ele era alegre até no atendimento aos seus pacientes.

Ele, para financiar seus estudos na Universidade Federal Fluminense (UFF) e nas demais despesas, trabalhava até de madrugada, às vezes, no Cartório que ficava na sobreloja do Palácio do Comércio, na av. Amaral Peixoto, junto a outro amigo nosso, o Geraldo Arruda Figueredo, o profissional de confiança da responsável pelo Cartório, a esposa do deputado Walter Vieitas. Joãozinho era um excelente datilógrafo. Faturava por folha datilografada.

 

Brasão da Família Nicoláo
Brasão da Família Nicoláo

 

Em Niterói, sempre nos encontrávamos. Eu saía da Assembleia (Alerj), no final do expediente, passava no Cartório e íamos para um barzinho que existia nas Barcas de Niterói para um papo descontraído e umas cervejas, com a participação do Geraldo e, às vezes, o Júlio e o Buiça (Maurício Rocha). Ali surgiu a ideia, lançada pelo Geraldo, de criarmos o Grêmio dos Amigos de Cantagalo.

Estava residindo em Brasília quando soube da morte do amigo Joãozinho. Infelizmente, essa informação somente me chegou uns dias depois do sepultamento. Não pude estar presente. Contudo, ao ler O Sobrado, fiquei emocionado com as palavras das filhas dele, Míriam e Fernanda, e de Iolanda, a esposa muito amada. Sinto a necessidade de transcrever algumas partes, em uma celebração da amizade que me uniu ao querido amigo.

Paizinho, querido.
Um homem é tão grande ou tão pequeno conforme seus atos, que demonstram: seu caráter, sua personalidade e seus verdadeiros ideais.
O seu exemplo de vida, papai, é mais forte do que a morte, por tudo! Todas as sementes que o senhor plantou em nós!
(É preciso) continuar ressemeando as sementes da esperança, que o senhor, papai tão querido, deixou cultivadas em nossos corações: seguir caminhando, olhando, descobrindo, inventando, buscando a ‘ternura escondida’, no presente, sem desistir do futuro. Persistir sempre!

Ele, que tanto amava sorrir, brincar, com esse coração puro de menino, que acolheu tantas crianças em sua chegada à vida e em sua infância, médico pediatra que era, um pai tão presente e um marido apaixonado por uma única mulher, marcou a vida de nossa pequena Cantagalo, e a minha em particular, como amigo fiel da vida toda. Quem encontra um amigo, diz a Sagrada Escritura, encontra um tesouro. Por isso, posso considerar-me um homem rico, não de dinheiro ou de nada material, mas por haver encontrado na vida a maior riqueza – um grande amigo: o Joãozinho!

Nota

O Dr. João Nicolau Guzzo é homenageado em Cantagalo no PSF batizado com o nome dele, situado na Rua Francisco Eugênio Vieira, no bairro do Triangulo, e com nome dado a uma rua no bairro Pastos ou Passos dos Reis, por iniciativa do comum amigo Dr. Júlio Carvalho, quando era vereador.

 

Celso Frauches
Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

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