“Antônio e Sebastião Carvalho, Cantagallo Novo & Mão de Luva”, por Celso Frauches

Antonio Carvalho compondo o Cantagallo Novo na antiga gráfica, tendo ao lado a impressora.

 

Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte. (Gabriel García Márquez)

 

Este JR fez, em sua edição de junho de 2020, sob o título “O legado do jornalista Sebastião Carvalho para Cantagalo”, uma justa homenagem a um dos trabalhadores do jornalismo fluminense, filho de um dos pioneiros do periodismo do interior, radicado com a família em Cantagalo, na década de 30 do século passado: Antonio Ferreira de Carvalho. A sua atividade nessa área durou quatro produtivas décadas. O meu amigo e irmão Júlio Carvalho, colega de coluna no JR, publicou, na edição de 1º de novembro de 2021, artigo sobre o nosso comum amigo Sebastião Carvalho.

Antonio Ferreira de Carvalho, nas décadas de 30, 40, 50 e 60 do século 20, atuou no município de Cantagalo. Seu jornal, Cantagallo Novo, mais tarde O Novo Cantagalo, é a própria história de Cantagalo dessa época. As edições desses dois periódicos estão guardadas na Biblioteca Nacional, na cidade carioca, assim como na Biblioteca Municipal Acácio Ferreira Dias.

 

Caricatura de Antônio Carvalho
Caricatura de Antônio Carvalho

 

Clélio Erthal, escritor, historiador e pesquisador cantagalense, assim registra a importância do início do Correio de Cantagalo: “Vendido a Marinônio Pereira em 1872, o Cantagalense tomou o nome de Correio de Cantagallo, mas manteve a coloração liberal de antes; condição que conservou mesmo depois de transferido ao médico Herculano Mafra, sob a direção do Cel. Augusto de Souza Brandão e redatoriado pelos Drs. Francisco José de Souza Gomes, João Damasceno e Júlio Santos. Só depois de comprado pelo Dr. Miguel de Carvalho, no final da Monarquia, é que ele se tornou porta-voz do Partido Conservador, então liderado pelo Conselheiro Paulino e integrado, entre outros, por Joaquim Marques da Cruz, Eduardo de Carvalho Durão, Anacleto Brandão, Alberto Bezamath, Capitão Luiz Vieira, Modesto de Mello e Hipólito de Araújo”. E para por aí. Esquece-se de concluir que o Correio de Cantagalo, quando “fechou as portas”, foi comprado pelo jornalista Antônio Ferreira de Carvalho, em 1936. Este, contudo, querendo um jornal independente das facções partidárias da época, deu ao periódico o nome de Cantagallo Novo. Mais tarde, foi substituído pelo O Novo Cantagalo, em 1953. Mas encerrou suas atividades em 1964. Seu filho, o jornalista, escritor, pesquisador e historiador, Sebastião Antônio Bastos de Carvalho, reviveu O Novo Cantagalo no formato digital, de 1994 a 2016. Uma doença implacável impediu que ele continuasse o seu trabalho de jornalista. Veio a óbito em 24 de maio de 2020, aos 82 anos.

Os jornais editados por estes dois profissionais, cantagalenses de coração, durante décadas, contam a história da Cantagalo entre os séculos 20 e 21. Eles viveram “a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso”, na definição de jornalista, escritor e poeta Gabriel García Márquez.

Essa trajetória foi assumida por este Jornal da Região, em 3 de outubro de 1986, preenchendo lacuna deixada por Antonio Carvalho. Com 37 anos de existência, o JR vem construindo, semanalmente, a história contemporânea de Cantagalo e dos demais municípios da região serrana fluminense.

 

O casal Maria e Antônio Carvalho com os filhos Roberto, Sebastião, José Antônio, Terezinha, Eliana e Helenio. (Acervo da família Carvalho)
O casal Maria e Antônio Carvalho com os filhos Roberto, Sebastião, José Antônio, Terezinha, Eliana e Helenio. (Acervo da família Carvalho)

 

O trabalho de Antonio de Carvalho é reconhecido em todo o estado fluminense. Mereceu homenagem da Assembleia Legislativa e dos Poderes Públicos de Cantagalo – Câmara e Prefeitura −, estes pela concessão do título de Cidadão Cantagalense e de nome dado a uma das escolas municipais. Na Casa de Euclides da Cunha, seu retrato faz parte da Galeria de Ilustres Cantagalenses.

Antonio Ferreira de Carvalho era casado com Maria Bastos de Carvalho. Geraram seis filhos: Roberto, Sebastião, José Antônio, Teresinha, Eliana e Helenio. Sebastião A. B de Carvalho, nome literário, nasceu em Ipanema, no Rio de Janeiro, mas tornou-se cantagalense de fato. Ele nos deixa dois livros que contam a história do nascimento de Cantagalo, inédita em seu lançamento. É dele a primeira pesquisa sobre Mão de Luva, publicada no livro Tesouro de Cantagalo, cuja edição inicial é de 1991, uma 2ª edição em 2020 (*). Finalmente, ele comprova, “por a mais b”, que:

MÃO DE LUVA não sofreu traição de um de seus companheiros, mas foi enganado por militares infiltrados por São Martinho; não foi amante de D. Maria I de Portugal, mas foi casado na Igreja Católica, na freguesia de Ouro Branco (MG), onde foi batizado, e teve filhos. E nunca esteve em Portugal! Não era português, mas brasileiro, natural de Ouro Branco, MG; tinha três irmãos, que trabalharam com ele no garimpo clandestino dos Sertões de Macacu; não foi um assaltante perigoso, como algumas autoridades da época quiseram impingir, mas um desbravador pioneiro, que prezava a religião, chegando a se casar e ensinar jovens índios a rezar! Isso está registrado no relatório do sargento-mor São Martinho, que o prendeu e assim reconheceu no dia 14 de maio de 1786 (**).

 

Sebastião abraça os pais: Maria e Antônio Carvalho (Acervo da família Carvalho).
Sebastião abraça os pais: Maria e Antônio Carvalho (Acervo da família Carvalho).

 

Antônio e Sebastião Carvalho, juntos, construíram a história de Cantagalo nos jornais, nas pesquisas, em livros inéditos. Não conseguiram, todavia, o reconhecimento pleno do valor da obra de ambos, em especial, os dois livros de Sebastião voltados para desvendar e contar a verdadeira história de Manuel Henriques, o fundador de Cantagalo.

 

(*) Cantagalo, RJ, In Media Res, 2020.

(**) A odisseia de Mão de Luva na região serrana fluminense. Cantagalo, RJ: Outra Margem, 2020.

 

Celso Frauches
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

 

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