Jovem friburguense é campeão mundial no World Pro Jiu-Jitsu, em Abu Dhabi
Frequentemente, algum conterrâneo comenta que Cantagalo necessita de escolas profissionalizantes, algo que concordo plenamente, pois no mundo contemporâneo, em que a tecnologia cresce incessantemente, a presença de bons técnicos é uma exigência permanente.
Cantagalo, todavia, já possuiu uma excelente escola técnica. Não me refiro à escola que a Votorantim manteve na fazenda da Aldeia, durante alguns anos, preparando jovens técnicos para a indústria do cimento. Existiu outra, muito mais antiga, que funcionou durante 50 anos. Isso mesmo, meio século.
A escola não era mantida por governos, nem por outras instituições, como as que conhecemos atualmente. Também não cobrava pelos ensinamentos ministrados, pelo contrário, os que para lá se dirigiam recebiam alguma gratificação enquanto aprendiam.
Durante 50 anos, um cantagalense manteve, na rua Chapot Prevost, a representação da Chevrolet e da Frigidaire, com exclusividade de Nova Friburgo a São Fidelis, atuando sempre com correção, pontualidade e competência.
A oficina mecânica ocupava vasta área, limitada de um dos lados pelo escritório e a loja de peças e, do lado oposto, era a residência do proprietário, que abrigava o casal e os oito filhos.
Na mesma rua, outros imóveis serviam de oficina para rádios e geladeiras, não existindo, ainda, as televisões.
Muitos pais, quando desejavam corrigir as indisciplinas dos filhos adolescentes, procuravam o dono da oficina e pediam uma vaga para o jovem. Os que eram admitidos, mudavam o temperamento e, dentro de algum tempo, eram competentes mecânicos e grandes técnicos em rádios e geladeiras.
Durante o período da segunda guerra mundial, quando se tornava difícil a importação de alguma peça para veículos, a oficina possuía torneiros mecânicos capazes de tornear as peças necessárias à recuperação do motor.
Dessa grande escola, saíram competentes motoristas, mecânicos, lanterneiros e técnicos da nossa região, que à competência aliavam responsabilidade e retidão de caráter, tudo moldado pelo grande chefe que possuíam, sem citar aqueles que deixaram a firma para se tornarem novos empresários, criando suas próprias empresas.
Durante dois anos, meu saudoso amigo Zezito Falcão foi meu fiel companheiro de viagens ao Rio de Janeiro, todos os sábados, onde eu era plantonista do Hospital Estadual Padre Oliveira Kramer. Numa das viagens, contou-me a seguinte história: quando era adolescente, foi trabalhar como aprendiz nessa escola. Certo dia, depois do almoço, o patrão retornou antes da hora, passando entre dois grupos que cumpriam o descanso pós refeição, exatamente no momento em que Zezito atirava um bagaço de laranja em um companheiro. Infelizmente, o bagaço atingiu o rosto do empresário que limpou com a mão e continuou o seu trajeto.
No retorno para o horário da tarde, o empresário reuniu todos os funcionários, fez uma preleção sobre o comportamento correto que cada um deveria ter no local de trabalho e perguntou quem havia lançado o bagaço de laranja. Zezito se apresentou, recebeu uma moderada advertência e foi desligado da empresa.
Dois ou três dias depois, o pai de Zezito, Sr. José Marinho Falcão, que fora agente da E.F. Leopoldina durante muitos anos em Cantagalo, foi com o filho à casa do empresário. Lá, Zezito explicou o ocorrido e se desculpou perante o chefe. Seu pai solicitou o seu retorno como aprendiz, o que foi aceito.
Anos depois, Zezito era um excelente mecânico e motorista de confiança do empresário, que o enviava a São Paulo para todos os cursos de atualização da GM do Brasil ou para trazer os veículos novos destinados a agência de Cantagalo.
Narrei essa história, contada por um amigo, para demonstrar o caráter bem formado desse empresário, que não guardava rancor e sabia perdoar as falhas humanas, fazendo do amor ao trabalho e à família sua bandeira de vida.
Seu nome era Walter Ferreira Tardin, e viveu cem anos e um mês em nossa querida terra de Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.