“Amélia Thomaz: versos na Terra e no Céu”, por Celso Frauches

Amélia Thomaz, quando mais jovem, em torno de 30 anos

Dentro deste jardim selvagem e tristonho
Livremente semeei quanto em minha alma havia,
Assim as flores têm o perfume do sonho
E, às vezes, uns espinhos de ironia. (Jardim fechado – 1942)

O meu passeio pela Praça João XXIII termina em frente ao busto do Dr. Herculano Mafra, cognominado ‘’o médico dos pobres”. Tendo poucas informações sobre ele e sua história em Cantagalo, deixo esse assunto para o meu amigo e colega de página, o Dr. Júlio Marcos de Souza Carvalho. Ele tem melhores informações sobre o Dr. Mafra.

Mas o passeio termina com uma frustação. Sentado em um banco, à sombra dessas frondosas árvores, penso: onde está o busto da poeta, escritora e professora Amélia Thomaz? Não há. É uma dívida cultural.

Sei que a casa em que ela viveu em Cantagalo foi tombada pela Lei nº 147, de 16 de agosto de 1993. Um patrimônio cultural de Cantagalo. E só. Não se transformou a casa em um centro cultural. Não só para reverenciar a memória da escritora e poeta, mas para servir a eventos culturais, tão pobres em nosso município, exceto pelo denodado trabalho de professores, historiadores e escritores cantagalenses.

Amélia Thomaz (1897/1991), segundo os “arquivos implacáveis” da amiga Eny Chevrand Baptista, nasceu em 10/8/1897, filha de Alberto Augusto Thomás e Olga Herdy Tomás. É descendente de suíços do Cantão Alemão (Herder-von Icker-Herdy), do Cantão Francês (Gavillet-Thomás) e portugueses (Lisboa-Gonçalves de Brito).

Amélia Thomaz, aos 94 anos, no dia de seu aniversário, em 10 de agosto de 1991
Amélia Thomaz, aos 94 anos, no dia de seu aniversário, em 10 de agosto de 1991

Professora emérita, poeta consagrada, foi autora, em prosa e verso, dos livros: Jardim Fechado, Fonte de Aroma, Rosa de Jericó, Graal, Alaúde, Gente da Casa de Mão de Luva, Euclides da Cunha para Estudantes, O Mão de Luva ‒ Fundador de Cantagalo. Colaborou em vários periódicos de Cantagalo e região. Teve versos publicados nas revistas Fon Fon e Ilustração Brasileira.

A sua biografia é extensa e ocuparia toda esta página. Faço esse resumo apenas para que as autoridades e promotores culturais de Cantagalo pensem na possibilidade de uma justa homenagem a uma professora, escritora e poeta que elevou o nome de Cantagalo, no meio educacional e cultural fluminense.

Ainda sentado num dos bancos da Praça João XXII, o Jardim de Cantagalo, leio e transcrevo um texto inédito da escritora, dirigido aos cantagalenses, em 1988, cuidadosamente guardados por Eny Baptista:

A árvore sempre mereceu do homem um amor agradecido, pelos inúmeros benefícios que lhe presta. Nosso Jardim, o ponto mais querido da cidade, dá a Cantagalo, com suas árvores centenárias, um encanto natural, dificilmente encontrado em outras cidades, encanto que faz a admiração de quantos nos visitam, merece ele dos cantagalenses e dos que vivem em nossa terra um carinho especial, pois é, inegavelmente, a sala de visitas da cidade: nosso povo desperta, afinal, para a preservação desse bem público, colaborando em sua conservação, para manter intacta a beleza de que é dotado. A esse povo, que com o poder público colabora, enviamos nosso agradecimento recordando que poetas o cantam, enlevados com a sua beleza”.

Quando Amélia Thomaz completou 89 anos, em 1986, foi homenageada em seu lar por alguns amigos, que levaram uma torta para marcar o evento: Gilberto Cunha, Eny, Luiz Carlos Falcão, Eva, Nila, Nilce, Iracema, Waldir Reis, Adalto, Maria Eugênia, Oda, Hermínia, Isa Figueira, Isa Tomás, Angela Araújo, Ciro Feijó e Lafontaine Villela. Waldir Reis, aproveitando a oportunidade, disse a trova:

D. Amélia está contente
E abriu a sua porta,
Nós chegamos de repente
E comemos sua torta.

A resposta da homenageada veio imediata:

Quem entra na minha porta
Deixa lá fora a maldade
Quem comer da minha torta
É sinal de amizade.

Celso Frauches
Celso Frauches

Fui aluno da professora Amélia no antigo ginasial e no científico, ao lado de queridos amigos, como o Júlio (Dr. Júlio Marcos de Souza Carvalho) e o Geraldo (Geraldo Arruda Figueiredo). Era um ouvinte atento às aulas da professora Amélia Thomaz. Com ela, comecei a leitura dos principais autores da literatura luso-brasileira, incluindo Os Sertões, de Euclides da Cunha. Como diria o poeta Ataulfo Alves, “eu era feliz e não sabia”…

Amélia Thomaz tem que ficar gravada no coração de Cantagalo. Daqui deste jardim, ela há de continuar espalhando seus punhados de versos sobre a Terra…

Celso Frauches é professor, escritor, pesquisador, ex-secretário Municipal de Cantagalo e consultor Especialista em Legislação

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