“Ferroviários”, por Dr Júlio Carvalho

Durante muitos anos, Cantagalo foi um grande produtor de café, fazendo a riqueza dos barões que exploravam o trabalho escravo dos africanos, submetidos a condições precaríssimas de vida.

Inicialmente, o café era transportado para os grandes centros por meio de tropas de mulas através de picadas abertas nas florestas da região. Todavia, à medida que a produção aumentou, tornou-se necessário alterar os meios de transporte, ficando caro a necessidade de tropas cada vez maiores.

Trem em Friburgo
Registro do trem passando pela cidade de Nova Friburgo

O primeiro barão de Nova Friburgo, Antônio Clemente Pinto, que ficara riquíssimo com o tráfico de escravos, possuindo na região mais de uma dezena de fazendas produtoras de café, que construíra o palacete do Gavião, o palácio do Catete, no Rio de Janeiro e outros imóveis em Nova Friburgo, idealizou a construção de uma ferrovia, constituindo uma firma com o nome Sociedade Anônima Estrada de Ferro de Cantagalo, da qual ele era o maior acionista.

A primeira etapa do arrojado projeto consistia na construção do trecho de Porto das Caixas a Cachoeiras de Macacu, o que não foi difícil graças ao terreno da baixada fluminense sem grandes obstáculos físicos. A construção levou menos de seis meses, chegando o primeiro trem a Cachoeiras de Macacu em 23 de abril de 1860.

A produção cafeeira de Cantagalo era transportada por tropas de muares até Cachoeiras, depois de descer a serra, embarcada nos vagões da ferrovia, sendo levada até Porto das Caixas.

Nove anos depois na inauguração dessa primeira etapa, com a morte do Barão de Nova Friburgo, assumiu o comando da empresa o seu filho Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, que em 1870 iniciou a segunda etapa da grande empreitada, o trecho de 35 km, que teria de vencer a barreira da serra, sendo o mais difícil e de custo mais elevado. Nele perdeu a vida, em um acidente, o engenheiro Theodoro de Oliveira, recebendo como homenagem póstuma, a colocação do seu nome da estação ferroviária no ponto mais elevado da serra.

Estação Ferroviária em Leitão da Cunha, no interior do município de Trajano de Moraes
Estação Ferroviária em Leitão da Cunha, no interior do município de Trajano de Moraes

Essa etapa da construção da ferrovia levou quase quatro anos, chegando o primeiro trem a Nova Friburgo no final do ano de 1873, com grandes festividades, contando com a presença do Imperador D. Pedro II recebendo o título de Barão de Nova Friburgo (o segundo) Bernardo Clemente Pinto Sobrinho.

A terceira fase da ferrovia compreendia o ramal Nova Friburgo – Macuco, com 70 Km de extensão, concluído em 1876. Do então distrito de Cordeiro, o 2º Barão de Nova Friburgo construiu um ramal até Cantagalo, inaugurado em 1º de janeiro de 1876. De Cantagalo, o ramal ferroviário seguiu rumo a Santa Rita do Rio Negro (Euclidelândia), chegando, posteriormente, até Portela, distrito de Itaocara. No final do século XIX, essa ferrovia foi vendida aos ingleses passando a ser a Leopoldina Railway.

Durante um século, a ferrovia de Portela ao Rio e a Niterói foi o único meio de transporte de passageiros e de cargas, trazendo progresso à região, como ocorreu em todo mundo. As locomotivas a vapor, conhecidas como “maria fumaça”, prestaram um extraordinário serviço ao Brasil: onde as ferrovias chegavam levavam o progresso.

Em Cantagalo existiam pequenas locomotivas, chegando, mais tarde, quatro possantes máquinas que fizeram grande sucesso, ficando cada uma entregue a competentes e experientes maquinistas.

reforma da Estação Rodoviária em Euclidelândia
Estação de Euclidelândia foi reformada a pouco tempo

Como a cidade de Cantagalo fica situada em um pequeno e estreito vale, cercado por uma ferradura de montanhas, com uma só e estreita saída a leste, o trem, ao chegar, necessitava fazer uma manobra, em forma de triângulo, penetrando na cidade de marcha ré. Talvez, seja a única cidade em que isso acontecia, sendo motivo de pilhérias por moradores de outras cidades, mas dando origem a um bairro com nome de Triângulo, na chegada da cidade.

Contavam os mais antigos que a estação seria construída, inicialmente, no bairro do Triangulo, todavia as madames do império protestaram devido a distância, obrigando a mudança de local.

A estação de passageiros e de cargas de Cantagalo foi construída em 1876, não possuindo nenhuma beleza, pintada de amarelo, com o nome da cidade com dois ‘L’s, o que foi sempre mantido, até a sua demolição, quando foi construída a estação rodoviária Cel. Manoel Marcelino de Paula, no primeiro governo do Prefeito Wilder Sebastião de Paula.

No próprio prédio, situava-se a casa do agente da estação, ocupada durante muitos anos pelo Sr. José Marinho Falcão, sua esposa Dª. Mabília Pereira Falcão e seus filhos.

Atrás da estação, era a oficina para reparo de defeitos mecânicos ocorridos nos trens e o escritório da empresa.
O trem que seguia para o Rio de Janeiro e para Niterói, passava em Cantagalo às 10h, sendo o ponto de almoço na estação de Cordeiro. Em geral, os que serviam as refeições no restaurante existente, deixavam a carne para o final, sendo servida muito quente. Certa vez, um passageiro de Cantagalo, um glutão, não querendo perder a carne, resolveu comê-la depressa, engasgando e tendo que ser socorrido.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

O horário de chegada ao Rio era às 19h, o que dificilmente ocorria. Uma das vezes em que viajei com meu pai, chegamos à estação de Barão de Mauá às 0h, mas ninguém reclamava.

No trajeto da serra, o trem era dividido e cada locomotiva subia ou descia apenas com dois vagões. Eram máquinas próprias, havendo entre os trilhos uma cremalheira que servia de freio. Além disso, em cada vagão existia uma roda de ferro, semelhante a um volante, onde um ferroviário permanecia manobrando em todo trecho serrano ajudando na frenagem. Tempo difícil e trabalho pesado!

Cantagalo, por ter uma oficina de reparos e ser a localidade em que permaneciam seis locomotivas, quatro grandes e duas menores, era um núcleo com muitos ferroviários, trabalhadores corretos e mal remunerados pelos ingleses, mas isso será assunto para outro artigo. Até lá!

Obs: No artigo Os esquecidos, troquei o nome do nosso herói falecido em Montesi. O nome correto é Miguel, como está na relação que possuo, e não José. Agradeço à Profª. Leni Costa Siqueira, ao Prof. Gilberto Cunha e ao Sr. Igor Bonan dos Santos a colaboração prestada.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

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