“O Bom Pastor”, por Dr Júlio Carvalho

Na Itália, na região do Lácio, na província romana, a 70 km da capital, em região montanhosa, situa-se a cidade de Subíaco, famosa no mundo católico por ser o local onde São Bento de Núrcia, criador da Ordem dos Beneditinos, fundou o primeiro mosteiro em que se reuniu com seus monges, sob o lema “ore, labore, lege”. Ordem a que pertenceu o primeiro Bispo da Diocese de Nova Friburgo, nosso saudoso D. Clemente Isnard.

Do ponto de vista artístico, a cidade também se destaca por construções arquitetônica antigas e por ter sido o berço de uma das artistas mais completas e belas do cinema italiano e mundial na década de 1950, Gina Lolobrígida.

Para Cantagalo, todavia, a importância de Subíaco, tão distante, ocorre por outro fator. No dia 04 de maio de 1904, nasceu nessa cidade um menino, que na sua infância não foi diferente das outras crianças: frequentou a escola, fez bastante arte, sofrendo numa das quedas fratura do antebraço direito, sendo necessário o tratamento cirúrgico.

Esse menino tinha um tio monge beneditino: não sei se por influência do parente ou por atender ao chamado de Cristo, na juventude optou pela vida religiosa. Iniciou sua formação como seminarista em Assis e Roma, complementando-a, no Brasil, em Mariana, Campinas e Niterói, onde foi ordenado sacerdote da Igreja Católica, Apostólica, Romana, no dia 29 de novembro de 1931, pelas mãos do Bispo D. José Pereira Alves, na Catedral de Niterói.

O então Prefeito Wilder de Paula, com Pe Crescêncio, carregando o crucifixo que seria colocado no morro hoje conhecido como Cruzeiro
O então Prefeito Wilder de Paula, com Pe Crescêncio, carregando o crucifixo que seria colocado no morro hoje conhecido como Cruzeiro (clique para ampliar)

Celebrou sua primeira missa cantada no dia 08 de dezembro do mesmo ano, no Santuário de N. Sra. Auxiliadora, guardando durante toda sua vida enorme devoção por Maria Santíssima, realizando, anualmente, nessa data, a Primeira Comunhão da Crianças, que ele tinha o poder de transformar em uma grande festa religiosa.

Inicialmente, foi vigário de São José do Rio Preto e de Bemposta; sendo, a partir de 16 de junho de 1937, pela Provisão do Bispo da Diocese de Niterói, vigário da Paróquia do Santíssimo Sacramento de Cantagalo, onde permaneceu por quase 43 anos, até o seu falecimento em 14 de junho de 1980.

Nessas mais de quatro décadas que aqui esteve, Padre Crescêncio Lanciotti foi um verdadeiro missionário de vasta região do território fluminense. Viajava de táxi pelas estradas poeirentas até onde era possível, depois seguia a cavalo, levando a Palavra de Cristo e a Eucaristia à população rural do que hoje corresponde a seis municípios. Não media sacrifícios, o importante era cumprir a sua missão.

Ajudava ao próximo sem divulgar. Alguns casos só tomei conhecimento alguns anos depois do seu falecimento, narrados por aqueles que foram beneficiados.

Quando percebia que algum fiel estava se afastando da igreja, procurava saber o motivo e o orientava até reconquistar a ovelha perdida. Não abria mão da celebração diária da Eucaristia. Quando tinha que viajar muito cedo a celebração ocorria de madrugada.

Hoje, quando o Papa Francisco diz que quer o católico agindo fora da Igreja, como missionário, percebo o quanto o Padre Crescêncio estava adiantado, viajando para tantos lugares.

Além da assistência religiosa aos seus paroquianos, preocupava-se com a conservação material do prédio da Matriz de Cantagalo, realizando três reformas no período em que aqui esteve (1938, 1952 e 1974), sendo que esta segunda reforma transformou nosso Santuário, com a pintura de oito telas, em verdadeira casa de artes.

Preocupado com a assistência aos carentes, demoliu o velho prédio do Asilo Visconde Pinheiro, construindo um prédio novo e confortável que abriga permanentemente cinquenta idosos. Do mesmo modo comandou a construção do prédio do Fraterno Auxílio Cristão (FAC).

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.
Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

Todo progresso que surgisse em Cantagalo poderia contar com o apoio do Padre Crescêncio, que passava a ser um verdadeiro arauto do mesmo. Assim aconteceu em relação a construção das fábricas de cimento e a defesa das divisas de Cantagalo, sendo incansável nessas batalhas.

Tinha um temperamento enérgico, algumas vezes se excedia. Quando percebia o erro cometido, procurava a pessoa ofendida e tinha a humildade de se desculpar e pedir a reaproximação.

Tive a felicidade de conhecer e lidar durante 35 com esse extraordinário Sacerdote de Cristo. Na infância, durante três anos, como coroinha e, a partir de 1965, como seu médico e seu amigo, até a madrugada de 14 de junho de 1980, quando ocorreu seu falecimento assistido por alguns amigos, membros do rebanho pelo qual ele tanto zelou durante quase 43 anos.

Como homenagem póstuma o prefeito da época, Wilder Sebastião de Paula, decretou que o local defronte à igreja passasse a ser denominada Praça Cônego Crescêncio Lanciotti, pequena homenagem para quem tanto fez por Cantagalo.

Júlio Carvalho é médico e ex-vereador em Cantagalo.

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