“Praça João XXIII”, por Celso Frauches

Os melros foram-se embora
Voaram pra outro campo
Deixaram a Praça mais triste
Silenciaram seu canto…
Procuraram outra plaga
Que lhes trouxesse o alimento,
O carinho, o alento
Que a Praça já não lhes dava!

Foi assim que a Praça XV de Novembro, popularmente conhecida como Praça dos Melros, ganhou outro nome. Já não havia melros, não cantavam os “pássaros pretos” nas palmeiras do jardim. Os morros da cidade foram ganhando casas, novos bairros apareceram. Para onde foram os milharais, as doces frutinhas que a própria Natureza lhes oferecia? O barulho de carros, motos e ônibus foi acabando com o silêncio da praça. Os melros partiram. Não se adaptaram aos novos tempos. Perdemos, sim, um pouco de poesia… Que pena! Recorro, todavia, aos versos da poeta cantagalense, Angela Araújo de Souza, para abrir este artigo. É, de um jeito poético, uma forma de homenagear os melros, tão queridos em nossa infância e adolescência.

Celso Frauches
Celso Frauches

A construção da praça, segundo a tradição oral, coube ao II Barão de Cantagalo, Augusto de Souza Brandão, em meados do século 19. As grades de ferro que envolviam a praça foram retiradas na administração do prefeito Acácio Ferreira Dias (1930/1935), nos anos de chumbo da Era Vargas.

Em seu primeiro mandato (1955/58), Henrique Luiz Frauches promoveu a reforma geral do Coreto da Praça XV de Novembro, além de obras complementares nos passeios do entorno da referida praça.

Em seu segundo mandato como prefeito de Cantagalo (1963/1966), promoveu ampla restauração da praça inteira. A grama foi reformada, as árvores centenárias foram vistoriadas e o sistema de iluminação inovado com a instalação de lâmpadas de vapor de mercúrio de alta pressão pela Ibero-americana, a empresa de energia local, naqueles anos. Tudo obedecendo ao Plano Diretor, aprovado na gestão de Henrique, para acabar com o problema do crescimento irregular da cidade e das vilas. Creio, contudo, que esse plano foi ignorado pela gestão posterior.

Busto Papa João XXIII, na Praça de Cantagalo

Feita a reforma, sem mais melros, Henrique quis dar à praça um novo nome. Sobressaia, à época, as encíclicas e o apostolado do Papa João XXIII. Havia uma aura de santidade nesse papa, nascido Angelo Giuseppe Roncalli (1881/1963). Era um papa inovador. Convocou o Concílio Vaticano II e editou oito encíclicas, destacando-se duas que coroaram seu apostolado: Mater et Magistra (Mãe e Mestra) e Pacem in Terris (Paz na Terra). Renovou e promoveu a formulação de uma nova forma de comunicação pastoral ao mundo que estava sinalizando a globalização, entre 1958 e 1963. Promoveu a liberdade religiosa e o ecumenismo. Uma frase dele marcou a sua personalidade e a vida de Henrique: “Deixemos de lado aquilo que nos divide e busquemos o que nos une”. A praça fica ao lado da então Igreja Matriz, hoje Santuário Diocesano do Santíssimo Sacramento. Henrique não teve dúvida: Praça João XXIII ‒ Jardim de Cantagalo para o povo. São João XXIII, canonizado em 2014, mereceu substituir a denominação da Praça XV de Novembro, em 1964.

Em torno do busto do Papa João XXIII existem bancos, assentados em forma circular, propícios a conversas, bate-papos. Ali desenvolviam-se tertúlias políticas, locais, nacionais e mundial. Por causa dessas verdadeiras assembleias, o povo apelidou o local de Senadinho, em alusão ao Senado Federal. Passados tantos anos, o Senado de Brasília não tem mais o respeito popular, pleno de “desrepresentantes” do povo. Mas o Senadinho foi abandonado. Os adolescentes, jovens e adultos da era digital trocaram o local por telas, a internet das coisas, vlogs, blogs, canais, podcasts, lives e quantas inovações tecnológicas surgirem.

Nesta terceira década do século 21, com a introdução, no Brasil, da tecnologia 5G, uma revolução desta era digital, o Senadinho está às moscas. Hoje é mais um recanto para a garotada brincar, para alegria ou desespero de babás, mães ou responsáveis.

A professora e poeta Angela Araújo de Souza
A professora e poeta Angela Araújo de Souza

Enquanto eu redigia este artigo, a minha poeta querida ‒ Angela Araújo de Souza ‒ me ofereceu versos inéditos que transcrevo a seguir:

Não há melros mais na Praça
Mas o Papa a olha atento
No silencia cheio de graça!
Aos pássaros faltou alimento
Mas a nós, na noite calma,
Chega a bênção do Pastor
Que enche o fundo da alma
Na busca plena do Amor!

Continuo o meu passeio pela Praça João XXIII e me encontro ante um baluarte da literatura brasileira, o cantagalense Euclides da Cunha, celebrado em São José do Rio Pardo (SP), sob o comando da prefeitura local. Esse, todavia, será o tema do próximo artigo.

Celso Frauches é professor, escritor, pesquisador, ex-secretário Municipal de Cantagalo e consultor Especialista em Legislação

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