“As Guerras Púnicas”, por Celso Frauches

Guerras Púnicas

Não escrevo para a glória dos faraós porque estou cansado de seus feitos. Tampouco escrevo para mim, apenas. O que vi, conheci e perdi, durante a minha vida, foi coisa demasiada para que me domine um vão temor; […]. É apenas por minha causa que escrevo. (Sinuhe, O Egípcio) ¹

O articulista e cronista Carlos Heitor Cony (1926/2018), quanto ficava sem assunto para a sua coluna na Folha de S. Paulo, escrevia sobre as “Guerras Púnicas”. No meu tempo de ginasial ou científico, não me lembro se esse capítulo da história foi objeto de estudo. Pensei que essa guerra fosse uma invenção sua. Mas não era. Todavia, isso não nos interessa agora. Estou sem assunto e não vou escrever sobre as Guerras Púnicas. Vou partir para contar “causos” de que participei ou presenciei.

O mais emblemático deles, que mais parece uma piada, aconteceu quando era secretário-geral do Conselho Federal de Educação (CFE), no início da década de 70.

O governo militar proibiu a nomeação de novos servidores públicos, mas permitiu a contratação de empresas que fornecessem mão de obra qualificada para o serviço público federal. Uma espécie de gigolô administrativo. Qualquer órgão poderia requisitar, mediante contrato prévio, servidores de determinada empresa. Havia muitas, à época.

 

O articulista e cronista Carlos Heitor Cony (1926/2018)
O articulista e cronista Carlos Heitor Cony (1926/2018)

 

O CFE, no Rio de Janeiro, possuía 120 funcionários. Apenas seis aceitaram ir morar em Brasília. Com o apoio do coronel Pamplona, secretário-geral do Ministério da Educação, que confiava em mim, fui, aos poucos, preenchendo os quadros administrativos com pessoas da empresa contratada.

A secretária do presidente do CFE era contratada por esse mecanismo. E ganhou uma rotatividade que jamais havíamos visto. Entre essas contratações, o presidente aprovou uma das candidatas. Foi designada para atendê-lo, imediatamente. Dois dias depois, o presidente me chamou ao gabinete dele e me mostrou um recado que a secretária lhe havia passado. Li o texto com espanto: um horror! Veio a sentença: “Peça outra secretária”.

Saí e fui para o meu gabinete, ao lado, e chamei a dita para vir falar comigo. Ela veio. Eu lhe avisei: “Infelizmente você será restituída à sua empresa”. “Por quê?”, perguntou-me ela. Eu lhe mostrei o recado e lhe disse dos inúmeros erros da língua portuguesa, em certa de dez linhas escritas por ela. Ela retrucou imediatamente: “Professor, daqui em diante não farei recado escrito, só falado”… Pano rápido.

 

Uma boneca de bibelô
Uma boneca de bibelô

 

Na Alerj, fui chefe de gabinete de um deputado. Encontrei o gabinete lotado, pude convocar apenas um colega para me auxiliar. E o deputado me alertou: “A fulana é o bibelô do meu gabinete. Não dê nenhuma tarefa para ela”. Cumpri a ordem, mas um dia a bibelô me falou: “Eu não faço nada aqui. Você não pode me passar alguma tarefa?”. “Sim”, passei-lhe uma tarefa bem simples. Naqueles tempos (década de 60), não havia nenhum recurso eletrônico. Os processos eram formados por papéis. Havia um ritual. O gabinete recebia um processo, algum funcionário dava uma rubrica num caderno próprio e inseria a data; na restituição, no mesmo tipo de caderno, inseria o número do processo e a data de remessa. O contínuo do gabinete entregava o processo no setor competente. Simples assim. Um belo dia, o deputado me chama ao seu gabinete e me diz: “Eu não lhe disse para não dar nenhum trabalho à bibelô? Ela veio reclamar comigo que você está enchendo-a (esse é diálogo sem correção) de trabalho”. “Coloquei o rabo entre as pernas”, expressão em desuso há séculos, e deixei a bibelô sem atividade nenhuma…

Eu deveria ter uns dez anos de idade. Residia na fazenda da Serra. Determinado dia, conversava com um colono enquanto ele cortava pedaços de fumo de rolo e ia colocando numa palha de milho maduro, perfeitamente cortado. Quando havia a quantidade que desejava de fumo, ele enrolava a palha, lambia uma das partes, “fechava”. Cigarro na boca, acendia e pitava com o maior prazer. Aquilo me impressionou e pedi-lhe que fizesse um para mim. Ele fez. Eu o pus na boca, ele acendeu o cigarro e dei a primeira pitada. Nossa, não aguentei tragar aquele rústico cigarro. Tossi sem parar. A experiência foi negativa.

 

O vício do cigarro
O vício do cigarro

 

Na adolescência não fumei, como boa parte dos meus colegas e amigos. Mais tarde, por volta dos vinte anos, passei a fumar, por influência dos colegas de trabalho na Alerj. Todos fumavam. Nunca fumei em casa, embora minha esposa, Lêla, o fizesse. Em 1972, aos 36 anos, fui à capital paulista organizar um encontro do CFE com os conselhos de educação dos Estados. No primeiro dia do evento, à noite, houve um jantar de confraternização. Ao regressar ao hotel em que estava hospedado, vim fumando um Minister no táxi. Ao descer para ingressar no hotel, dei mais uma tragada. Fiquei completamente tonto. Tive que me encostar na parede do prédio. Após me reequilibrar, peguei o maço de cigarro e o isqueiro e os arremessei na rua. Nunca mais fumei…

Mas e as Guerras Púnicas? Se o caro leitor estiver interessado pode conhecê-la acessando <Guerras Púnicas: causas, fases, resumo – História do Mundo (historiadomundo.com.br)>. Eu mal conheço a história de minha terra natal: Cantagalo, fundada pelo garimpeiro Manuel Henriques, o Mão de Luva. Quanto mais as Guerras Púnicas…

 

¹ WALTARI, Mika. O Egípcio: tradução de José Geraldo Vieira. Belo Horizonte: Itatiaia, 2007, p.

 

Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

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