“As sesmarias em Novas Minas de Cantagalo”, por Celso Frauches

Sesmaria Santa Rita, em Novas Minas de Cantagalo, 1787.

 

O autor de A odisseia de Mão de Luva na região serrana fluminense, Sebastião A. B. de Carvalho, revela que Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, o “mártir da Independência do Brasil”, foi designado pelo governador da Província de Minas Gerais, antes da invasão da aldeia de Mão de Luva, em 1784, para “investigar o potencial aurífero, a configuração do terreno e da rede hidrográfica, verificando as possibilidades de penetração, para a implantação de postos avançados e ainda a situação exata dos moradores: número de pessoas, forças de que dispunham e ocupações a que se dedicavam”. Tiradentes cumpriu a sua tarefa. Essas informações serviriam, mais tarde, à prisão de Manuel Henriques, o Mão de Luva, considerado nosso fundador , e à desocupação parcial das Novas Minas de Cantagalo para a divisão de Cantagalo em sesmarias, fato que ocorreu a partir de 1786.

Sesmarias ou “datas” eram terrenos abandonados pertencentes à Coroa Portuguesa e entregues para ocupação, primeiro no território português e, depois, na colônia brasileira, onde perdurou de 1530 até 1822. O sistema foi usado desde o século 12 nas terras comuns, comunais ou da comunidade.

A coroa portuguesa tomou posse do território brasileiro por conquista e não por “descoberta”. O Brasil já era habitado por aborígenes, nativos ou indígenas. A conquista das terras do pau brasil dera à Coroa Portuguesa o direito de assumir a propriedade e colonizá-la de acordo com suas leis.

À conquista de nossas terras, seguiu-se a distribuição de Capitanias Hereditárias, sistema administrativo implantado pelo Coroa Portuguesa no Brasil, a partir de 1534. O território conquistado foi repartido em faixas de terras concedidas aos nobres de confiança do rei, seguidamente, D. João III (1502-1557), D. José I (1734/1816) e D. Maria I (1734/1816), de 1777 até 1816, rainha do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

A partir do momento em que chegam ao Brasil, os titulares das capitanias hereditárias têm a tarefa de distribuição de terras a fim de assegurar o desenvolvimento e manutenção da colônia.

 

Capitanias hereditárias
Capitanias hereditárias

 

Em 10 de outubro de 1532, Martin Afonso, capitão da capitania hereditária de São Vicente, concedeu a primeira sesmaria do Brasil a Pedro de Góes. De 10 de fevereiro a 4 de março de 1533 concedeu sesmarias a Ruy Pinto e Francisco Pinto, respectivamente. Essa concessão teve o caráter perpétuo, inédito nesse sistema.

Em 1787, Manoel Pinto da Cunha e Souza, acompanhado de militares, um pároco e agentes públicos, instala-se no antigo local do povoado Mão de Luva, destruído parcialmente por São Martinho, a mando do governador da Província de Minas Gerais e Goiás. Ali, ele e seus companheiros ocupam choupanas, inicialmente, enquanto edifica a casa de Registro de Ouro e algumas construções administrativas. Em seguida, a capela dedicada a São Pedro de Cantagallo é construída (de)pau a pique. Inicia-se, dessa forma, a distribuição das “datas” ou sesmarias.

 

Mapa dos "Certões de índios bravios", mais tarde Novas Minas de Cantagallo.
Mapa dos “Certões ocupados por índios bravos”, 1767.

 

O historiador cantagalense, Clélio Erthal¹, nos dá notícias da exploração oficial das minas de Cantagalo, com o início da distribuição das datas ou sesmarias.

 

“No dia 7 de junho de 1787, o vigário José Pires de Souza rezou, em ação de graças, a primeira missa no local, no dia da celebração de Corpus Christi, inaugurando a futura Freguesia do Santíssimo Sacramento. À falta de capela, o ato religioso foi celebrado em barraca portátil, ainda sem o Santíssimo, o vinho e o azeite para a lâmpada, só depois remetidos.

Nascia, assim, sob os melhores auspícios, a futura vila de São Pedro de Cantagallo, mais tarde Cantagalo.

Impunha-se, pois, o início regular das lavras com a distribuição das sesmarias aos interessados, na forma regimental. Antes de proceder ao sorteio, porém, o Superintendente separou as melhores, “mais bem preparado do Corgo”: uma para a rainha, outra para o vice-rei, uma terceira para si mesmo e uma quarta para o Guarda-mor, na forma do artigo V do Regimento de 2 de abril de 1702. E, por concessão especial, também uma para o Tenente Examinador,“visto ter deixado a sua Caza e as dependências que estava tratando nessa Cidade (do Rio de Janeiro) para vir empregar-se no serviço de Sua Magestade”.

Feito isso, baixou um edital no dia 21 de junho (1787), amplamente divulgado em Santo Antonio de Sá e no Rio de Janeiro, convocando os interessados para com eles distribuir as 33 datas demarcadas nos córregos da Lavra Velha (Lavrinhas) e do Cantagalo (depois chamado São Pedro), a montante da respectiva confluência, cada uma com trinta braças em quadra (30 barras quadradas = 0.075879 hectares)².

De acordo com o edital, os pleiteantes deveriam comparecer pessoalmente ou por procuradores, munidos de licença do Vice-Rei e prova de recursos para iniciar em curto prazo a exp1oraçao; “ficando todos na inteligencia de que deverão principiar a lavrar as datas que lhe forem distribuídas dentro de quarenta dias contados daquele em que se-repartirem como também de que as devem disfrutar por si sem as poderem vender, debaixo das penas que são impostas aos que fizerem o contrário”.

No dia 21 de julho procedeu-se ao sorteio, com pretendentes em número maior que o das glebas licitadas. O grande afluxo de candidatos surpreendeu as próprias autoridades, que não contavam com tamanha demanda. Imaginava-se que as exigências impostas com o número mínimo de 12 escravos (Mão de Luva e seus companheiros possuíam trinta escravos, quando foram presos) e posse de recursos para desenvolver o empreendimento fosse empecilho demais oneroso para a média dos garimpeiros. A perspectiva de riqueza fácil e a publicidade dada ao cometimento, contudo, despertaram neles interesse maior que o esperado. Em razão disso, outro sorteio foi realizado em agosto do mesmo ano, tendo por objeto cinquenta datas situadas entre o ponto de encontro dos dois córregos referidos e desembocadura, no rio Negro, do riacho por eles formado. As novas datas – das quais foram também destacadas – situavam-se em terras depois integradas na “Chácara Queimada” (hoje hospital) e na Fazenda Gavião.

As datas de sua Majestade, em vez de leiloadas, como de praxe, ficaram a cargo de Joaquim José Soares, o técnico minerador. Para fomentar sua exploração, o Vice-Rei mandou comprar em Minas Gerais 14 escravos ladinos, já afeitos à mineração. Cunha Meneses, porém, ciente do fato, logo brecou a pretensão: baixou um bando (espécie de decreto) proibindo terminantemente a saída de qualquer escravo daquela Capitania para os Sertões do Macacu… Era a sua vingança. Para obviar o impasse, D. Luiz de Vasconcelos não teve outro recurso senão aproveitar a mão-de-obra disponível na Fazenda Santa Cruz, incorporada à Coroa com a expulsão dos Jesuítas, retirando dela os escravos necessários à exploração de Novas Minas de Cantagalo.

 

Modelo possível de uma das cabanas do povoado El-Rey, construído por Manuel Henriques, o Mão de Luva, 1760. Desenho de Sérgio Luís para o Instituto Mão de Luva.
Modelo possível de uma das cabanas do povoado El-Rey, construído por Manuel Henriques, o Mão de Luva, 1760. Desenho de Sérgio Luís para o Instituto Mão de Luva.

 

Era o começo do reconhecimento do distrito de Novas Minas de Cantagalo, ligado ao município de Santo Antônio de Sá, mais tarde Cachoeiras de Macacu, que pertence à região serrana fluminense. O distrito é reconhecido mais à frente, em 1806, e elevado à categoria de vila de São Pedro de Cantagalo (município), em 1814. A vila foi elevada à categoria de cidade de Cantagalo, em 1857. À história posterior temos os livros dos historiadores Acácio Ferreira Dias, Sebastião Carvalho e Clélio Erthal. Este é o mais completo de todos. Dois livros foram publicados sobre esse tema: Cantagalo – Da miragem do ouro ao esplendor do Café e Cantagalo – Do surto da pecuária à industrialização do calcário. É o melhor livro de consulta sobre a história de Cantagalo.

 

Celso Frauches
Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

 

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