Avaliação do Ideb é essencial para o desenho das políticas educacionais, mas dados devem ser analisados com atenção

O MEC (Ministério da Educação) e o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) divulgaram, no dia 16 de setembro, os resultados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 2021.

Os resultados são de extrema importância para o desenho de políticas educacionais no Brasil. Porém, diante de um contexto de pandemia e fechamento de escolas, por quase dois anos, é preciso atenção na interpretação dos dados, para que esses indicadores possam efetivamente apoiar o planejamento das redes e escolas nos próximos anos.

Em razão disso, o Itaú Social elencou os principais pontos de atenção para a análise de dados do Ideb e Saeb 2021:

 

1. Reforçamos a precaução na comparabilidade com os anos anteriores, dadas as ações tomadas no contexto da pandemia, por orientações corretas do Conselho Nacional de Educação para o seu enfrentamento, em especial a aprovação automática dos estudantes. O Ideb relaciona dois indicadores: desempenho e aprovação. Assim, por exemplo, uma rede que só aprovava 70% nos anos finais pode ter passado em 2021 para 100%, por conta da situação de emergência da pandemia, e visto seu Ideb subir, sem melhoria de notas no Saeb.

 

2. Assim, o aumento da aprovação automática pode levar a cenários como:

  1. Um avanço do Ideb, mas não como resultado da aprendizagem e sim pela influência do aumento da aprovação;
  2. Uma rede pode manter estabilidade no Ideb, porém pode esconder grandes quedas de aprendizagem;
  3. Pode se criar uma falsa ideia de que a educação melhorou mesmo com as escolas fechadas.

 

3. Possível seletividade de estudantes associada aos desafios enfrentados na pandemia:

  1. As taxas de participação dos estudantes na prova do Saeb variaram bastante entre as redes. Uma possível melhoria de desempenho pode refletir o fato de que justamente os estudantes que fizeram a prova tenham sido aqueles com maior oportunidade de acesso ao ensino, seja pelas melhores condições socioeconômicas das suas famílias (maior acesso à internet e equipamentos), ou pelas estratégias adotadas pelas redes com mais recursos (aulas síncronas com professores, plataformas de aprendizagens etc.). Enquanto outros estudantes foram mais prejudicados pela demora na adoção de estratégias de ensino desde o início da pandemia, ou pela implementação de estratégias diversificadas sem apoio pedagógico (maior uso de materiais impressos, sem a mediação do professor);
  2. As pesquisas realizadas pelo Datafolha, a pedido do Itaú Social, da Fundação Lemann e do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), chamadas de “Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias”, mostram que as crianças mais vulneráveis e da população negra foram mais prejudicadas tanto pelas condições de infraestrutura quanto pela maior falta de apoio pedagógico. Isso se associa às dificuldades encontradas pelas redes de ensino no monitoramento da real frequência e no acompanhamento dos estudantes no processo de aprendizagem. E, se nos debruçarmos sobre o ano de 2021, parte significativa das redes ainda não havia retornado presencialmente. No primeiro semestre de 2021, mais da metade (63%) das redes municipais planejava ofertar exclusivamente o ensino remoto (Pesquisa Nacional com Dirigentes Municipais – Undime);
  3. Desta forma, ao final de 2021, quando a prova do SAEB foi aplicada, é provável que muitas crianças tivessem abandonado a escola. Segundo a sétima onda da pesquisa “Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias”, em setembro de 2021, o risco de abandono escolar chegava a 37%, segundo a percepção dos responsáveis.

 

4. Recomendamos, portanto, uma análise cautelosa considerando separadamente os componentes do Ideb, tanto no desempenho quanto na aprovação, além de levar em consideração o contexto e a realidade de cada rede. Os resultados são insumos fundamentais para que as redes possam refletir, reavaliar suas estratégias e usar para o seu planejamento na adoção de medidas que visem a recuperação das aprendizagens e com especial foco nos estudantes com maior dificuldade.

 

5. Reiteramos a importância da não utilização dos dados para a elaboração de rankings ou comparações entre redes, mas para uso contextualizado dentro de cada rede, assim como para o desenho de políticas e programas que consigam enfrentar as lacunas e desigualdades aprofundadas pela pandemia.

 

Precisamos reconhecer a importância dos sistemas de avaliação, a continuidade da série histórica e todo esforço das redes estaduais e municipais que participaram. Ao mesmo tempo, devemos olhar os dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) 2021 com muita cautela, observado o seu contexto. O Conselho Nacional de Educação recomendou que as redes não reprovassem nenhum estudante durante a pandemia, o que foi uma decisão corretíssima considerando que estávamos em uma situação de emergência e muitos estudantes em situação de vulnerabilidade estavam sem conectividade ou equipamento para as aulas remotas. Porém, com essa medida, algumas redes de ensino tiveram taxa de aprovação próximas de 100%, o que alavancou o Ideb de algumas redes mesmo com uma nota menor no Saeb. Ou seja, uma melhora no índice não significa efetivamente que a educação melhorou. Podemos ver isso no comportamento dos Anos Finais, que historicamente vinham com baixas taxas de rendimento, mas que com a aprovação automática tiveram um desempenho no Ideb com números que mascaram o gargalo dessa etapa.

Lembramos ainda que o Saeb foi realizado em um período no qual nem todas as redes de ensino haviam retomado as aulas presenciais. Em muitas redes, a taxa de participação na prova teve queda em relação a anos anteriores. Então uma hipótese plausível é que quem conseguiu fazer as provas em novembro de 2021 foram estudantes que já estavam em melhor condição de voltar para as escolas, que não tinham abandonado os estudos nem estavam em risco de abandonar. Nesse sentido, o resultado do Saeb pode mascarar lacunas ainda maiores de aprendizagem, se uma parte significativa dos estudantes mais vulneráveis acabou sendo sistematicamente excluída. Os dados apresentados hoje não devem ser usados para comparações, mas para que as redes busquem entender as lacunas de aprendizagem e como ocorreu o aprofundamento das desigualdades durante a pandemia. É um momento que exige um grande esforço de colaboração entre União, estados e municípios para que haja um pacto para a superação desses desafios, em políticas e programas efetivos, com a velocidade, qualidade e intensidade que nossas crianças e adolescentes merecem”, afirmou Patricia Mota Guedes, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Itaú Social

 

atricia Mota Guedes, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Itaú Social
atricia Mota Guedes, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Itaú Social

 

Patricia Mota Guedes

Graduada em Ciências Políticas e Alemão pela Universidade do Arizona Norte (Estados Unidos). Mestre em Administração Pública pela Universidade de MassachusettsAmherst e em Políticas Públicas pela Universidade de Princeton (Estados Unidos). Coordenou programas de educação e saúde pelo governo do estado americano de Massachusetts. No Brasil, atuou como pesquisadora e gestora de projetos educacionais no Instituto Fernand Braudel e desde 2011 atua no Itaú Social.

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