Jovem friburguense é campeão mundial no World Pro Jiu-Jitsu, em Abu Dhabi
Na minha juventude, entre os dezoito e 28 anos, vivida em Niterói, então capital do antigo Estado do Rio de Janeiro, o Pão de Açúcar era um dos programas de fim de semana mais apreciados. Lá tomávamos banho na Praia da Urca, indo para o Pão de Açúcar, no bondinho tradicional. Na primeira parada − Morro da Urca − geralmente eu e meus amigos almoçávamos e, em seguida, íamos ao Pão de Açúcar curtir o cenário maravilhoso da Baía da Guanabara, de Niterói e da cidade do Rio de Janeiro. Ainda podíamos tirar uma soneca debaixo das árvores do morro mais conhecido no mundo. Muitas pessoas não iam a esse passeio pleno de riquezas naturais com medo do bondinho cair…
Ali foram rodados vários filmes de Hollywood, com ênfase em uma das películas do Agente 007.
A história da construção e operação do Bondinho não me atraia. O objetivo era curtir o passeio pra fechar a semana e carregar as baterias para o trabalho da semana seguida. Evidente que não passava todos os fins de semana naquele paraíso. Àquela época, Rio de Janeiro e Niterói eram cidades pacatas, acolhedoras e havia muitas oportunidades de entretenimento.
O teleférico interligava a Praia Vermelha, o Morro da Urca e o Morro Pão de Açúcar.
Há pouco tempo, nas pesquisas sobre a história de Cantagalo, suas personalidades e da região dos Sertões de Macacu, Angela Araújo, que participa dessas atividades, no Instituto Mão de Luva, levantou a história da construção do Bondinho do Pão de Açúcar, onde encontrou biografias de Augusto Ramos, o engenheiro cantagalense que projetou e construiu essa obra inédita na engenharia brasileira.
Augusto Ferreira Ramos nasceu em Cantagalo, no ano de 1860, formou-se em engenharia civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro e, desde 1894, professor da mesma instituição em São Paulo. Exerceu a sua profissão durante décadas, falecendo na cidade do Rio de Janeiro, em 28 de julho de 1939. Além da construção desse teleférico, elaborou o Plano de Valorização do Café, do qual resultou o Convênio de Taubaté (1906), a primeira política de valorização dos preços internacionais do café a ser efetivamente implementada, gerando forte crescimento e desenvolvimento da economia brasileira, nas primeiras décadas do século 20, conforme nos relata o historiador Jorge Caldeira, em seu livro “História da Riqueza no Brasil – Cinco Séculos de Pessoas, Costumes e Governos” (Rio de Janeiro: Estação Brasil, 1961) .
A biografia mais completa de Augusto Ramos encontrei na edição de O Globo digital de 20 de outubro de 2012, de autoria de Isabela Bastos e Ludmilla de Lima. Tomo a liberdade de transcrever, com ligeiras modificações, o que as jornalistas escreveram, sob o título “As diferentes faces do ‘louco’ que criou o bondinho do Pão de Açúcar”, com o subtítulo “Visionário e generalista, que entendia até de café, o engenheiro civil Augusto Ferreira Ramos convenceu a alta sociedade a investir em sonho que foi alvo de piadas”.
Augusto Ramos, com um currículo tão extenso, quando idealizou o bondinho, em 1908, já era um dos mais importantes profissionais da engenharia de sua época. O Bondinho do Pão de Açúcar é destaque ao lado do seu enorme conhecimento da cultura do café. Antes de criar o teleférico, ligando os morros da Urca, do Pão de Açúcar e da Babilônia, ele viajou por vários países da América Latina, pelos EUA e pela Europa para estudar a agricultura cafeeira na América Espanhola. Admite-se que a inspiração para a ligação suspensa por cabos na Urca tenha surgido nessas viagens. Os registros históricos, contudo, indicam que a ideia surgiu durante a Exposição Nacional de 1908, aos pés do Morro da Urca, pelo centenário da Abertura dos Portos. Ele foi um dos coordenadores do pavilhão de São Paulo por causa do café, primeiro produto da balança comercial brasileira naquele tempo.
Nessas festas de comemoração dos cem anos da Abertura dos Portos Cariocas por Dom João VI, Augusto Ramos teve a ideia de construir um “caminho aéreo”. Ele idealizou o projeto do caminho aéreo entre a Praia Vermelha, o Morro da Urca e o Morro Pão de Açúcar, mediante o uso de um teleférico.
A primeira etapa do Bondinho (Praia Vermelha-Morro da Urca) iniciou o funcionamento em 1912.
O engenheiro Octavio Augusto Ramos, bisneto de Augusto Ramos, diz que o bisavô “era uma pessoa muito diversificada. O que me impressiona mais nele é que, além do bondinho, ele fez uma série de outras obras no país. Hoje não existe engenheiro assim”.
Augusto Ramos atuou em diferentes áreas na virada do século 19. No ramo do café, foi autor de importantes escritos sobre o seu cultivo e comercialização. Atuou ainda na construção de usina de açúcar, de fábricas de cimento e papel, de uma hidrelétrica no Vale do Itapemirim e de uma das primeiras estradas de ferro elétricas do país, no Espírito Santo. Participou da retificação de trechos do Vale do Rio Paraíba, na Bahia e em obras de saneamento nas cidades de Curitiba (PR) e Vitória (ES).
Do bisavô, que não conheceu, Octavio guarda a imagem retratada na estátua ao lado do antigo bondinho, no Morro da Urca: um senhor elegante, de chapéu, gravatinha borboleta e bigode bem feito. As histórias do parente ilustre foram contadas pelo pai, que foi educado por Augusto Ramos. O avô de Octavio, o também engenheiro Theodoro Ramos, morreu precocemente em 1936.
A Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar, fundada por Augusto Ramos e por ele administrada, iniciou suas atividades com o capital de 360 contos de réis, e a construção do teleférico custou dois milhões na mesma moeda. Parte do dinheiro veio do café. Como o país não possuía indústrias que fabricassem teleféricos, buscou-se uma solução lá fora. Foi contratada a empresa J. Pohling, em Colônia, na Alemanha, que fabricou e montou os equipamentos. A viagem em 1912 no camarote carril custava dois mil réis, o que equivaleria a cerca de R$ 9. O preço por adulto atualizado em 30/5/2022: a partir de R$ 130,00.
Segundo Felipe Lucena, jornalista, roteirista, redator, escritor, cronista, em reportagem publicada no Diário do Rio, o Bondinho já transportou cerca de 37 milhões de pessoas, mantendo a média atual de 2.500 visitantes por dia. Excelente matéria sobre o projeto e execução de Augusto Ramos. Vale a pena ler na íntegra.
A história de Augusto Ramos revela que Cantagalo já exportou cérebros para múltiplas atividades, desde a cirurgia inovadora e mais complexa, realizada por Chapot Prevost, à literatura, que tem Euclides da Cunha com fama internacional e um engenheiro, praticamente desconhecido em nosso município, que inventou um caminho aéreo entre a Praia Vermelha e o morro Pão de Açúcar. O Instituto Mão de Luva vai continuar garimpando memórias e construindo história.