“Campanha da Fraternidade”, por Dr Júlio Carvalho

No dia 22 de fevereiro, foi lançada no Brasil, pela CNBB, a 60ª Campanha da Fraternidade, marcando o início da Quaresma, período de quarenta dias que antecede à Páscoa.

A Campanha da Fraternidade teve início no Rio Grande do Norte, em Natal, no ano de 1961. Naquela época, preocupada com a carência de múltiplas pessoas paupérrimas, a Igreja Católica iniciou, na Quaresma, naquela cidade, uma campanha, objetivando conseguir recursos para minorar aquela grave situação social. O resultado foi tão satisfatório que no ano seguinte a campanha foi repetida.

Em 1963, mediante o sucesso da campanha no Rio Grande do Norte, a Igreja Católica resolveu estender a campanha a todo o Brasil, dando-lhe o nome de Campanha da Fraternidade.

Cada campanha tem um tema e um lema, sendo o lema sempre uma frase bíblica. Os temas foram diversos: habitação, o idoso, a criança, o deficiente físico, a vida, etc., enquanto os recursos apurados são aplicados no tema escolhido para cada campanha.

O tema escolhido para a Campanha da Fraternidade de 2023 foi a FOME. Aliás, nesses 60 anos de campanha, este tema aparece pela terceira vez. É evidente que a campanha não conseguirá acabar com a fome no Brasil, mas alertará as pessoas de boa vontade para esta mancha negra do nosso país.

A fome é um problema mundial determinado por diversos fatores: políticos, econômicos, organizacionais e climáticos. Calcula-se que um terço da população mundial sofre de fome quantitativa ou qualitativa: no primeiro caso é fome total, falta de alimentos; no segundo caso é alimentação inadequada, faltando qualidade aos alimentos, em geral, carência de proteínas, que são os alimentos de maior custo.

Como a atual população mundial é de 7,5 bilhões de pessoas, cerca de 2,5 bilhões estão com fome ou alimentação insuficiente, o que é mais grave nas gestantes e nas crianças, gerando um atraso no desenvolvimento físico e mental desses infantes, que poderá marcá-los para o resto da vida ou levá-los a morte.

Lembro-me, com grande tristeza, em 1965, quando retornei para Cantagalo, trabalhando em nossa centenária Casa de Caridade, era comum o meu querido colega e amigo Dr. João Nicolau Guzzo, primeiro pediatra a criar um serviço de Pediatria em Cantagalo, internar crianças famintas no serviço por ele chefiado, com uma doença chamada Carência Hidropigênica Pluricarencial, nome bonito que a ciência criou para definir a Fome.

Lembro-me, também, que certa vez um desses pequenos pacientes com um ano de idade pesava 3.500 g., peso de um recém-nascido; pele enrugada como de um idoso, cabelo ralo e fisionomia triste. Permaneceu quase um ano no hospital, sendo recuperado graças ao trabalho do Dr. João e as auxiliares de enfermagem Da. Laura e Da. Thereza. Muitas vitaminas, proteínas, sais minerais e, acima de tudo, comida suficiente. Saiu gordinho e alegre! Alguns, depois de meses, retornavam ao hospital, pois em casa faltavam alimentos essenciais à criança. Creio que hoje não está tão grave!

No mundo, o continente africano é o mais atingido pela fome, durante muitos anos pela exploração pelos países europeus; hoje, por lutas internas, falta de tecnologia e fatores climáticos.

No Brasil, o problema da fome tem sofrido variações; com os programas Bolsa Família e Fome Zero, além de corretos aumentos do salário mínimo, 30 milhões de brasileiros saíram na área de pobreza, todavia, nos últimos quatro anos a situação voltou a agravar-se, em virtude da pandemia de Covid, da falta de aumentos salariais e da ausência de políticas sociais adequadas. Hoje, temos 33 milhões de brasileiros na linha de miséria e de fome!

 

Cartaz da Campanha da Fraternidade 2023
Cartaz da Campanha da Fraternidade 2023

 

Neste ano, o tema da Campanha é Fraternidade e Fome e o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 25, 31-46).

É terrivelmente lamentável ver brasileiros em situação de fome quando nosso país é um dos maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo. Não sei se estou errado, mas creio que só deveriam ser exportados os excessos de alimentos; o governo garantindo preço aos produtores e estocando alimentos necessários a nossa população carente.

Quando jovem, li um livro denominado Geografia da Fome, de Josué de Castro; embora antigo, creio que deveria ser lido por todos. Em um determinado trecho do livro, ele narra que a Índia, quando colônia da Inglaterra, era o maior produtor de arroz do mundo, sendo obrigado a exportar quase toda a produção enquanto a população morria de fome. Não podemos ser a Índia do século XXI!

A fome é mais um grande problema social brasileiros, associado a outros: habitação, saneamento básico, transporte, segurança, saúde e educação; todos decorrentes da desigualdade social existente.

Será que algum dia serão solucionados?

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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