“Carta à Constituição”, por Amanda de Moraes

No começo de um relacionamento, a cordialidade fala aos ouvidos; uns passos desajeitados aqui; uma fala premeditada ali, conforme intui a cartilha. O namorado é, ainda, um mistério. É sábio aquietar-se, nesse momento. Calma e prudência, porque, como diz um saber popular, tudo a seu tempo.

Que é, pois, o tempo?” – indagou Santo Agostinho. Se ele ao ser questionado não soube explicar, o que dirá de mim, que sou como tantos outros? Porém, a estrada da vida acaba por ensinar, principalmente no fértil solo das relações. Nelas, o tempo pode ser um grande aliado; é a convivência que permite que fiquem mais íntimos, aprendendo a ler o que o outro, na verdade, é.

Em 1988, e lá se vão 35 longos anos, começamos (eu e você) uma união… Uma vida inteira, eu sei. Apesar de eu ter nascido em 91, o enlace nasce em 88: revigorado, sem egoísmos, despido dos autoritarismos ou cobranças injustas.
Pois bem: de 88 a 2023, seria presumível tivéssemos (eu e você – a sociedade) o mais alto conhecimento de todos as manias e pensamentos. Ah, a intimidade… Que grande privilégio seria o nosso!

Os objetivos desta união são os mais nobres: uma sociedade livre, justa e solidária, com amplo desenvolvimento nacional. Isso sem falar no seu anseio pela erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais. Ora, ao buscar promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, mostrou que faz jus ao seu codinome: Constituição Cidadã, gestada no ventre da redemocratização do Brasil. Um casamento perfeito!

Confesso que, entre todas as suas qualidades, toca-me em especial o seu apreço pelos direitos e garantias fundamentais de todo cidadão. Teve o cuidado de dedicar a nós (eu e você – a sociedade) 79 incisos, como faria a sogra mais zelosa.

Entretanto, em algumas circunstâncias, a longa duração de um relacionamento pode–se tornar negligência: seja por desinteresse em conhecer um pouco mais o outro, seja por falta de acesso básico à educação. O pouco-caso fez letra-morta de muitas das suas declarações de amor.

A rejeição é uma condenação de nós mesmos!” – aconselhou a sogra quando houvesse um momento de crise. Se o povo soubesse de todo o incondicional amparo para o qual a união celebrada em 88 foi feita, quem sabe as mudanças tão almejadas por um país mais justo já não teriam ocorrido.

Nos dias insólitos, lembrando os que estavam à direita ou à esquerda da paróquia constitucional, um sábio jurista grita ao fundo, implorando para que a união soubesse de sua existência. Eu e você – a sociedade –, mesmo que quiséssemos, não teríamos o argumento para um desquite de algo anterior ao nascimento de muitos e posterior ao de muitos mais.

O divórcio da união, por vezes revelada como Carta Magna, é como pintar o verde ou amarelo em outras cores. Pode-se querer; fazer jamais. Talvez alguns ainda teimem em não compreender esse tipo de relacionamento, porque tentariam dizer sobre a dificuldade de seu texto, ou porque a distinção moral leve a se penalizar os que têm menos, para os que têm mais.

Ah! Na última crise, mais intensa, indagaram à sogra: “A senhora sabe a quem recorreremos?

E ela respondeu, depois do suspiro: “À Carta Magna!

 

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes.
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes.

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