“Casa de Euclides da Cunha: breve história – parte 2”, por Celso Frauches

Casa de Euclides da Cunha

Casa de Euclides da Cunha

[LEIA AQUI A PARTE 1 DESTE ARTIGO]

Nos 47 anos em que esteve aberta ao público, a Casa de Euclides da Cunha teve cinco diretores: Amélia Thomaz, César Araújo, Iolanda Monteiro Guzzo, Fani Pinheiro Teixeira Abrahim, Erenita Pietrani Almeida e novamente Fani Pinheiro Teixeira Abrahim. Iolanda e Erenita ficaram por menos tempo (juntas, 14 anos), mas foram excelentes diretoras. As mulheres, como praticamente em tudo, hoje, marcam indelevelmente a história e importantes realizações da Casa.

A professora Fani dirigiu a Casa de Euclides da Cunha em duas oportunidades, antes e após a professora Erenita. Totalizou 32 anos à frente da instituição. Ela é, sem dúvida, a diretora que consolidou a Casa, promovendo eventos de relevada importância para estudar e difundir a inestimável obra literária do cantagalense Euclides da Cunha.

A partir de 2012, a Casa ficou fechada, sem explicações. Parou de funcionar. A Fundação Anita Mantuano de Artes do Estado do Rio de Janeiro, ou Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro – Funarj − é a entidade do governo fluminense responsável pela Casa de Euclides da Cunha. Até fevereiro deste ano, não tomou nenhuma providência para a reabertura desse centro cultural.

Em 2021, obtive uma audiência com o prefeito Guga de Paulo, quando fui apresentar-lhe o Instituto Mão de Luva. Na oportunidade, abordei com ele a situação da Casa de Euclides da Cunha, fechada ao público. Disse-me ele que tinha tomado a iniciativa de contatos com a Funarj para assumir a Casa, desde que a fundação doasse o imóvel à municipalidade. Mas essa possibilidade foi negada. Ante esse impasse, durante onze anos a Casa permaneceu fechada.

 

Jackson Emmerick, presidente da Funarj. Ele reabriu a Casa de Euclides da Cunha, após onze anos fechada ao público
Jackson Emmerick, presidente da Funarj. Ele reabriu a Casa de Euclides da Cunha, após onze anos fechada ao público

 

O vereador Matheus Arruda, eleito em 2020, saindo da assessoria de Cultura da Prefeitura, continuou a lutar pela reabertura da Casa. Somente neste mês de junho de 2023, viu os seus esforços coroados de êxito. Em fevereiro deste 2023, assumiu a presidência da Funarj, Jackson Emerick, administrador e político com vasta experiência em gestão no setor público. Finalmente, ele foi sensível aos apelos da população cantagalense, via seu representante, o vereador Matheus Arruda. No último dia 16 de junho de 2023, finalmente, a Casa de Euclides da Cunha foi reaberta, com a presença da secretária de Cultura e Economia Criativa do Estado, Danielle Barros − professora, contadora de histórias, ativista e gestora cultural −; do presidente da Funarj, Jackson Emmerick; do deputado federal Áureo Ribeiro; do presidente da Câmara Municipal, Ciro Fernandes; da vice-prefeita, Emanuela Teixeira da Silva. Esteve presente a bisneta de Euclides, Janaína da Cunha, filha de Euclides Rodrigues da Cunha e dois trinetos. O evento contou a presença das mais expressivas personalidades de Cantagalo e de estudiosos da obra de Euclides, como Anabelle Loivos e Fabiana Correa e os integrantes do Movimento Euclidiano.

O presidente da Funarj nomeou para diretor o cantagalense de Euclidelândia, Vinícius Stael, artista popular na região, um animador cultural. Vinícius, em poucos dias, preparou a Casa para a inauguração e regular funcionamento, das 9 às 16h, de segunda a sexta-feira. Lá, o visitante pode ser recebido pelo Vinícius, o Vitor Hugo ou o Gabriel. Creio que o Vinícius deve estar procurando meios para que funcione também aos sábados e nos feriados, quando poderá receber a visita de turistas e pessoas que, mesmo residindo em Cantagalo, trabalham nos dias e horários estipulados.

 

Janaína Cunha, bisneta de Euclides, representou a família na reabertura da Casa de Euclides da Cunha
Janaína Cunha, bisneta de Euclides, representou a família na reabertura da Casa de Euclides da Cunha

 

Para os jovens leitores e os que ainda não estão familiarizados com a obra literária de Euclides da Cunha (Euclydes Rodrigues Pimenta da Cunha) desejo registrá-las neste artigo: Os Sertões, Canudos: diário de uma experiência, À margem da história, Amazônia: um paraíso perdido, Um paraíso perdido, Contrastes e confrontos, Peru versus Bolívia, Castro Alves e seu tempo, Caderneta de campo, Ensaios inéditos, Canudos e outros temas, Um clima caluniado: trechos selecionados de À margem da história, Correspondência de Euclides da Cunha, Estrelas indecifráveis: trechos selecionados de À margem da história, Melhores crônicas de Euclides da Cunha, Vida e pensamentos, Da face de um tapuia, Ondas e outros poemas esparsos.

Mas Euclides da Cunha − cidadão, engenheiro, militar, político, sociólogo, historiador, jornalista, escritor −, transcende a sua obra literária. Ele é superior a ela. Era um humanista, capaz de afirmar “Eu tenho fanatismo tão insensato pela palavra, pela tribuna que, faça embora o que fizer de melhor para a sociedade, terei cumprido mal o meu destino se não tiver ocasião de, pelo menos uma vez, erguer a minha palavra sobre a fronte de qualquer infeliz, abandonado de todos; e aí impávido, altivo, audaz e insolente arriscar em prol de sua vida obscura todas as energias de meu cérebro, todos os meus ideais — a minha ilusão mais pura, o meu futuro e a minha vida!…” (Caderno de notas de leitura n. 26).

Tenho especial predileção pelo Euclides poeta. Não resisto, emocionado, para encerrar este curto preito ao notável cantagalense, de transcrever um dos seus poemas, Eu quero, de 1883:

Eu quero à doce luz dos vespertinos pálidos
Lançar-me, apaixonado, entre as sombras das matas
− Berços feitos de flor e de carvalhos cálidos
Onde a Poesia dorme, aos cantos das cascatas…
Eu quero aí viver − o meu viver funéreo,
Eu quero aí chorar − os tristes prantos meus…
E envolto o coração nas sombras do mistério,
Sentir minh’alma erguer-se entre a floresta e Deus!
Eu quero, da ingazeira erguida aos galhos úmidos,
Ouvir os cantos virgens da agreste patativa…
Da natureza eu quero, nos grandes seios túmidos,
Beber a Calma, o Bem, a Crença _ ardente a altiva.
Eu quero, eu quero ouvir o esbravejar das águas
Das asp’ras cachoeiras que irrompem do sertão…
E a minh’alma, cansada ao peso atroz das mágoas,
Silente adormecer no colo da so’idão…

 

Celso Frauches
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

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