“Casa de Euclides da Cunha: breve história – parte 1”, por Celso Frauches

Casa de Euclides da Cunha

Casa de Euclides da Cunha

“Meu eminente mestre. O Sr. está numa cidade (Nova Friburgo) que eu vi na mais remota juventude, e bem perto do pequeníssimo vilarejo onde nasci – Santa Rita do Rio Negro. Não a conheço mais.”

Esse é um trecho de carta que Euclides da Cunha escreveu a seu mestre Machado de Assis.

Santa Rita do Rio Negro hoje é Euclidelândia, em homenagem a Euclides. Euclidelândia é nosso 3º distrito. Por isso, Cantagalo também presta suas homenagens a este que é conhecido universalmente como um dos maiores escritores da língua portuguesa. Entre elas, está a criação da CASA DE EUCLIDES DA CUNHA.

Vamos, então, viajar no tempo…

Estamos na década de 60 do século 20, mais precisamente em 1964. Assume o governo do antigo Estado do Rio de Janeiro um cantagalense: general Paulo Francisco Torres. Governava Cantagalo o prefeito Henrique Frauches. Este escriba era secretário da Prefeitura; havia somente uma secretaria. O prefeito pretende apresentar ao novo governador proposta de criação de um colégio estadual, para substituir o Colégio Cenecista, que perdeu verbas dos governos do Estado e da União. Estava sem condições financeiras de sobrevivência, apesar dos esforços e da extrema dedicação do professor Ewandro do Valle Moreira para manter essa escola comunitária.

Outra proposta pensada: a criação da Casa de Euclides da Cunha.

 

O governador Paulo Torres, o cantagalense que criou a Casa de Euclides da Cunha, em 1965
O governador Paulo Torres, o cantagalense que criou a Casa de Euclides da Cunha, em 1965

 

Com referência a esse projeto, fui designado para ir a São José do Rio Pardo (SP), na Semana Euclidiana, a fim de obter dados para a elaboração do projeto para Cantagalo. A Prefeitura só tinha três veículos, dois caminhões e uma caminhonete Rural Willys, um utilitário que foi produzido por uma tal de Willys Overland nas décadas de 50, 60 e 70 no Brasil. Era um jeep melhorado. O motorista era o próprio prefeito. Tive que recorrer a um afilhado, primo e amigo: Heleno Coelho. Fomos de Karmann-ghia (Volks) dele, o “xique nu úrtimo”…

A Semana Euclidiana de São do Rio Pardo (SP) me surpreendeu pela idolatria ao cantagalense Euclides: organização perfeita; uma semana dedicada completamente ao autor de Os Sertões. Estudos, concursos, apresentações inéditas para mim. Obtive os dados e a legislação local e estadual sobre a Semana. Voltamos a Cantagalo.

Aqui, a professora, escritora e poeta Amélia Tomás deu o toque teórico ao projeto, enriquecendo-o sobremaneira com o conhecimento e domínio da obra de Euclides. A proposta foi levada ao governador Paulo Torres, em audiência marcada pelo secretário de Governo, o cantagalense dr. Lizst Sá Vieira. Aprovada, a proposta foi encaminhada ao então secretário de Educação. E lá ficou engavetada por meses. Henrique Frauches pediu e obteve uma audiência com o dr. Lizst, narrando-lhe o “esquecimento” do secretário de Educação.

 

Dr. Lizst Sá Vieira, secretário do Governo Paulo Torres, peça importante na criação do Colégio Maria Zulmira Torres e na Casa de Euclides da Cunha
Dr. Lizst Sá Vieira, secretário do Governo Paulo Torres, peça importante na criação do Colégio Maria Zulmira Torres e na Casa de Euclides da Cunha

 

Semanas depois, o dr. Lizst informou que o projeto foi retomado e iria ser iniciada a construção da Casa. Seria iniciada – como efetivamente foi − a construção do Colégio Estadual Maria Zulmira Torres, nome da genitora do governador, tendo como anexo a Casa de Euclides da Cunha. A primeira etapa estava vencida.

Acompanhamos, junto ao Dr. Lizst, a tramitação do processo, a construção e a instalação do Colégio e da Casa.

Maria Zulmira Torres, segundo dados da Secretaria de Educação do RJ, nasceu em berço de ouro, em 15 de dezembro de 1869, no município de Santana de Japuíba (RJ). Era mulher inteligente, guerreira, obstinada, disciplinada, voltada à família e com interesse pela política. Casou-se com Antônio Francisco Torres. Dizia para todos que ele era a razão de ser de sua vida. Vindo morar em Cantagalo, levou uma vida simples e era chamada carinhosamente de Dona Cocota, uma educadora. O casal teve nove filhos. Após a formação de seus filhos na educação básica, a família passou a residir em Cachoeiras de Macacu. Diz a história que ela afirmava que só morreria quando tivesse um filho que fosse ministro de Guerra ou governador do Estado. Veio a óbito em 1964, aos 94 anos. Foi velada no Palácio do Ingá, sede do antigo governo fluminense, com todas as honras de mãe do governador do Estado do Rio de Janeiro, Paulo Torres.

1966 é uma data histórica para Cantagalo: inaugurou-se o Colégio e a Casa, esta um centro cultural, único no Estado do Rio, dedicado inteiramente ao autor de Os Sertões.

 

Dr. Lizst, o primeiro à esquerda, preside a assembleia de fundação do Grêmio dos Amigos de Cantagalo, em Niterói, 1956
Dr. Lizst, o primeiro à esquerda, preside a assembleia de fundação do Grêmio dos Amigos de Cantagalo, em Niterói, 1956

 

No acervo, há peças relacionadas a Guerra de Canudos, livros do escritor em primeiras edições e num túmulo, no centro da sala de visitações, o encéfalo do escritor. Ele foi guardado pela família, inicialmente, para a realização de pesquisas, já que o funcionamento desta região do cérebro era, e ainda é, um mistério para a Ciência. Há reproduções de documentos, desenhos e peças ligadas à vida e obra do escritor, além da primeira edição dos livros Os Sertões e Contrastes e Confrontos. A biblioteca possui cerca de três mil obras literárias (nacionais e estrangeiras); didáticas, sobre diversos assuntos; além de publicações que analisam e interpretam Euclides e sua obra. Construída a partir do acervo original do engenheiro, contendo material usado em Canudos e primeiras edições de seus livros, a biblioteca cresceu através de doações, inclusive da família do jornalista.

A direção da casa foi entregue, inicialmente, à professora Amélia Tomás, uma dedicada e disciplinada estudiosa da obra de Euclides da Cunha e um dos alicerces da proposta de criação dessa casa de cultura.

Amélia Tomás (nome literário), contudo, não era uma administradora. Era o que ela é celebrada até estes tempos digitais, professora, escritora, poeta. Mas continuou ligada à Casa nos estudos e divulgação da obra literária de Euclides.

 

[LEIA AQUI A PARTE 2]

 

Celso Frauches
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

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