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Na década de 50, do século 20, meu pai alugou um casarão, na Rua César Freijanes, esquina da Rua Euclides da Cunha, onde hoje se localiza o Fraterno Auxílio Cristão (FAC). Ali vivi momentos inesquecíveis para um adolescente nascido numa fazenda, em São Sebastião do Paraíba. Um capiau, como era comum identificar um caipira. Ali jamais me esqueci de um gramofone tocado a manivela, onde eu comecei a ouvir músicas do início desse século. E comer as delícias de ameixas amarelas, em um pé que ficava nos fundos do casarão.
Mais tarde, meu pai, eleito prefeito de Cantagalo em 1962, alugou a casa 51 da mesma Rua César Freijanes. Eu, já adulto, com 27 anos de idade, morei com meus pais até o final de 1966. Nessa residência, os prazeres foram outros, ligados à política cantagalense, à administração da Secretaria da Prefeitura, à Liga Cantagalense de Desportos, junto com Joel Naegele, ao Colégio Cenecista, como professor e secretário. Agora, novamente, a Rua César Freijanes aparece na minha vida, no nº 36, térreo: como sede do Instituto Mão de Luva, que criei em fevereiro deste ano, destinado a garimpar memórias e a escrever história.
Mas quem foi César Freijanes?
Quem fez um bom relato sobre este personagem da história de Cantagalo foi Acácio Ferreira Dias, em seu livro Terra de Cantagalo (Cantagalo, RJ: Prefeitura Municipal de Cantagalo, 2ª Ed., 1979, p. 386/388). O coronel da Guarda Nacional, Cezar Freijanes, nasceu em 2 de abril de 1860, na Aldeia de Sela, comuna de Arbo, na Espanha. Chegou ao Brasil, em 1872, vindo morar em Cantagalo. Adulto, dedicou-se ao comércio e, mais tarde, à agricultura. “Fez fortuna”, como se dizia naqueles tempos, ganhou notoriedade, virou um filantropo.
A Gazeta de Cordeiro, sob a direção do saudoso João Bellieni Salgado, em sua edição de 18 de outubro de 1925, que me foi entregue pela pesquisadora cordeirense, Madalena Tavares, ao noticiar a morte de César Freijanes, traz dele uma minibiografia. Ali os leitores da época ficaram sabendo que, na área pública, ele começou como promotor interino e delegado de polícia por várias vezes. Na política, foi vereador, presidente da Câmara de Cantagalo e, como tal, prefeito. Foi comandante da Guarda Nacional, daí o título de coronel. Esteve preso em tempos de ditadura. Solto, voltou à direção do periódico Tribuna de Cantagallo. Era, segundo esse periódico (respeitada a grafia original), “homem feito por si mesmo, habituado ao trabalho e à honestidade, o coronel Freijanes conseguio largo prestígio entre os cantagalenses, fazendo-se estimar de toda a população. Espírito liberal e bom, satisfazia de coração aberto a todos os obséquios que lhe fossem solicitados, sem preoccupações partidárias nem prevenções contra ninguém. Político de envergadura moral, nunca tergiversou nos seus deveres de chefe acatado e querido, nem fez da política a chave de sua fortuna pessoal, adquirida no commercio e na lavoura”.
Conta-nos Acácio Ferreira Dias, no livro acima citado, p. 387, que coronel César Freijanes se entregou “com o maior carinho aos labores da agricultura, tendo deixado a administração da fazenda para cuidar da fundação de uma granja modelo, onde – dizia – contava passar os ócios de sua velhice, quando esta o impossibilitasse da atividade quotidiana”.
O “Album do Municipio de Cantagallo”, organizado sob a direção do Dr. Julio Pompeu, em 1921, traz mais informações sobre o coronel Freijanes. Retrata-o como um dos políticos cantagalenses mais populares, ex-presidente da Câmara Municipal, quando esse cargo era, ainda, responsável por administrar a prefeitura.
Algumas páginas de uma edição do “Album do Municipio de Cantagallo”, oferecido em um leilão virtual, na internet
Nesse Álbum, fiquei sabendo que o coronel Freijanes foi proprietário da Fazenda da Boa Vista, em Santa Rita da Floresta, distante 18km da sede, Cantagalo. Abrangia 312 alqueires, dos quais 150 em matas virgens. Possuía extensa lavoura com trezentos mil cafeeiros que produziam, por ano, cinco mil arroubas. Uma arrouba, no Brasil e em Portugal, era equivalente a 14,7 kg. Havia, ainda, uma boa colheita de cereais.
O Rio Quilombo cortava a Fazenda Boa Vista, formando, em pontos distintos, duas cachoeiras. Boa Vista confrontava com as fazendas Quartel da Saúde, Pouso Alto, Vargem Grande, São João da Pedra, São lio Pompeu ele era um “cavalheiro distinctissimo, digno por seu caráter nobre, de todas as atenções” e Cantagalo poderia ter nele “um amigo incondicional, com cuja dedicação poderá contar em qualquer circunstância”.
É a Gazeta que narra, com fidelidade, o assassinato do coronel Freijanes, em sua fazenda Boa Vista, em 10 de outubro de 1925: “Havendo o administrador da granja admoestado ao serviçal Manoel Alagoana, ali recentemente admitido, este agreddio aquelle administrador e, sacando de uma faca, o ferira no braço direito. Nesse momento, intervem o coronel Freijanes, procurando defender o seu administrador, que corre para o interior da casa e deixa o seu patrão e amigo entregue à sanha do bandido. Vendo o risco da morte próxima, dada a fúria do ataque, o coronel Freijanes atraca-se ao agressor, que, de mão ainda armada o fére pelas costas, vibrando-lhe três profundas facadas, que tornaram a victima incapaz de qualquer resistência” (respeitada a grafia original).
Ainda segundo a Gazeta de Cordeiro, os primeiros socorros ao coronel Freijanes foram prestados em Cantagalo, pelos médicos Américo Freire, Gilberto Freire e Carlos Valle. Transportado para Nova Friburgo, o coronel César Freijanes foi atendido na Santa Casa de Misericórdia, onde veio a falecer no 14 de outubro de 1925.
César Freijanes – um político à frente de seu tempo – merece muito mais do que um pequeno espaço nesta crônica-artigo e o nome de uma rua. Voltaremos a ele, oportunamente.
Celso Frauches é professor, escritor, pesquisador, ex-secretário Municipal de Cantagalo e consultor Especialista em Legislação