“Chapot Prevost: o superesquecido – 2”, por Celso Frauches

Dr. Chapot Prevost. Foto: Wikipédia

(Leia a parte 1 deste artigo no link https://jornaldaregiao.com/chapot-prevost-o-superesquecido-1-por-celso-frauches/)

[ARTIGO ATUALIZADO ÀS 21h00]

O cantagalense dr. Eduardo Chapot Prévost (1864/1907), objeto destas “mal traçadas linhas”, tem histórias contadas em vários países. No Brasil, batiza o Hospital Universitário da Universidade Federal do Amazonas, em Manaus; e é nome de Rua na Praia do Canto, em Vitória (ES), onde passou alguns anos de sua vida.

Casa-sede da Fazenda São Clemente, sediada no distrito de Boa Sorte (RJ), depositária de acervo histórico de Cantagalo e Região, de propriedade de Marcello Cardoso Monnerat, curador desse acervo.
Casa-sede da Fazenda São Clemente, sediada no distrito de Boa Sorte (RJ), depositária de acervo histórico de Cantagalo e Região, de propriedade de Marcello Cardoso Monnerat, curador desse acervo.

Mas, na Fazenda São Clemente, que está localizada em Borte Sorte, nosso 5º Distrito, o seu proprietário, Marcello Cardoso Monnerat, tem um acervo considerável sobre o nosso herói da medicina.

Marcello é coordenador administrativo, financeiro e de Restauração e Conservação do Projeto Fazenda São Clemente. É de sua autoria, junto com Álvaro Antônio Sagulo Borges de Aquino, coordenador executivo e coordenador de Comunicação Institucional do Projeto Fazenda São Clemente, artigo publicado na edição de 19 de novembro de 2014 do nosso Jornal da Região, sob a batuta do amigo Célio Figueiredo. É o estudo mais completo que consegui sobre o cantagalense Chapot Prevost. O Projeto Fazenda São Clemente, em 2014, recorda os 150 anos de nascimento do médico e professor Eduardo Chapot-Prévost, uma das mais ilustres e notórias personalidades da medicina brasileira, cujo nome tornou-se mundialmente famoso pela marcante e bem sucedida operação que realizou, no final do século 19, separando as irmãs siamesas Maria e Rosalina. A fotografia e todas as informações apresentadas nessa matéria foram retiradas dos diversos documentos e jornais das primeiras décadas do século 20 sobre a vida e obra do doutor Eduardo Chapot-Prévost e que, pela força do destino, integram o acervo da Fazenda São Clemente.

Os que quiserem ler o artigo na íntegra podem acessar https://jornaldaregiao.com/ajustes/projeto-fazenda-sao-clemente-relembra-o-sesquicentenario-de-nascimento-de-eduardo-chapot-prevost/.

Desse artigo, que é interessantíssimo e vale a pena ser lido, retirei algumas partes ainda pouco conhecidas. Mas há outras informações e comentários valiosos.

As irmãs Maria e Rosalina aos 7 anos de idade, antes da cirurgia.
As irmãs Maria e Rosalina aos 7 anos de idade, antes da cirurgia.

Antes da cirurgia, durante mais de um ano, as irmãs ficaram em observação. Foram aplicados remédios em uma das irmãs a fim de verificar se a outra sentia os efeitos. Foi dessa forma que Chapot-Prévost concluiu que o órgão que as ligava era o fígado. Como não havia radiografia, foram necessários vários meses para descobrir se elas possuíam um único fígado ou não. Após realizar os mais minuciosos estudos sobre a operabilidade desse caso de toracoxifopagia, esgotando os métodos de investigação e exame possíveis, Chapot-Prévost criou processos para as várias fases da inovadora cirurgia. O procedimento cirúrgico foi realizado na Casa de Saúde de São Sebastião e a equipe era composta por treze médicos assistentes: doutores Amaro Campello, Azevedo Monteiro, Chardinal d’Arpenans., Dias de Barros, Ernani Pinto, Figueiredo Rodrigues, João Gonçalves Lopes, Jonathas Campello, José Chapot-Prévost, Paula Rodrigues, Paulino Werneck, Pinheiro Júnior e Sílvio Muniz.

A cirurgia ocorreu de forma satisfatória. No entanto, Maria se recusava a se submeter à dieta que consistia tão somente na ingestão de caldos. A enfermeira, contrariando a orientação médica, lhe deu um prato com mingau de tapioca, causando-lhe uma grave infecção intestinal. Faleceu cinco dias após a cirurgia, vitimada por um quadro infeccioso que a medicina da época não dispunha de meios para debelar.

 

Publicações de 1900 que tratavam do feito histórico do Dr. Chapot Prevost.
Publicações de 1900 que tratavam do feito histórico do Dr. Chapot Prevost.

 

Chapot-Prévost foi obrigado a esculpir em gesso, em tamanho natural, o modelo das duas crianças e a desenhar uma mesa de operação especial, que se dividia em duas, para permitir que ele, depois de separadas as toracoxifópagas, atendesse a uma delas, enquanto os assistentes concluíam a operação da outra. Inclusive, um aparelho especial para a sutura do fígado foi desenhado e construído pelo médico.

Rosalina com seu esposo e seus netos, na comemoração dos seus 75 anos de idade. Ela viveu mais de 80 anos.
Rosalina com seu esposo e seus netos, na comemoração dos seus 75 anos de idade. Ela viveu mais de 80 anos.

Rosalina teve mais dez irmãos, todos eles perfeitos. O caso das irmãs siamesas foi o único que se registrou na sua família e na de seus parentes. Rosalina contou que, depois de operada, passou a morar com o doutor Eduardo Chapot-Prévost que, mais tarde, se tornou seu padrinho e lhe arranjou educação gratuita num colégio de irmãs de caridade, em Botafogo. Seu grande benfeitor tratava-a como filha. Tanto que, numa viagem à Europa com a esposa, levou também Rosalina, numa época em que as viagens eram muito mais raras, caras e difíceis.

Quando Chapot Prevost faleceu, Rosalina estava com catorze anos de idade. Embora a família do médico não quisesse, ela deixou a casa e foi morar com os pais. Todavia, não se habituou àquela vida de privações, no interior do Espírito Santo. Voltou para o Rio de Janeiro. Mais tarde, passou a residir com uma família em Sebastião Lacerda, na vila que hoje tem seu nome e que se chamava Commercio. Em Sebastião Lacerda, perto de Vassouras (RJ), conheceu o homem que viria a ser seu esposo. Dos seus seis filhos, os dois primeiros nasceram em maternidades do Rio de Janeiro. Os médicos temiam qualquer complicação no parto. Os outros quatro, em mãos de parteiras, naquele lugarejo fluminense.

O famoso médico e escritor Pedro Nava (1903/1984), cujo pai foi aluno de Eduardo Chapot Prévost, dedicou um de seus escritos ao médico e cirurgião. Para ele, o médico cantagalense “preparou-se experimentalmente, criou e treinou um sistema pessoal de ligadura hepática, inventou uma mesa cirúrgica destinada aos xifópagos e que, separados os mesmos, dividia-se também, indo cada metade para um lado da sala, servida pela respectiva equipe operatória que não interrompia, assim, um instante, o ato cruento tornado duplo”. Essa invenção foi inédita, tanto como inédita foi essa primeira cirurgia de separação de irmãs siamesas. Pedro da Silva Nava formou-se em medicina na Universidade Federal de Minas Gerais, em 1927, e participou da geração modernista de Belo Horizonte. Foi dos poucos não-juristas a assinar o Manifesto dos Mineiros.

As irmãs Carmen e Jandira, respectivamente, Maria e Rosalina na peça Equal.
As irmãs Carmen e Jandira, respectivamente, Maria e Rosalina na peça Equal.

Finalmente, encontrei uma homenagem ao médico cantagalense: Chapot Prevost no teatro. Em Londrina (PR), um grupo de teatro local encenou, em Ponta Grossa (PR), como parte da 39.ª edição do Festival Nacional de Teatro (Fenata), a peça Equal. Nessa encenação, duas atrizes, Carmen e Jandira, dão vida às irmãs siamesas Maria e Rosalina. A peça conta como se sucedeu a primeira cirurgia de separação de siameses no Brasil, pelo médico cantagalense Chapot Prévost. Nessa obra de ficção, Rosalina (Jandira) continuou mantendo contato com a irmã até a velhice. O contato, na peça, não foi interrompido com a morte de Maria. Tratado como um work in progress (peça que possibilita mudanças ao longo de suas montagens), Equal, que é dirigida e escrita por João Henrique Bernardi, possui 30 minutos de duração. “A encenação das duas mulheres já idosas possibilita uma série de interpretações. Uma delas pode ser o espírito ou uma mensagem de que uma irmã não vive sem a outra. O espectador que tire suas conclusões“, explica o produtor, Fabrício Borges. A peça já foi apresentada na Dinamarca, Noruega, Inglaterra, Suécia, São Paulo e nas Minas Gerais¹.

Para se ter noção do desconhecimento do nome deste grande cantagalense, mesmo em meio acadêmico, em contato com Dr. Afrânio Gomes Pinto Júnior, médico muito querido em Cantagalo, falando sobre o assunto, ele nos disse que, quando cursava o sexto ano do curso de Medicina, ao estagiar no Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, foi atuar na Equipe Chapot Prevost. A curiosidade, diz ele, foi que nem professores nem alunos sabiam o que ou quem era. Em tempos sem as facilidades de busca pela internet, o dr. Afrânio só veio a saber quem era quando mudou para Cantagalo e entrou pela Rua Chapot Prevost. O Dr. Júlio Marcos de Souza Carvalho, o meu querido amigo Júlio, foi quem lhe informou sobre esse cantagalense ilustre.

Em Cantagalo, lamentavelmente, Chapot Prevost é apenas o nome de uma rua. É pouco, muito pouco para um médico genial.

Quando uma sociedade não reconhece os seus valores humanos, é possível que a educação também não seja valorizada. Tenho visto isso.

Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

 

¹ Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/subida-ao-palco-para-fugir-da-depressao-9wt84z0rqbwcplqxrqb7nds9a/

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Um Comentário

  • Parabéns pela história! Conheço alguns descendentes de Rosalina.

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