“Controlando as emoções: o poder de escrever o que sente”, por Jalme Pereira
Em muitos clubes sociais, espalhados pelas cidades, é comum ver pessoas organizando partidas de futebol amador, as famosas “peladas”. Em uma dessas ocasiões, os times estavam quase completos quando meu amigo China chegou. Ele era o jogador que faltava para completar um dos times. O problema surgiu quando o capitão – responsável por escolher os jogadores – ignorou China e chamou outro jogador que chegou logo após, passando-o na frente do China, sem nenhuma cerimônia.
Frustrado, China gesticulou, reclamou, afinal, ele era o “jogador da vez”, mas, no fim aceitou. Sem muita escolha, assistiu à partida inicial do lado de fora. Foi então que novos jogadores chegaram, formando um terceiro time, e finalmente chegou a vez de China entrar em campo.
Só que algo dentro dele havia mudado. Tomado por uma raiva intensa e inexplicável, ele que era atacante do time, canalizou toda a agressividade no jogo. Cada bola disputada era um campo de batalha: cotoveladas, peitadas, entradas duras. Sua fúria parecia ter um alvo claro – o capitão que o rejeitara. A certa altura, um companheiro de time gritou lá da defesa: “Ei, China! Se é para dar pancada, saia do ataque e venha para a defesa!”
Nesse momento, ele parou. Foi como se aquele grito tivesse rompido o véu de sua indignação, expondo algo mais profundo. Ele percebeu que aquela rejeição no campo não era apenas sobre futebol. Refletindo, entendeu que o sentimento de ser ignorado pelo capitão havia acionado algo enterrado dentro dele: um sentimento antigo de abandono, a mesma dor que sentiu quando seu pai o deixou ainda criança.
A rejeição foi o gatilho que abriu as portas para emoções reprimidas há anos e a partida se transformou em um palco para uma explosão de sentimentos não resolvidos.
Quantas vezes nossas reações intensas no dia a dia estão ligadas a algo muito maior do que o evento em si e que podem emergir de forma inesperada, influenciando nosso comportamento e nossa forma de enxergar e agir no mundo presente?
O Que São e Como Funcionam os Gatilhos Emocionais?
Gatilhos emocionais são situações, palavras, memórias ou comportamentos que despertam reações emocionais como raiva, medo, tristeza ou frustração. Na maioria das vezes, esses gatilhos estão ligados a experiências passadas ou crenças construídas ao longo da vida. Por exemplo, ser interrompido em uma conversa pode trazer à tona sentimentos de desrespeito ou desvalorização, especialmente se a pessoa já viveu situações semelhantes no passado.
As emoções podem ser comparadas a um elástico que se tensiona com o tempo. Cada experiência negativa do passado adiciona tensão, acumulando camadas de estresse e fragilidade. Quando um gatilho surge, dispara o elástico de forma repentina e inconsciente, trazendo à tona reações como raiva, medo ou tristeza, muitas vezes desproporcionais ao evento atual. Quanto mais tensionado o elástico estiver, mais difícil será controlá-lo.
O Que Nos Torna Reféns dos Gatilhos Emocionais?
Muitas pessoas que lidam com gatilhos emocionais relatam sensações de frustração, culpa e impotência. Elas sabem que poderiam agir diferente, mas sentem que algo mais forte as domina e controla suas reações, as consequências podem ser profundas e prejudiciais.
Como É Viver Sob o Controle dos Gatilhos Emocionais?
Pessoas que vivem controladas por esses gatilhos se sentem frustradas, pois não conseguem entender por que reagem de forma tão intensa. Culpadas, porque normalmente, se arrependem de suas ações, mas não sabem como evitá-las, incompreendidas, pois sentem que os outros não entendem seus sentimentos ou reações e impotentes, porque, muitas vezes se veem presas a um ciclo repetitivo de emoções negativas, sem saber como sair dele. Esse ciclo pode gerar conflitos, ansiedade e até depressão, deixando a pessoa se sentir inadequada ou incapaz, presa a reações automáticas que dificultam o aprendizado e o crescimento.
As Principais Causas da Criação dos Gatilhos Emocionais
Os gatilhos emocionais geralmente têm origem em experiências passadas que deixaram marcas emocionais significativas. Algumas causas comuns incluem (1) Crenças limitantes: percepções como – “não sou bom o suficiente” ou “as pessoas sempre me julgam – aumentam a sensibilidade emocional. (2) Traumas antigos: Situações de dor, rejeição ou fracasso podem deixar cicatrizes emocionais que reaparecem quando se enfrenta algo semelhante. Por exemplo, uma pessoa que sofreu bullying na infância pode reagir de forma intensa a críticas, mesmo que construtivas. (3) Associações emocionais: Certos comportamentos, como ser interrompido, podem ser associados a desrespeito ou desvalorização, mesmo que a intenção do outro não seja negativa.
Como Reagir Quando um Gatilho Emocional Aparecer?
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- Pause e respire: Dê alguns segundos para processar a situação antes de reagir. A respiração profunda ativa o sistema nervoso parassimpático, acalmando sua mente.
- Reconheça a emoção: Nomeie o que está sentindo (“Estou com raiva” ou “Estou me sentindo desrespeitado”). Isso ajuda a reduzir a intensidade da emoção.
- Questione a origem: Pergunte-se: “Por que isso me incomoda tanto?”. Muitas vezes, o gatilho está conectado a experiências antigas ou medos profundos.
- Pratique a Autocompaixão: Aceite suas emoções sem se julgar, reconhecendo que todos temos momentos de fragilidade.
- Aja com intenção: Escolha uma resposta consciente em vez de reagir automaticamente. Isso pode significar comunicar seus sentimentos ou redirecionar sua energia para algo positivo.
- Crie associações: Substitua reações negativas por respostas construtivas, treinando sua mente a lidar de forma mais saudável.
- Reflita após o ocorrido: Pergunte-se: “O que posso aprender com essa situação?” Use a experiência como aprendizado para fortalecer sua inteligência emocional.
- Peça Feedback: Amigos próximos podem ajudar a identificar reações que você talvez não perceba. Pergunte como eles veem suas reações em situações específicas.
- Busque Apoio Profissional: Se os gatilhos forem muito intensos ou frequentes, considere a ajuda de um terapeuta para trabalhar o autoconhecimento.
Transforme Suas Reações
Identificar e superar os gatilhos emocionais é um processo de autodescoberta e crescimento. Ao adotar estratégias como autoconhecimento, regulação emocional e reinterpretação de crenças, é possível transformar reações automáticas em escolhas conscientes. Que tal começar hoje? Escolha um momento do seu dia para observar suas emoções e anote o que desencadeou seus sentimentos. Transformar suas reações começa com esse pequeno passo de autoconhecimento.