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Existem determinadas datas que jamais deveriam desaparecer da memória popular nem do calendário histórico dos municípios; em Cantagalo, essa data é o dia 15 de novembro.
Os leitores pensarão: o articulista não está bem mentalmente, pois todos sabem que 15 de novembro é a data da Proclamação da República, colocando um ponto final no único império da América do Sul. Provavelmente a chegada da república não tenha sido tão comemorada em nosso município, cujo povo conservador e monarquista, na sua maioria, admirava o Imperador Pedro II, já existindo em Cantagalo vários barões e até viscondes.
Para nosso município, 15 de novembro, além da mudança do regime político, tem algo de grandioso que mudou os hábitos cantagalenses e gerou o progresso com a implantação das primeiras indústrias: 15 de novembro de 1915 registrou a chegada da energia elétrica em Cantagalo.
Nosso município foi um dos primeiros a possuir energia elétrica no estado do Rio de Janeiro; superado apenas por Campos (1883), Niterói (1906) e Nova Friburgo (1911).
Até aquela data, a cidade era iluminada por lampiões a querosene com baixa intensidade luminosa, dificultando a visibilidade; não permanecendo acesos durante toda noite, facilitavam a prática de atos ilícitos, contrários a moral e a segurança dos habitantes da cidade.
A baixa luminosidade era tão grande que, aqui, peço licença ao meu amigo e conterrâneo Des. Federal Dr. Clélio Erthal, para transcrever um trecho do seu livro CANTAGALO – Do surto da Pecuária à Industrialização do Calcário: “Principalmente nas noites frias de inverno, com a névoa baixa. E mais ainda na praça, já coberta por denso arvoredo e uma vegetação rasteira que dificultava a propagação da luz. A escuridão ali chegava a ser um convite para os desocupados e as pessoas que pretendiam violar a segurança e os bons costumes. Para impedir que a deficiência de iluminação favorecesse tais excessos, a Câmara Municipal havia até instalado, ainda no Império, um gradil de ferro isolando-a das ruas adjacentes, cujos portões se fechavam todas as noites a partir das 22 horas”.
A produção da energia elétrica e da luz urbana foi iniciativa da firma Ibero-Americana, de propriedade dos espanhóis Antônio Castro e Manoel Diaz Martines, e do português Luiz Pires. Com o passar do tempo, a firma ficou em poder do Sr. Antônio Castro.
A energia elétrica era produzida na usina construída dentro de todas as normas técnicas e de segurança no primeiro distrito de Cantagalo, na localidade denominada Chave do Vaz, onde havia uma parada dos trens da Leopoldina. Todo material e maquinário necessários à construção da usina hidroelétrica eram transportados pela ferrovia, até a citada Chave do Vaz, na margem direita do Rio Negro, onde um vagão era deixado, sendo descarregado e toda carga transportada em carretas de bois até o local da usina na margem esquerda do referido rio. Era um trabalho penoso, havendo o governo estadual construído uma ponte de cimento armado e grossa ferragem unindo as duas margens do rio. Ponte que existe até hoje, não sendo considerado o seu valor histórico.
A dez quilômetros de Cantagalo, foi construída uma longa banqueta desviando as águas do Rio Negro, que lançadas em dois tubulões, movimentam as máquinas geradoras da energia elétrica. O prédio, com robusta estrutura, permanece de pé até hoje, bem como as casas para os funcionários da empresa. Tudo funcionando até hoje, 108 anos depois.
Na minha juventude, havia o hábito de passeios na banqueta, até o dia em que o jovem Felipe Abrahão morreu afogado, talvez batendo a cabeça no fundo. A partir desse domingo, tal prática foi proibida.
A construção durou mais de dois anos. Em 1913, meus avós portugueses Joaquim e Joaquina Augusta, percebendo a importância daquela iniciativa, compraram fiado e hipotecaram, 90 alqueires de terras na Chave do Vaz, na confluência do Córrego dos Cafés com a Rio Negro. Ali meu avô abriu uma pequena casa comercial, empregando seus esforços entre o comércio e a dura labuta na atividade agropecuária; enquanto minha avó, auxiliada por colaboradoras, se empenhava na cozinha produzindo alimentos que eram vendidos aos trabalhadores da usina em construção. Dura vida de imigrantes, mas tudo quitaram e venceram!
A energia gerada na Chave do Vaz foi fornecida, inicialmente, para Cantagalo e Cordeiro, na época, nosso 3º distrito. Posteriormente, as linhas de transmissão chegaram a Itaocara, Cambuci, São Fidelis e Pádua.
Todo trabalho de construção da usina da Chave do Vaz foi orientado pelo engenheiro Dr. Otávio van Erven, cantagalense nascido em Santa Rita do Rio Negro (hoje, Euclidelândia).
Mais tarde, creio que na década de 50, a Ibero-Americana construiu outra usina no Rio Negro, dessa vez abaixo de Euclidelândia, reforçando o potencial energético.
Segundo o Desembargador Toledo Piza, no seu trabalho Itaocara, Antiga Aldeia de Índios, a inauguração da energia elétrica em Cantagalo motivou várias solenidades, a saber: “Um trem especial, partindo de Cordeiro, levando mais de quinhentas pessoas, buscara a usina de propriedade da firma Castro, Martinez & Cia.”
Fico imaginando a cansativa caminhada dessas pessoas depois que desembarcaram na Chave do Vaz. Andaram cerca de duzentos metros até a ponte sobre o Rio Negro; depois, caminharam por uma estrada poeirenta, em aclive, por cerca de 1,5 km, até a nova usina. Em 15 de novembro, provavelmente, sob sol escaldante.
No local, o serviço foi considerado inaugurado pelo representante do Dr. Nelson de Castro, representante do presidente do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Nilo Peçanha, na presença de Dr. Júlio Veríssimo da Silva Santos, de diversas autoridades municipais e estaduais, além de representantes dos jornais: Correio de Cantagalo, A Tribuna de Cantagalo, O Lidador (Itaocara) e a Gazeta de Cordeiro.
Depois, as solenidades continuaram no prédio da Câmara Municipal de Cantagalo, onde o presidente Dr. Júlio Santos, após belíssima oratória, ligou a chave iluminando o prédio da Câmara e as ruas de Cantagalo.
No interessante livro da Prof.ª Madalena Tavares, Registros de Nascimento e Desenvolvimento de Cordeiro, também é narrada a chegada da luz elétrica no nosso vizinho mais próximo, com festas, discursos, bandas de música e homenagens aos proprietários da Ibero-Americana. Narra também que, em virtude de Cantagalo (1º distrito) receber 85 postes de iluminação, enquanto em Cordeiro (3º distrito) foram colocados 65, gerou protesto da população de Cordeiro, pois, previamente, estava estabelecido que cada localidade receberia 80 postes de iluminação pública. Naquele tempo tudo era motivo para brigas!
Durante muitos anos, existiu no centro do Largo da Igreja (hoje, Praça Cônego Crescêncio Lanciotti), um elevado e trabalhado poste de ferro que se bifurcada em dois braços com luminárias; tudo apoiado em um alto pedestal com placas alusivas à inauguração da luz elétrica em Cantagalo; que eu procurava ler quando estava sendo alfabetizado pela Prof. Leonor Barros e por minha saudosa mãe. Nele, também, era amarrado, no sábado de Aleluia, o Judas, grande boneco de pano, com bombas no seu interior que iam explodindo, enquanto a garotada o malhava.
Na década de 50, quando o Prefeito Lacordaire F. Villela urbanizou este local, o conjunto comemorativo foi retirado, permanecendo por longo tempo no chão, junto ao muro onde, hoje, é a sede da Aciacan. Depois, desapareceu, não sei se está em algum ponto do nosso município ou se foi vendido como ferro-velho. Triste terra sem memória!
Nosso município tem muitas histórias que deveriam ser cultivadas, infelizmente, estão sendo olvidadas pelas autoridades e pela população.