“Dia da Consciência Negra”, por Dr Júlio Carvalho

Na semana anterior, queria escrever sobre o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, todavia como o dia 19 de novembro é dedicado à Bandeira Nacional e ela paira sobre os brasileiros de todas as raças, optei por ela.

Hoje, vou me dedicar a um tema que muito aprecio, a Consciência Negra. A data foi criada por lei federal de 2011, sendo feriado em vários estados da federação brasileira.

Desde jovem, leio muito sobre os patrícios negros do Brasil e sobre o quanto eles sofreram e sofrem desde o século XVI, em todas as Américas. Desde 1550, durante três séculos, foram arrancados da África, embarcados em navios negreiros e vendidos como escravos em diversos portos americanos.

Nos navios negreiros, eram colocados nos porões mal ventilados, com alimentação precária, acorrentados para que não fizessem revoltas. Quando eram levados ao convés para receberem raios solares, ainda sofriam humilhações e eram espancados. Em três séculos, foram retirados da África 12,5 milhões de seres humanos vendidos como escravos. Calcula-se que 12% morriam durante a viagem, vítimas de doenças gastrointestinais, infecções e maus tratos, portanto pereceram, sendo jogados no Atlântico 1.500.000 seres humanos procedentes da África. Maior genocídio da humanidade!

Chegados aos portos, eram expostos como mercadoria e vendidos aos proprietários rurais, ocasião em que muitas famílias negras eram desfeitas, tomando cada membro um destino diferente, não mais se reencontrando.

Nas fazendas, após longas caminhadas serra acima, os sofrimentos eram mantidos; doze ou mais horas de serviço nas lavouras, alimentação a base de angu; à noite, eram colocados em senzalas mal ventiladas, dormindo no chão frio e úmido. Cada dia do ano, a mesma rotina infernal.

Os que fugiam eram perseguidos pelos capitães do mato com seus cães ferozes da raça fila. Quando recuperados, eram espancados perante todos os escravos para que servisse de exemplo e de temor para os demais. Alguns senhores marcavam os escravos como se fossem animais de sua propriedade.

Recentemente, li um trabalho sobre o inventário do Barão de Nova Friburgo, que possuía cerca de doze fazendas na região e cerca de 1.500 escravos, além de casas comerciais em Nova Friburgo e Rio de Janeiro, sendo um dos homens mais rico do Império do Brasil. Consta que fez fortuna como traficante de escravos, viajando quatro vezes ao Congo e sendo encontrado uma vez em Moçambique por ingleses que combatiam o tráfico negreiro (1).

Como podemos ver através da história, os Viscondes e Barões ficaram ricos graças aos escravos. Uma vez abolida a escravidão, quase todos faliram!

Durante a Guerra do Paraguai, os nobres, quando tinham um filho convocado para a guerra, podiam oferecer 50 ou 100 escravos para lutarem em lugar do filho. Esses escravos, acorrentados, eram embarcados em portos brasileiros e levados para os campos de batalha. Lá os negros, como soldados, mostraram coragem e bravura. O exército brasileiro, antes da guerra, era escravagista; terminada a guerra, voltou abolicionista.

Assinada a Abolição, os escravos sem cultura e analfabetos permaneceram nas fazendas em regime de semiescravidão, sem leis trabalhistas e sem direitos de cidadania. Até hoje, sofrem discriminações raciais e sociais de toda sorte.

Felizmente, graças ao caráter firme, pouco a pouco, conseguem conquistar o espaço que merecem ocupar pelo sacrifício, pelo trabalho e pelo sangue que irrigou o solo brasileiro durante três séculos de terrível escravidão.

Graças a Deus, nasci desprovido de preconceito racial, e muita gratidão tenho pelos patrícios negros; recém-nascido, fui amamentado por uma extraordinária mulher negra, Da. Olívia Pereira de Souza. Casada com o Sr. Antônio Pereira de Souza, funcionário da E.F. Leopoldina, constituiu uma linda família de muitos filhos e construiu várias casas no Bairro Triângulo dos Ferroviários, em nossa cidade. Creio que o seu leite me passou resistência para chegar aos 87,7 anos com entusiasmo. Ela viveu quase um século!

Na primeira infância, fui cuidado por outra mulher negra, Etelvina Moura, para todos Telva; doce e querida criatura que só me proporcionou carinho e amor. Gostava tanto de crianças que, ao passar a viver no Rio de Janeiro, conseguiu trabalhar no Hospital Jesus (hospital infantil), onde permaneceu até ser aposentada.

Na infância, tive vários amigos negros: Pedrinho e Beta, filhos de um pedreiro, Sr. Pedro Soares; Alzir e Neném, filhos do carpinteiro Sr. Anastácio Silva. Foram companheiros diários no futebol e nas travessuras da infância.

Na faculdade, em anatomia, aprendi que a diferença entre brancos e negros, está apenas na cor da pele e no tipo de cabelo. No restante são iguais, sendo que alguns pretos tem a alma mais alva que alguns brancos.

Nos dez anos em que lecionei no C.E. Maria Zulmira Torres, os alunos negros eram raridade. Alguns poucos que conheci eram inteligentes e ótimos atletas, conquistando medalhas para o colégio nas competições realizadas.

Hoje, pela manhã, quando passam os alunos do Zulmira Torres, vejo, com alegria, que a maioria descende dos africanos. Pouco a pouco, eles conquistam o lugar que merecem dentro da nossa sociedade.

Durante o curso médico, no Rio de Janeiro, tive apenas um colega negro, Wallace, bom aluno e educadíssimo. Hoje, depois que o Presidente Lula criou a Lei de Cotas para descendentes de Negros e de Índios, a situação é bem diferente. Eles lá estão, com sacrifício dos pais e com financiamento do governo, frequentando as universidades federais e estaduais.

No esporte, os atletas negros ocupam o primeiro lugar em solo brasileiro; atletismo, futebol, basquete e, também, no vôlei. Na música e nas artes, são inúmeros os que se destacam.

Com muita luta e sacrifício, nossos irmãos negros vão conquistando posições de destaque na sociedade. Ainda há um longo caminho pela frente, mas um dia lá chegarão merecidamente. Até esse dia!

(1) Slavery Voyages — Lista de Viagens — Identificação 728, 845, 1001, 5014 e 1043.

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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