Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, diz a Constituição Federal brasileira. O tratamento igual é um sonho de muitos. É belo, é justo, um ideal a ser buscado.
A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas deve servir como instrumento de regulação da vida em sociedade, tratando de forma igualitária todos os cidadãos, pontua o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello. No entanto, na prática, existe ainda uma distância entre esse ideal, principalmente quando se adentra o campo do sistema penal, duro pela sua própria natureza.
Na história, o Brasil é uma sociedade pautada por tratamento desigual, a depender da situação econômica, social e cultural das pessoas. Essa discriminação com segmentos pobres e menos favorecidos permeia o funcionamento do estado, como, por exemplo, no combate ao crime.
Muito se diz, na comunidade jurídica, que o sistema penal é seletivo, por tratar desigualmente os cidadãos – mais severo com determinados grupos sociais e garantindo direitos a outros, mesmo quando as pessoas estão em situações similares.
Apesar dos avanços civilizatórios, com a expansão, na prática, de direitos humanos, a problemática da seletividade é ainda existente. É grave que seres humanos perante suas características físicas (incluam-se aqui as culturais e sociais) sejam os maiores alvos da penalização, a qual perpetua um ciclo de violência.
Para verificar se esse raciocínio faz sentido, basta analisarmos como se faz o combate ao tráfico de drogas, que existe tanto em comunidades carentes quanto em bairros ricos. Não é por acaso que a população carcerária, na maioria, é composta por pessoas negras e de baixa renda, apesar de as condutas criminosas serem praticadas em todos os segmentos da sociedade.
Os crimes financeiros são mais complexos e de difícil elucidação? De fato. No entanto, quando descobertos, o tratamento aos investigados é o mesmo dado a todas as outras pessoas?
Pessoas negras e pobres, quando presas, possuem tratamento desproporcional, com uso de algemas, mesmo que desnecessárias, violência e ampla exposição midiática (no caso de existir alguém público, é uma quase certeza).
A crítica à forma como as abordagens são feitas não significa um pleito pela impunidade. Se há indícios de um crime, a sua apuração deverá ser feita com respeito à lei. O comprometimento do estado com o ser humano se mede, também, pela forma com que se desenvolve o sistema punitivo.
Se queremos que a criminalidade diminua, devemos perguntar-nos se estamos no caminho certo, com um estado repressor máximo e um estado social mínimo, para alguns grupos. De acordo com um estudo publicado pela Universidade de São Paulo, no Brasil gastam-se quatro vezes mais com o sistema prisional do que com o sistema de educação básica.
O encarceramento mantém um ciclo violento de exclusão, gerando estigmas sociais, dificultando a inserção desse ser humano no mercado de trabalho, que já era de difícil acesso antes de sua prisão. Prisão agride, rompe vínculos afetivos, desmantela famílias e, muitas das vezes, perpetua o ciclo da violência, em vez de solucioná-la.
Gostar ou não de uma pessoa, de um estilo ou simpatizar mais com determinados grupos sociais em detrimento de outros, não pode entrar na soma de quem merece ter seus direitos garantidos. Afinal de contas, presunção de inocência é uma das bases da Carta Magna.