Jovem friburguense é campeão mundial no World Pro Jiu-Jitsu, em Abu Dhabi
Euclidelândia, o 3º distrito de Cantagalo, é sempre lembrado por sua riqueza em calcário, que levou à construção de três fábricas de cimento, transformando Cantagalo no terceiro maior produtor de cimento do Brasil. Todavia, esse distrito abençoado por Deus, pela intercessão da gloriosa Santa Rita de Cássia, também foi o solo que gerou ilustres cantagalenses em diversos setores da atividade humana, na música, na literatura e na medicina.
Alguns já foram muito bem focalizados pelo meu querido amigo de mais de meio século Celso da Costa Frauches, amizade nascida no extinto Colégio Euclides da Cunha, onde hoje se encontra a sede do Banco do Brasil; local onde, além de estudar, planejávamos longos voos que, felizmente, se concretizaram.
Hoje, quero comentar sobre mais um cidadão nascido em Euclidelândia, meu querido e saudoso colega e amigo Dr. Nagib Jorge Farah, que se destacou na cidade do Rio de Janeiro como competente e bondoso pediatra.
Dr. Nagib era filho de um casal libanês, Jorge Farah e Barjut Mussi Farah, vindo da cidade de Farhatra, com a filha Anna; se instalaram na antiga Santa Rita do Rio Negro, com uma pequena casa comercial. O casal, no Brasil, ainda foi enriquecido com a chegada de mais três filhos, Manoel, José e Nagib.
Com o falecimento dos pais, o Nagib passou a ser criado pela irmã Anna. Aqui, abrirei um parágrafo para escrever um pouco sobre Da. Anna e o seu esposo, o libanês Sr. José Miguel Nassif. Casal educadíssimo que, durante muitos anos, foi proprietário de uma casa comercial na rua Getúlio Vargas, em Cantagalo, onde se encontra, atualmente, a loja Roana, de sua neta Ana Beatriz.
O senhor José Miguel falava a língua árabe, o francês e o português; certa vez, tive a oportunidade de ver o seu livro de missas que era em francês. Todo mês, quando lhe entregava a nota de serviços médicos prestados por meu pai a sua família, ele abria uma gaveta do balcão, pagava na hora e chamava a esposa, dizendo: “Anna, leve esse menino lá dentro, apanhe um figo e um copo d’água gelada da nascente, pois ele deve estar com sede”. Era um verdadeiro cavalheiro, confirmando a hospitalidade do libanês. Ótima lembrança da minha infância, que guardo com saudade até hoje.
Como a maioria dos jovens que desejava progredir nos estudos, o jovem Nagib foi estudar no tradicional Colégio Brasil, em Niterói. Dotado de poucos recursos financeiros, trabalhava na secretaria do colégio, como meio de complementar o pagamento dos sua estudos.
A seguir, ingressou na Faculdade Fluminense de Medicina, diplomando-se no ano de 1944, especializando-se em Pediatria. Durante o período universitário, o Dr. Nagib entrou para a Polícia Especial, corpo de segurança do Presidente Getúlio Vargas, que fazia a guarda do Palácio do Catete, além de outras atividades na cidade do Rio de Janeiro, na época, Capital Federal.
Durante minha vida universitária, morando no mesmo bairro, Tijuca, tive a felicidade de conviver com o Dr. Nagib Jorge Farah, podendo sentir de perto quanta grandeza existia naquela alma cantagalense.
Quando tinha algum problema de saúde, corria ao seu consultório, uma casa antiga, na rua Machado Coelho, via urbana de muito barulho, por onde passava todo tráfego de coletivos vindos da Tijuca, Rio Comprido e outros bairros da zona norte do Rio de Janeiro, buscando a Avenida Presidente Vargas.
Além disso, a rua ficava no Bairro do Estácio, próximo ao morro de São Carlos, tendo ainda outros problemas na vizinhança. O consultório, pela localização, tinha tudo para dar errado, todavia, deu certo graças ao Dr. Nagib Jorge Farah.
Seu consultório não tinha atendente, as cadeiras da sala de espera eram antigas e simples, havia um sanitário para uso dos clientes. Quando Dr. Nagib me via lá, mandava que eu entrasse dizendo: “Vem para cá, meu colega”. A sala de exames mantinha o mesmo padrão, uma escrivaninha bem antiga, a mesa de exame clínico, a cadeira do médico e mais duas cadeiras, tudo na maior simplicidade.
Enquanto via o Dr. Nagib atendendo seus pequenos pacientes, observei que uma gaveta da mesa, a sua esquerda, permanecia semiaberta e que as mães, depois de atendidos os filhos, ali introduziam a mão.
Após me atender e me dar amostras grátis de medicamentos para minha gripe, Dr. Nagib falou para que eu esperasse, pois ele não demoraria a terminar e me daria uma carona até a Tijuca.
Pouco depois, chegava o seu carro, pilotado por outro cantagalense, meu falecido amigo Farid Nassif, florestense, filho do casal libanês Sr. Checri Nassif e sua esposa Da. Dalila. Na viagem, o veículo ainda passou pela Casa de Saúde Portugal, onde Dr. Nagib foi visitar um cliente.
Ao retornar ao veículo, pergunto por Cantagalo, por meus pais e me deu um conselho: “Júlio, quando você se formar, evite atender doentes na residência; é muito cansativo e acaba com nossa saúde”. Como voltei para Cantagalo, não consegui seguir o conselho do amigo!
No início de sua vida profissional, Dr. Nagib foi atender um doente no morro de São Carlos e pegou um táxi. Lá chegando, viu tanta miséria que não cobrou os seus serviços e, ao chegar a sua residência, ainda pagou o táxi. Dias depois, o cliente do morro o presenteou com uma galinha magra. Isso me foi contado por uma sua prima.
Quando tinha mais conhecimento com o Dr. Nagib, lhe perguntei quanto custava sua consulta médica? Ele me respondeu: “Não sei, cada um coloca naquela gaveta do consultório o que pode. Quando termina, recolho o dinheiro e, em casa, entrego para minha esposa contar”. Que espírito humanitário!
Em outra oportunidade, lhe perguntei por que ele não colocava o consultório em um local melhor? Tranquilamente me respondeu: “Júlio, tenho recurso financeiro para colocar meu consultório em um desses prédios modernos que estão sendo construídos na Tijuca, mas se fizer isso as mães ricas levarão seus filhos, enquanto as pobres do morro de São Carlos, que andam de tamanco, não irão lá e os filhos ficarão sem atendimento médico”. Assim era meu amigo e colega Dr. Nagib!
Numa tarde de domingo, conversava com o Dr. Nagib, na calçada defronte o edifício em que morava, na rua Conde de Bonfim, quase esquina com a José Higino, quando me convidou para ir ao seu apartamento. Queria que eu lanchasse; como lhe agradeci dizendo que já havia lanchado, me puxou pelo braço até a cozinha, abriu a primeira geladeira e, depois, a segunda; ambas completamente cheias, e disse: “Você está fazendo cerimônia ou pensa que aqui não tem comida?”. Era um homem de reações espontâneas!
Nessa tarde, tive a oportunidade de conhecer sua família. Sua esposa, a enfermeira Naiade Circe, pessoa simpática e muito educada, e seus dois filhos, jovens bem nutridos: Jorge e Antônio Carlos.
Todo ano, quando estava de férias, vinha com a família para Cantagalo, transformando a sala de visitas de sua irmã Anna em um consultório. As crianças com amigdalite aguda não escapavam de um Benzetacil no músculo, motivo de muito choro. Hoje, fico pensando, com uma medicação tão simples, Dr. Nagib livrou estes infantes de glomerulonefrite aguda e de cardite reumática.
No princípio de um ano, quando estava de férias em Cantagalo, uma senhora na sétima gestação entrou em trabalho de parto e o marido saiu às pressas para chamar o Dr. Carvalho (meu pai). Nessa altura, Dr. Nagib ia passando na rua e a criança nasceu, sendo ele chamado para atender a urgência. Quando meu pai entrou no quarto, ele disse tranquilamente: “Carvalho, eu já cortei o umbigo e estou cuidando da criança; o restante deixo por sua conta, pois não entendo nada de parto”. Assim era o colega. Meu pai achou muito engraçado o modo como ele falou.
Dos seus dois filhos, o mais velho, Jorge, foi piloto de aviação comercial, trabalhando na Coreia do Sul, já falecido. O segundo, Antônio Carlos, seguiu o caminho do pai; é o nosso simpático Dr. Toni, médico da Família no P. de S. Dr. Djalma Dantas de Gusmão; amado e querido por todos, por sua dedicação e cuidado com seus pacientes.
Dr. Nagib Jorge Farah era um cidadão com cerca de 1,70 de altura, pesando um pouco mais de 150 kg. Aquele homenzarrão tinha, todavia, um coração maior que o seu corpo e esse coração gigante um dia o traiu, levando-o com um infarto agudo do miocárdio, aos 54 anos de idade. Dele ficaram a saudade, a dedicação à medicina e o filho que continua o belo trabalho do pai.
Que Deus o guarde para sempre!