No início de 1969, durante uma tarde em que atendia no consultório que pertencera ao meu saudoso pai, recebi a visita de duas pessoas de Nova Friburgo, Dr. Pedro Pereira Pinto e o Sr. Luiz Severiano Medeiros, respectivamente Diretor Médico e Chefe de Serviço do Pessoal. Vieram me convidar para trabalhar na Maternidade da L.B.A., de Nova Friburgo, por indicação do colega Dr. Celso Erthal, de Bom Jardim, que não aceitara o convite a ele feito. Aceitei.
Meu plantão era as segundas-feiras, tendo como companheiro de trabalho o Dr. Octavio Serpa Alves, médico de Bom Jardim, contratado na mesma época que eu. Só conhecia o colega de nome, éramos da mesma idade e concluímos o curso médico em 1961, na cidade do Rio de Janeiro; ele na Faculdade Medicina e Cirurgia e eu na Faculdade de Ciências Médicas.
Nos primeiros plantões, percebi que o colega era competente, conhecendo bem a Obstetrícia; especialidade em que nossa responsabilidade é dupla, pois lidamos com duas vidas ao mesmo tempo: a mãe e o filho, onde qualquer descuido poderá ser fatal, principalmente para o feto.
Na maternidade, trabalhei durante um ano; era um bom local para trabalhar, onde havia segurança e conforto para médicos, funcionários e pacientes. Além do 13º salário, em agosto, nosso salário era dobrado por ser o mês de aniversário da L.B.A.; dizíamos que era o único aniversariante que dava presente ao invés de recebê-los. Na época, estava com excesso de trabalho e resolvi me afastar da maternidade, pedindo demissão. Dr. Octávio continuou e chegou a vice-diretor da maternidade, quando ela passou a pertencer ao I.N.P.S., o que não me surpreendeu, pois à competência aliava responsabilidade e retidão de caráter.
Durante o ano em que trabalhamos juntos, pouco a pouco, durante as conversas mantidas, fui conhecendo melhor a vida do colega: era carioca da Tijuca, filho de um oficial da marinha, onde, também, prestara o serviço militar por mais de um ano. Gostava do interior, e nas férias vinha para Bom Jardim, para a fazenda do seu avô Joaquim Pinheiro Vieira. Nesse momento, a grande surpresa, éramos parentes, seu avô materno era primo do meu avô materno, José de Aquino Pinheiro Sobrinho, talvez a razão de tanta afinidade entre nós dois: afinidade genética!
Afastando-me da maternidade, mantinha contato com o Dr. Octávio, que quando solicitado, vinha a Cantagalo para me auxiliar nas cirurgias de maior porte. Era tão ético que jamais me perguntava a categoria do paciente, se era particular, conveniado ou algum carente financeiro. Para ele, era um ser humano que precisava de tratamento.
Era o colega de minha inteira confiança. Duas vezes veio a Cantagalo para operar minha esposa. Na segunda vez, nasceu com ele meu filho mais novo, o Márcio, em 25 de junho de 1978.
Em 2 de fevereiro de 1978, depois de aprovado no concurso de Obstetrícia realizado pela Previdência Social, fui designado para a Maternidade de Nova Friburgo, onde permaneci por três anos. Lá, reencontro o Dr. Octávio, agora como vice-diretor; mantêm as mesmas características: simplicidade e retidão de caráter, associados a serenidade, aliviando sempre as consequências das atitudes explosivas do diretor.
Depois de três anos, retorno para o PAM de Cantagalo, ficando mais distante do colega. Vez por outra um telefonema, sabendo notícias dele e da família.
Em 2013, estou trabalhando na auditoria médica da Unimed de Nova Friburgo (agora Serranarj), junto com o Dr. Luiz Carlos Pinheiro Lobo, na sede da Unimed, quando chega ao local o Dr. Octávio Serpa Alves, contratado como médico auditor. Juntos voltamos a trabalhar por cerca de cinco anos.
Da sede, passamos a trabalhar no velho casarão ao lado do hospital; Dr. Octávio mantinha as mesmas características: pontualidade, compromisso com a perfeição, competência e retidão. Nossos serviços estavam sempre em dia. Nosso relacionamento com os funcionários administrativos eram sempre em alto nível.
Nessa época, havíamos atingido a oitava década de vida e o colega já havia sofrido dois infartos do miocárdio e carregava cinco stents no coração. Notava que, depois de subir as escadas, ele se sentia um pouco cansado.
Certo dia, passou a ter arritmia cardíaca; quando chegava à sala em que trabalhávamos, tinha que sentar para se recuperar, antes de poder falar. Isso era motivo de preocupação para mim e para a enfermeira Sílvia Duran, nossa colega de auditoria técnica. Dizíamos para ele ficar em casa, que tocaríamos o serviço, mas ele não concordava.
A situação se agravou e ele foi para o Hospital da Unimed de Volta Redonda para fazer bloqueio dos focos anômalos que determinavam a arritmia.
Chego à sala de trabalho e encontro sobre a minha mesa um bilhete do colega: “Júlio, se precisar, eu posso dar uma chegada aqui e auditar mais algumas contas. Octavio. 19/10/16”. Sempre a mesma disciplina e o mesmo compromisso com o trabalho!
Em outra ocasião, no final do expediente, entreguei-lhe uma revista médica com um excelente artigo sobre o respeito que o médico deveria ter com a terminalidade da vida. No dia seguinte, encontro a revista sobre minha mesa e um bilhete: “Júlio. Todos os médicos deveriam ler este artigo, principalmente os do C.T.I. Octavio”.
Em Bom Jardim, onde trabalhou como médico durante mais de 50 anos, formou com Dr. Celso Erthal e Dr. Djalma Gonçalves uma tríade médica competente, com alto poder de resolução dos problemas apresentados pelos pacientes. Ocupou, também, o cargo de Secretário Municipal de Saúde.
Era casado com a senhora Madalena Erthal Alves. Juntos para sempre, constituíram uma belíssima família de quatro filhos, muitos netos e uma bisneta. Dos seus filhos, um é cardiologista; uma é endocrinologista; uma oftalmologista e uma arquiteta.
Infelizmente, no dia 12 último, recebi a notícia do falecimento do meu digno colega, traído pelo seu coração, doente há tantos anos. Compareci ao velório no Parque das Montanhas (Nova Friburgo) e ao ver suas mãos colocadas sobre o peito, pensei: “quanto elas trabalharam pela vida”.
Estava ali um corpo inerte, vencido pela morte; todavia sua alma, ou seu espírito, já deveria estar muito bem guardado no local que o Pai reservou a todos que foram justos nessa vida; lembrando-se do que foi dito: “Na casa do meu Pai, há muitas moradas. Não fosse assim, eu vos teria dito. Vou preparar um lugar para vós.” (Jo 14, 2).