“Estorinhas ao vento”, por Celso Frauches

Celso e Wilson Kleber comemoram o sucesso do jornal falado O Estado do Rio em Marcha, pela Rádio Mundial, entre 1956/1957.

 

Cheguei a Niterói no dia 5 de fevereiro de 1955, aos dezoito anos de idade. Viajei com o deputado Walter Vieitas, logo após a solenidade de posse de meu pai, Henrique Frauches, no seu primeiro mandato de prefeito de Cantagalo. Fui tomar posse no cargo de auxiliar de almoxarife – um faxineiro de luxo, que tinha que trabalhar de terno e gravata – na Assembleia Legislativa (Alerj). Residi na moradia do casal Vieitas por uns três meses, no bairro Vital Brasil. Mas consegui alugar uma vaga na pensão da Dona Irene e do marido, Ari, uma senhora afável, “boa gente”, na Ponta D’Areia, perto da antiga rodoviária, em Niterói. Lá fui alojado num quarto com oito camas, lotado. Ali conheci dois grandes amigos: Wilson Kleber, jornalista, e Donolla, economista.

Creio ser importante o leitor saber que a minha experiência profissional era em dois ramos completamente diversos: balconista da farmácia do Mário Bon e Nelson de Paula, a partir dos catorze anos, e escrevente da Delegacia de Polícia de Cantagalo, dos dezessete aos dezoito anos de idade. Com o escrivão e amigo Milton Loureiro, aprendi os meandros da redação de atos administrativos, cartas, discursos, aplicando os conhecimentos de nosso idioma aprendidos com a tia Neli (Rodrigues Moreira da Costa), minha professora do primário, e com a professora Amélia Thomaz, no ginasial e científico.

 

Os jornalistas Dalvan Lima e Milton Loureiro seguram microfones para a gravação do discurso do Dr. Júlio Santos, na solenidade de inauguração do monumento ao Centenário da Cidade de Cantagalo, na Praça Miguel Santos, ao lado da Prefeitura, em 2 de outubro de 1957.
Os jornalistas Dalvan Lima e Milton Loureiro seguram microfones para a gravação do discurso do Dr. Júlio Santos, na solenidade de inauguração do monumento ao Centenário da Cidade de Cantagalo, na Praça Miguel Santos, ao lado da Prefeitura, em 2 de outubro de 1957.

 

O Wilson Kleber, de Rio Bonito, era locutor do jornal Grande Jornal Fluminense, dirigido pelo respeitável jornalista João Batista, transmitido pela Rádio Tamoio, junto com o jornalista Erthal Rocha, de Bom Jardim. Aprendi jornalismo com os três, na leitura diária dos principais jornais da época, como O Jornal, de circulação nacional, além dos manuais de redação que começavam a surgir para a orientação dos jornalistas. Célio Erthal Rocha transformou-se em advogado vitorioso, deputado estadual em 1965, desembargador federal aposentado. Recentemente, enviou-me um de seus livros – Jornalismo, política e outras paragens (Niterói, RJ: Nitpress, 2013).

Nesse meio tempo, dona Irene alugou um prédio, ao final da Rua da Conceição, perto do Hospital Antônio Pedro, com três andares. Ao Kleber, ao Donolla e a mim, ela reservou, no 3º andar, uma suíte com três camas, banheiro e um pequeno espaço para algum trabalho ou estudos. Que mudança! Era muito chique.

Comecei a escrever nos jornais de Niterói. Tinha uma coluna semanal com notícias de Cantagalo e outra sobre assuntos gerais, em periódicos diferentes. Fui até revisor de um jornal diário; trabalhava das 22 até as 4h.

 

Capa do livro lançado por Erthal Rocha, bonjardinense apaixonado por sua terra natal: Jornalismo, política e outras paragens.
Capa do livro lançado por Erthal Rocha, bonjardinense apaixonado por sua terra natal: Jornalismo, política e outras paragens.

 

O meu expediente na Alerj era das 13 às 18h, inicialmente. Tinha tempo para outras atividades pela manhã e à noite. O Kleber saiu do Grande Jornal Fluminense e lançou outro jornal falado, na Rádio Mundial, O Estado do Rio em Marcha. Ele me convidou para trabalhar como redator desse diário e do Jornal de Rio Bonito, que ele passou a editar em sua terra natal, como repórter. Trabalhava à noite na redação no prédio da Rádio Mundial, no edifício Central, no centro do Rio de Janeiro. No dia seguinte, nós nos levantávamos às 5h para estarmos nesse endereço para a transmissão, ao vivo, entre 6h30min e 7h30min. Na travessia pelas preguiçosas barcas, ia lendo os jornais matutinos. Isso era possível em tempos sem internet e os demais recursos das tecnologias de informação e comunicação. Na redação, enquanto o Kleber lia as notícias que havíamos escrito na véspera, eu redigia “as últimas notícias”. Quando terminava o programa, tomávamos café da manhã no Bobs, que ficava no térreo do prédio e voltávamos para Niterói.

Nesse jornal, passei por várias experiências, inéditas para mim, mais ou menos entre vinte e 22 anos de idade. Substituí, na ausência dos titulares, o comentarista político, o astrólogo, o ruralista. Política sempre foi fácil para mim. Escrevia com tranquilidade. Eu lia meu horóscopo diariamente, por curiosidade. Agora lia o de todos os signos, fazia um balanço e escrevia o do jornal falado. Tinha o cuidado de não prever desastres, mortes, etc. A partir daí, passei a não acreditar mais em astrologia… Vai que o “astrólogo” não tivesse o mesmo cuidado com as “previsões”. O redator de agricultura ensinava como plantar, cuidar e colher nas fazendas do interior, aonde a Rádio Tamoio chegava diariamente. Quando o substituí, fui ao Ministério da Agricultura, cuja sede era perto do Edifício Central, e consegui manuais para essas atividades. Foi um sucesso. Eu que não havia plantado nada e muito menos cuidado de plantações na Fazenda da Serra, onde nasci e morei até os onze anos de idade.

 

Celso Frauches está entre os jornalistas João Batista, diretor do Grande Jornal Fluminense, da Rádio da Tamoio, dos Diários Associados, Erthal Rocha. Ao fundo, o vereador Lafontaine Vilela, presidente da Câmara Municipal de Cantagalo, em 2 de outubro de 1957.
Celso Frauches está entre os jornalistas João Batista, diretor do Grande Jornal Fluminense, da Rádio da Tamoio, dos Diários Associados, Erthal Rocha. Ao fundo, o vereador Lafontaine Vilela, presidente da Câmara Municipal de Cantagalo, em 2 de outubro de 1957.

 

Esse jornal durou dois anos, mas o Jornal de Rio Bonito continuou. No horário noturno, passei a trabalhar numa editora e gráfica, que funcionava próximo às barcas, cujo horário ia, geralmente, até as 24h. Fui contratado pelo editor para redigir notas que pudessem “fechar” os periódicos que ele editava. Nessa atividade, redigia integralmente dois jornais de quatro páginas cada. Semanalmente. Um deles era um balcão de negócios; o “dono” do jornal me pedia para escrever, além das demais reportagens, uma que abordasse um empresário ou político da época. Ora para elogiar, ora para criticar. Ele é que dava o rumo. Na época do Natal ele pedia um artigo sobre Jesus Cristo. Plagiando um jornalista famoso, eu perguntava descaradamente: “contra ou a favor” …

Um desses jornais pertencia a um contrabandista afamado na região do Grande Rio. Ele editava o jornal somente para ter prisão especial como jornalista. O editor da gráfica me pediu para, semanalmente, ir até um destacamento da Polícia Militar, que ficava na Rua Riachuelo, na região da Lapa carioca, receber o pagamento para a Editora. Na primeira vez, fiquei espantado, eu que havia trabalhado numa delegacia de Cantagalo. Chegando lá, me encaminharam para a “cela” do criminoso: uma área ampla, com poltronas de luxo. Ele tomava uísque com o diretor do destacamento da PM. Alegre e feliz. Me entregava um pacote, que eu não conferia e passava ao diretor da Editora, que ficou meu amigo e dele não tenho notícias há décadas.

Essa foi uma fase descontraída na minha vida. Todavia, quando passei a ser promovido para cargos de direção, chefia e assessoramento de parlamentares na Alerj, o meu expediente às vezes começava pela manhã e ia até de madrugada. Nessa época, fiz vestibular para Jornalismo na UFF, mas as aulas eram à noite. Acabei por trancar a matrícula. Não consegui continuar. Fui chefe de gabinete, durante quatro anos, de parlamentares que ficavam no gabinete até 1h, 2h, fumando um cigarro atrás do outro. Eu chegava em casa de terno cheio daquele cheiro insuportável. A minha esposa, Lêla – de Moraes Frauches – (1937/2000), nunca acreditou que eu estava trabalhando. Ossos do ofício. Fazer o quê?

Entre 1960, quando namorei a Angela, e 62, abandonei essa vida, passei a ser, à noite, secretário do Colégio Lara Vilela, dirigido pelo deputado Luiz Braz, irmão da professora Maria Odete Braz Jardim, diretora da Escola Normal Rural, que funcionava no Grupo Escolar Lameira de Andrade. Em 1963, voltei a residir em Cantagalo, para ser secretário da Prefeitura, no segundo mandato de meu pai. Casei-me com Lêla em março de 1965. Voltei para Niterói em dezembro de 1966. Aposentado pela Alerj em 1987, mudei-me para Brasília no ano seguinte. Pensei que Brasília era meu lugar, para sempre. Mas o mundo dá voltas, muitas voltas. Em novembro de 2020, em plena pandemia, meu mundo deu uma parada, uma reviravolta e eu… voltei à terra natal para me casar com o amor da juventude, Angela, ambos viúvos, depois de 60 anos longe um do outro.

 

Celso Frauches e Angela Araújo
Celso Frauches e Angela Araújo

 

Vou passar a fase final da minha longa vida ao lado de uma mulher extraordinária, com a qual eu gozo de uma felicidade inédita. Por isso, faço coro com Marisa Monte:

Ainda bem
Que agora encontrei você […]
Você veio pra ficar
Você que me faz feliz
Você que me faz cantar
Assim…

 

Celso Frauches
Celso Frauches é escritor, jornalista, já foi secretário Municipal em Cantagalo e é presidente do Instituto Mão de Luva.

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