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Desde o Quinhentismo, com seus textos de caráter histórico e informativo, a literatura brasileira passou por uma série de transformações ao longo de sua existência. Fazendo uma retrospectiva, passamos pelo Barroco e seus paradoxos, o Arcadismo, com sua “simplicidade”, o Romantismo, junto à subjetividade, o Realismo e o Naturalismo, tentando (e apenas tentando) “transcrever a realidade”. Depois, vieram o Parnasianismo e o Simbolismo, com a valorização da forma. Mas praticamente nunca, em nenhuma dessas correntes, houve um escritor que se dedicasse totalmente à realidade do brasileiro esquecido, abandonado. Tirando alguns gloriosos antecessores como Castro Alves e Aluísio de Azevedo, o único homem que teve a audácia de mostrar ao mundo o país em que ele realmente vivia foi o célebre cantagalense Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha.
Encarregado pelo jornal O Estado de São Paulo para acompanhar, de perto, o movimento de Canudos, Euclides se dirigiu para a Bahia no ano de 1897, onde se confrontou, como ele mesmo diz, com um crime: “Canudos foi um crime, denunciemo-lo”.
Pode-se e deve-se dizer que “Os Sertões” foi o único livro, até então, voltado diretamente para a denúncia das atrocidades cometidas contra um povo colocado à margem da história. Em seu texto, Euclides consegue reavivar a imagem do sertanejo, antes esquecido, e mostrá-lo exatamente como é, “…antes de tudo um forte”. A república, à época, centrava-se no eixo Sul-Sudeste. O governo não se preocupava com a situação de miséria e extremo desespero do sertão, até que ele, a seu ver, tornou-se uma ameaça.
A população dos estados sulistas era iludida constantemente pelos jornais do país, que não faziam nem mesmo um único comentário a respeito dos companheiros do Norte. Nessa situação, não houve ninguém que ousasse gritar aos sete ventos a dura realidade do nosso país. Euclides o fez, mesmo pertencendo “à área mais desenvolvida da nação”.
Sua indignação traduzida em letras concedeu a Euclides, além do título de um dos maiores escritores da nação, a inimizade de vários integrantes da república, do Exército e mesmo de civis. Porém, o cantagalense manteve-se firme em sua missão de denunciar aquela bestialidade, assumindo um verdadeiro compromisso com a humanidade.
A primeira edição de ‘Os Sertões’, antes encarada como uma tolice, chega às livrarias em 1902, sendo recebido com aplausos e críticas. Havia quem achasse uma afronta, e quem considerasse um “mal necessário” à história do homem. Achego-me à segunda opinião. Sem ‘Os Sertões’, quem saberia do verdadeiro assalto à liberdade de expressão que foi a Guerra de Canudos? Quem iria contestar a imagem de Canudos passada pelo governo: um bando de fanáticos seguindo um doido de pedra? Quem?
Consagrando-se com ‘Os Sertões’, Euclides não parou. Sua determinação em dar voz aos calados avançou pelo Norte, abrangendo a região dos seringais, onde, mais uma vez, Euclides pintou o Brasil como ele realmente era: um mar de pura exploração.
Na viagem de reconhecimento do Alto Purus, da qual Euclides fez parte, ele escreve ao amigo José Veríssimo que sua proposição era “um meio admirável de ampliar a vida, o de torná-la útil e talvez brilhantíssima. (…) Que melhor serviço poderei prestar à nossa terra? Além disso, não desejo a Europa, o boulevard, os brilhos de uma posição, desejo o sertão, a picada malgradada, a vida afanosa e triste de pioneiro.” Nesse trecho, percebe-se bem quem era Euclides: um homem dedicado a ajudar seu país a vencer preconceitos, a burlar a segregação, caminhando, assim, para o desenvolvimento.
Nos textos publicados sobre a Amazônia, Euclides traduz a realidade do seringueiro, que parte do Nordeste em busca de melhores condições de vida e encontra, num triste destino, a exploração, a prisão econômica. Em Judas Ashverus, uma de suas passagens mais brilhantes, Euclides analisa a malhação do Judas no sábado de aleluia e coloca o seringueiro na forma do boneco castigado por aquela vida medíocre de escravidão contínua.
No âmbito mundial, Euclides alerta a população sobre as catástrofes climáticas e ambientais que estavam produzindo e que, mais tarde, cairia sobre seus filhos e netos. Em “Fazedores de Desertos”, Euclides diz: “Porque o homem, a quem o romântico historiador negou um lugar no meio de tantas grandezas, não as corrige, nem as domina nobremente, nem as encadeia num esforço consciente e sério. Extingue-as.” Aqui, Euclides mostra o que, há aproximadamente um século atrás, já suscitava: o início de um processo que, hoje, se abate sobre nós na forma do aquecimento global, da poluição, da extinção de espécies, etc.
Assim, Euclides inaugurou um novo período da nossa literatura, voltando-se para os excluídos, os abandonados. Ele mostrou o Brasil como é, sem maquiar suas rugas e imperfeições. Encarou com seriedade sua nação, sendo um homem da pátria e pela pátria! Euclides, patriota, eterno vingador!
Depois de tudo isso, é possível traçar o verdadeiro perfil de Euclides da Cunha: poeta, escritor, engenheiro, militar, mas, acima de tudo, humano e consciente. Euclides lutou para que progredíssemos. Humano, ele nos ensinou a necessidade de olhar o outro como um igual, para, assim, caminharmos para a plenitude do desenvolvimento. Em uma de suas mais célebres frases, o mestre nos convida a evoluir, a crescer, e deixa seu recado para as futuras gerações: “Estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou desaparecemos.”
*Igor Ferreira dos Santos – 3º ano do ensino médio do Colégio Euclides da Cunha, em Cantagalo.