Jovem friburguense é campeão mundial no World Pro Jiu-Jitsu, em Abu Dhabi
Leia a parte anterior no link: “Euclides e a Amazônia”.
Na semana anterior, escrevi sobre o patriotismo do nosso conterrâneo Euclides da Cunha na delimitação das fronteiras do Brasil com o Peru; permanecendo no interior da floresta amazônica durante um ano, em total desconforto, sujeito a inúmeros riscos e doenças; terminando por citar trecho do seu discurso durante um almoço oferecido pelos peruanos, em que ele compara o Brasil às palmeiras elevadas e retilíneas. Todavia, o feito extraordinário de Euclides da Cunha não terminou nesse almoço, foi mais longe ainda.
Numa tarde do mês de julho de 1905, conseguiu chegar à foz do rio Cavaljani, último afluente do rio Purus, distante 3.200 km do rio Amazonas.
Euclides considerava a missão brasileira fracassada, tal o desgaste físico da nossa comissão; passa a noite em claro, na manhã seguinte tenta convencer o que restava de seu grupo da necessidade de mais um sacrifício pelo Brasil, fala do amor à Pátria, tudo em vão.
Os últimos homens da comissão brasileira nem se levantam ante a chegada do seu chefe; mal alimentados, esfarrapados, com os pés feridos pelas pedras e areia dos rios e caminhos percorridos, permanecem de cócoras em torno de uma fogueira, dois tremiam de febre. Apesar de todos os apelos de Euclides permanecem imóveis e indiferentes. Euclides sente que é o fim, a derrota perante os peruanos e a própria consciência.
Desanimado e descrente, Euclides olha para a direita e percebe que a comissão peruana, composta por 23 homens bem nutridos, se prepara para partir rumo a mais um dia de trabalho em sua leves e ligeiras ubás. Percebe, também, que um sargento peruano com passos firmes e solenes atravessa a praia fluvial e coloca a bandeira peruana na popa da ubá do chefe Pedro Buenaño. Esta, soprada pelo vento, logo se desenrola mostrando as cores peruanas.
Euclides toma aquela atitude como um desafio ao Brasil. Indignado, volta-se para vos brasileiros para um último apelo. Com uma enorme surpresa, tocados pelo mesmo sentimento de brasilidade, o que resta de seu grupo, sete homens, estão de pé, perfilados perante o auriverde pendão nacional hasteado, cantando com muito orgulho o hino nacional brasileiro. E partem para mais um dia de trabalho e sacrifício pelo Brasil!
A situação de nossos patrícios era crítica. No seu relatório, Euclides declara, no dia 24 de julho de 1905: “a ração da comissão brasileira se reduzia em carne seca, farinha, que se acabou ao fim de doze dias, um pouco de açúcar, que só durou três dias, meio garrafão de arroz e uns restos de bolachas compradas em Curanja”.
Finalmente, no dia 30 de julho, a comissão brasileira chega às cabeceiras do rio Purus, após vencer o frio, as chuvas, a fome, os mosquitos, as doenças locais, a ameaça dos índios peruanos, o orgulho da comissão peruana e os saltos de 74 cachoeira dos rios brasileiros.
Ao atingir as cabeceiras do rio Purus, extasiado, assim se manifestou: “Os nossos olhos deslumbrados abrangiam, de um lance, três dos maiores vales da terra; e naquela dilatação maravilhosa dos horizontes, banhados no fulgor de uma tarde incomparável, o que principalmente distingui, irrompendo de três quadrantes dilatados e transcoando-os inteiramente — ao sul, ao norte e a leste — foi a imagem, arrebatadora de nossa Pátria que nunca imaginei tão grande”.
Durante um ano, Euclides permaneceu na Amazônia trabalhando e observando aquela região brasileira. Pretendia escrever um livro que, segundo sua opinião, seria um livro vingador, superior a Os Sertões.
Nos seus relatos sobre a Amazônia, encontramos escritos importantíssimos, que demonstram o poder de observação do nosso conterrâneo. Vejamos alguns:
— “Página inédita e contemporânea do Gênesis, viu a gestação de um mundo”.
— “Homem é ainda um intruso impertinente, sem ser esperado nem querido, quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão. E encontrou uma opulenta desordem”.
Referindo-se ao rio Amazonas, escreveu: “Em 24 horas, é capaz de conduzir em suas águas três milhões de metros cúbicos de sedimentos”. E conclui: “sempre desordenado e revolto, e vacilante, destruindo e construindo, reconstruindo e devastando, apagando numa hora o que erigiu em decênios — com a ânsia, com tortura, com exaspero de monstruoso artista incontestável a retocar, a refazer e a recomeçar perpetuamente um quadro indefinido”.
Analisando o clima do Acre, assim se expressou: “policiou, saneou, moralizou. Elegeu para vida os mais dignos. Eliminou e elimina os incapazes, pela fuga ou pela morte. E é por certo um clima admirável, o que prepara as paragens novas para os fortes, para os perseverantes e para os bons”.
O empenho e o sacrifício de Euclides da Cunha foram de tal intensidade ao delimitar nossas fronteiras com o Peru que, em uma carta, seu pai aconselhou que Euclides deveria se preocupar e cuidar mais da saúde e da família.
Ao regressar ao Rio de Janeiro, Euclides mantinha vivo o desejo de escrever um livro sobre a Amazônia, cujo título seria Um Paraíso Perdido, todavia a tragédia da Piedade impediu que isso ocorresse.
Em 1985, Leandro Tocantins, comemorando o 80º aniversário da viagem de Euclides da Cunha à Amazônia, lançou a primeira edição do livro Um Paraíso Perdido, contendo uma coletânea de ensaios, estudos, artigos, pensamentos, cartas e entrevistas de Euclides da Cunha sobre a Amazônia.
Cada cantagalense deverá ter presente em seu pensamento, toda vez que no mapa analisar as divisas do Brasil com o Peru, que ali está o trabalho árduo e patriótico do nosso imortal conterrâneo Euclides da Cunha.