“Euclides e a Amazônia”, por Dr Júlio Carvalho

Euclides da Cunha, no centro, a caminho do Alto Purus, na fronteira entre o Brasil e o Peru. Ele passou mais de um ano longe da família. Foto: Reprodução

 

Quando ouvimos falar de Euclides da Cunha, pensamos logo no livro Os Sertões, obra máxima de nosso conterrâneo, traduzida para diversos idiomas do mundo em que vivemos. Todavia, foi na exuberância da floresta amazônica que aflorou o patriotismo exacerbado de Euclides da Cunha.

Em 1902, Euclides da Cunha lançara seu livro Os Sertões, com sucesso absoluto; dois anos depois estava desempregado, quando recebeu do Barão do Rio Branco, ministro das relações exteriores do Brasil, a árdua missão de comandar a expedição mista brasileira e peruana que faria o levantamento das fronteiras do Brasil com o Peru, na região do alto Purus, zona que se encontrava invadida por peruanos.

Para cumprir a missão, Euclides partiu do Rio de Janeiro no navio Alagoas, no dia 13 de dezembro de 1904, chegando a Manaus no dia 30 de dezembro de 1904. Deveria seguir para a região em litígio imediatamente, todavia, por problemas de ordem burocrática, ocorreu um grande atraso, só partindo a expedição brasileira no dia 5 de abril de 1905, perdendo o período das cheias dos rios da região amazônica, quando a navegação é favorável.

 

Euclides (à esquerda) e integrantes da missão à Amazônia
Euclides (à esquerda) e integrantes da missão à Amazônia

 

Enquanto a comissão peruana, chefiada pelo comandante Pedro Buenaño, viajava em lanchas leves e velozes, a comissão brasileira, formada por 14 homens, era embarcada em pesados navios, o que dificultava a navegação nos rios da região no período da vazante, onde eram comuns os bancos de areia, capazes de provocar o encalhe dos navios, sem falar de paus de grande porte arrastados pelos rios, constituindo, também, um risco para a navegação.

Com todos esses riscos e obstáculos, a batelão Manuel Urbano, que transportava os gêneros alimentícios da expedição brasileira, é atingida por um desses paus, que lhe perfura o casco, determinando o seu naufrágio. Os brasileiros conseguem salvar apenas a metade dos alimentos embarcados, não havendo como repor o estoque em virtude da carência existente na floresta amazônica.

Além da carência de alimentos a partir do naufrágio, outros obstáculos foram encontrados pelos brasileiros, como o excesso de mosquitos transmissores de doenças como a malária, que acometeu os brasileiros. O próprio Euclides da Cunha é acometido, com episódios febris e permanecendo um dia acamado.

Outra doença enfrentada foi o beribéri, decorrente da falta da Vitamina B1 nos alimentos, que causava uma polineurite nos doentes. Euclides da Cunha, num relatório oficial enviado ao Barão do Rio Branco, relata que fora acometido de uma polineurite que prejudicara o seu trabalho, provavelmente o beribéri.

 

A Floresta Amazônica ocupa grande parte do Peru e da Região Norte do Brasil
A Floresta Amazônica ocupa grande parte do Peru e da Região Norte do Brasil

 

Frente a falta de alimentos, das doenças regionais e dos perigos da floresta, ocorre uma rebelião na expedição brasileira, sendo cinco soldados presos e devolvidos para Manaus.

Ao chegarem à localidade de Novo Lugar, onde havia um posto avançado do exército brasileiro, encontraram muitas pessoas acometidas de beribéri, inclusive o médico militar. Por solicitação do Comandante Borges Leitão, Euclides cede o médico da comissão brasileira, que assim fica reduzida a oito membros.

À medida que subiam a cabeceira do rio Purus, as condições de navegação pioravam; chegando a um determinado ponto, a navegação só era possível através de rústicas canoas confeccionadas com troncos de árvores. Estas pesadas canoas algumas vezes permaneciam presas nos bancos de areia, sendo arrastadas a braços, inclusive com auxílio de Euclides da Cunha.

Num dos relatórios ao Barão do Rio Branco, assim se expressou Euclides da Cunha: “Deste modo, ao chegar a Curanja, pisando a terra exclusivamente povoada de estrangeiros e tendo adiante uma dilatadíssima região a percorrer, restavam-nos apena sete homens – e vinham estropiados, com os pés sangrando, corroídos das areias, porque, durante a subida, numerosíssimas vezes tivemos de arrastar as canoas, vencendo sucessivos bancos oriundos do extremo esgotamento do rio”.

Em Curanja, os peruanos ofereceram um almoço ao chefe peruano Sr. Pedro Buenaño e a Euclides da Cunha. Ao penetrar no recinto, Euclides percebe que o mesmo está profusamente decorado com bandeiras peruanas, enquanto a bandeira brasileira se encontra completamente ausente. Indignado, Euclides pensa em se retirar, todavia percebendo que, entre as bandeiras peruanas, foram colocadas folhas de palmeiras entrecruzadas com as cores verde e amarela, resolve permanecer e, em seu discurso de agradecimento, diz: “Que uma extraordinária nobreza de sentir fizera que eles, ao invés de irem procurar no seio mercenário de uma fábrica a bandeira de meu país, tinham-na no seio majestoso das matas, tomando-a exatamente da árvore que entre todas simboliza as ideias superiores de retidão e de altura. Porque, senhores peruanos, a minha terra é retilínea e alta como as palmeiras”. O desapontamento dos peruanos foi enorme. O feitiço virara contra o feiticeiro. Assim era o patriotismo do nosso conterrâneo Euclides da Cunha!

Muito ainda tenho a relatar sobre essa missão de chefia de Euclides da Cunha revisando nossas fronteiras com o Peru. Todavia, ficará para outra ocasião em virtude das limitações do espaço para um artigo. Até lá.

 

Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.
Júlio Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo, e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo.

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