Jovem friburguense é campeão mundial no World Pro Jiu-Jitsu, em Abu Dhabi
Sede da Fazenda da Serra (Criação artística do designer gráfico, Júlio César Alves Araújo, de Brasília, DF).
Estive na Fazenda da Serra, onde nasci e vivi até os onze anos de idade, com aqueles pequenos intervalos em que morei na zona rural de Pirapetinga (MG) e no Porto do Tuta.
Os tempos passados na fazenda foram prazerosos, pela liberdade, ar puro, caminhadas pelas pastagens, matas, banhos no córrego, que nascia no alto de um de seus morros e cortava a fazenda, indo desaguar no Rio Paraíba do Sul. Esse córrego não existe mais. Secou completamente.
Havia uma pequena e rústica estrada, que atravessava a fazenda e terminava na vila de Boa Sorte, 5º distrito do município de Cantagalo, por onde passava o “trem de ferro” ou “maria fumaça”, conhecida como Estrada de Ferro Cantagalo, mais tarde Estrada de Ferro Leopoldina Railway. Esse ramal terminava na vila de Portela, no município de Itaocara, à beira do Rio Paraíba do Sul. Do outro lado do rio, de frente à Portela, fica a vila de Três Irmãos, no município de Cambuci. Minha tia Dave (Davina), irmã de minha mãe, casada com o tio Cid, tinha ali uma fazenda, que visitávamos de vez em quando.
Na Fazenda da Serra, meu pai mantinha uma pequena produção de milho, feijão e cana de açúcar, além da pecuária de corte. Algumas vacas produziam leite, mas apenas para o consumo dos moradores da fazenda.
Curtia ver meu pai “tirar” leite, mas jamais consegui fazer esse “milagre”. Meus dedos escorregavam nas tetas das vacas e o leite esguichava meio tímido, sem vontade de sair. Era um fracasso.
Tínhamos ao lado de nossa casa um engenho de cana. Na época da colheita da cana de açúcar, eu curtia acordar de madrugada, por volta das 3h, para acompanhar meu pai na moagem da cana e na sua transformação em rapadura. Ele era, também, produtor de rapadura, com licenciamento e tudo. No trajeto da garapa, o suco da cana, vindo da moagem, ao enorme tacho de cobre e ao fabrico da rapadura, podia-se “pescar” uma pasta, que seria transformada na rapadura, doce e saborosa. Valia a pena acordar de madrugada. Curtia, também, os bois girando, preguiçosamente, em torno do moinho, para movimentá-lo e produzir a garapa.
Às vezes acompanhava minha mãe quando ela levava o almoço para o meu pai e os colonos nas atividades agrícolas, que chamávamos de “roça”, também sinônimo de sítio, fazenda.
Nos fundos de minha casa havia uma bica, por onde corria uma pequena porção de água, desviada do córrego que cortava a fazenda, e que era usada para banhos, beber, cozinhar, lavar. Nesse córrego havia uma pequena cachoeira, perto de nossa casa, que formava uma área mais funda, onde tomávamos banho. Era muito prazeroso. De vez em quando algumas sanguessugas grudavam nas minhas pernas e tinha que arrancá-las imediatamente, para evitar o sangramento. Era chato, mas divertido.
À beira desse córrego, sempre havia agrião, uma das mais nutritivas verduras, que eu colhia e comia ali mesmo, sem sal, de cócoras, eliminando apenas as raízes. Com o sal ficaria mais saborosa.
Em 1998, visitei a Fazenda da Serra, que já não pertencia mais à nossa família. Fui colher umas fotos para o livro que lancei, em 2012, sobre a trajetória de meu pai, Henrique – HENRIQUE Frauches & Cantagalo, duas histórias que se cruzam (Brasília: Andragogia, 2012). O córrego estava seco, a casa onde nasci não existia mais. Da majestosa sede da fazenda, restaram apenas as paredes da senzala dos escravos, construída com grosas pedras, e outras partes térreas da casa. Ao atravessar a porteira da fazenda e caminhar até a sua sede, a memória foi revivendo os bons momentos que ali vivi e me lembrei de um verso de Ataulfo Alves, cantando a sua pequenina Miraí, das Minas Gerais: “Eu era feliz e não sabia”…
Tenho recordações das festas juninas, quando pulávamos fogueira, comíamos bata doce e milho cozido nas brasas da fogueira. Nessa época, sempre tínhamos visitas de parentes e amigos. Lembro-me do primo e amigo Douglas e sua mãe, tia Alice, irmã de meu pai. O Douglas tinha a minha idade – ele nascido no dia 6 de dezembro e eu em 27 de outubro de 1936 – e morava com a mãe no Rio de Janeiro, no bairro da Abolição. Sempre foi o meu melhor amigo, mas já não está entre nós. Uma pena.
Nessa época recebíamos, também, a visita de uns amigos de meu pai, que residiam em Volta Redonda e trabalhavam na Cia. Siderúrgica Nacional. Eles formavam um conjunto musical, com violões, cavaquinho, bandolim. À noite, em torno da fogueira, ficávamos nos deleitando com as músicas produzidas naqueles instrumentos que eu só via e escutava nessa época. Na nossa casa não havia luz elétrica e nem rádio movido a bateria – o rádio chegou lá por volta de 1946. Os chorinhos, o samba-canção e o som do bandolim eram mágicos. Até hoje eu guardo aquele som harmonioso em minha fraca memória. Quando completei oitenta anos, o único presente que eu queria era ouvir uns chorinhos tocados por um “conjunto regional” com esses instrumentos. Foi o presente que ganhei!
Das serenatas ao luar e aquecidas com o calor das fogueiras de junho, nunca me esqueci dos chorinhos e de uma composição que era avançada para a minha idade, entre oito e onze anos, mas, não sei por que, nunca me esqueci: Nervos de aço, de Lupicínio Rodrigues (1914-1974), um poeta e boêmio gaúcho que cantava a dor de cotovelo, hoje, sofrência.
Não me lembro muito das visitas à casa de meus avós paternos, a sede da fazenda. Tenho duas lembranças, bem vivas: uma, eu sentado em uma das pernas de meu avô, ouvindo estórias; outra, de uma queda, rolando pela escadaria de pedra que levava ao segundo andar do casarão, onde meus avós residiam. A lembrança física: fraturei a clavícula.
Saímos da Fazenda Serra em outubro de 1947. Mudamos para Cantagalo, para que eu continuasse os estudos no antigo ginasial, que corresponde, hoje, às séries finais do ensino fundamental. Mas isso é outra estória.
Cantinho da poeta Amélia Thomaz
Piedade
O que lágrimas arranca
E nossa alma desconsola,
É ver, de cabeça branca,
Um velho pedindo esmola.
(Extraído do livro Alaúde (Cantagalo, RJ: Ed. Autor, 1954, p. 5))
Celso Frauches é professor, escritor, pesquisador, ex-secretário Municipal de Cantagalo e consultor Especialista em Legislação