Convidado pelo simpático casal João Antônio e Kiki, compareci no último sábado, dia sete, em companhia da Prefeita Emanuela Teixeira da Silva, do seu esposo Walquer e do meu amigo, afilhado de casamento e antigo companheiro na Câmara de Vereadores de Cantagalo, Gerson da Silva Guzzo, à fazenda Ribeirão Dourado, no vizinho município de Macuco, onde estava sendo realizado o encontro da família Moraes que, ao mesmo tempo, comemorava os 220 anos da fazenda.
Na chegada fomos recebidos pelos anfitriões com grande alegria. Meus olhos viram uma topografia belíssima, com uma enorme esplanada, tendo ao centro um pequeno lago e uma gigantesca árvore, provavelmente, mais que centenária, sendo informado que se tratava de um cipreste de origem americana; havendo mais adiante outra menor da mesma espécie. Em um dos lados da grande praça observei um casarão retangular e grande, sem nenhuma beleza arquitetônica; fui informado que se tratava da farmácia do Dr. Elias Antônio de Moraes, 2º Barão das Duas Barras, que era médico. Prédio tão grande que lembra mais um hospital antigo para tratamento de escravos. Fui informado, também, de que toda essa enorme área possuía o piso de pedras, sendo usada para secagem do café.
Em outro lado, em um ponto um pouco mais elevado, um majestoso sobrado, com sete janelas no andar superior. Pintado na cor pêssego, com os alto relevos em branco; janelas com a parte superior em arco, lembrando a arquitetura espanhola, influência dos mouros que ocuparam a Espanha durante 400 anos.
O grupo foi conduzido a uma enorme tenda com múltiplas mesas e cadeiras, onde se encontravam inúmeros convidados e membros da tradicional família Moraes, que hoje é distribuída pelos municípios da região, bem como pelas cidades de Niterói e Rio de Janeiro. Neste local, nos foi servido um feijão amigo delicioso, acompanhado de aipim e torresmo. Foi um ótimo início!
A seguir, convidados pelo amigo João Antônio, fomos visitar aquela relíquia arquitetônica de 220 anos; lembrança de um passado glorioso de Cantagalo imperial; que, atualmente, se encontra em território do vizinho município de Macuco. Depois de ultrapassar quatro degraus de pedra polida, penetramos numa porta à esquerda, chegando a um porão com um alto alicerce construído com pedras enormes, alinhadas com barro, cal e óleo de baleia, tudo de modo perfeito e grande resistência, uma vez que não havia cimento naquela época. No seu interior uma extraordinária coleção de objetos do século XIX e anteriores: balanças, pilões enormes, camas de criança com grades laterais, urinol em armação de madeira, que era o vaso sanitário daquela época, quadros antigos, uma enorme arca de madeira e couro, com duas alças laterais. Tudo muito bem conservado!
Retornando à entrada principal galgamos uma escada um pouco íngreme, toda em madeira de lei, que nos levou ao andar superior. Nesta parte o imóvel está mantido como no tempo imperial, todos os móveis e louças da época do 2º Barão das Duas Barras, quadros de prêmios recebidos, retratos do primeiro touro da raça Guzerat importado do jardim zoológico de Londres e da vaca, da mesma raça, comprada na Índia, enfim, um acervo extraordinária, que mostra a grandeza de uma época em que Cantagalo foi o maior produtor de café no Brasil e, talvez, do mundo.
O gigantesco imóvel tem na parte central um grande jardim, que também é testemunho da arquitetura espanhola, outra herança mourisca. Certa vez li numa revista de arquitetura que enquanto os espanhóis construíam os jardins no centro da moradia como um meio de se protegerem, os portugueses o faziam na frente da casa, como símbolo da receptividade lusitana. Como neto de portugueses fiquei feliz!
Acredito que poucas famílias tenham conseguido guardar todo esse patrimônio do Brasil Imperial.
Outro aspecto que me chamou a atenção foi a riqueza hídrica da localidade. Fronteira à sede da fazenda existe uma banqueta que traz a água de uma distância de 4 Km. em quantidade apreciável; abastece o lago existente no centro da praça e termina em dois grandes tanques de pedra, autênticas piscinas, onde era lavado o café colhido na lavoura.
Deixando de lado a parte material do local, passo a relatar as alegrias e emoções que vivi em uma tarde inesquecível, em que encontrei pessoas tão agradáveis e tão interessantes, como a Sra. Maria Helena Moraes Pimenta de Mello (Lena), que na ocasião lançou o livro RIBEIRÃO DOURADO – UMA FAZENDA E SUAS HISTÓRIAS; adquiri um exemplar, pretendendo ler o mais rápido possível. A autora é pessoa muito simpática e educada, com quem pude conversar rapidamente. Conheci, também, a Sra. Lúcia Koury, da Editora Outras Letras, que acompanhava a autora do livro, outra figura simpática e educada, conversamos sobre a editora e a produção e venda de livros no Brasil. Conheci um neto do meu saudoso amigo Joãozinho de Souza, que foi prefeito de Trajano de Moraes várias vezes; sempre que nos encontrávamos era uma festa, relembrando que nossos pais foram médicos diplomados pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1924 ( atual Faculdade de Medicina da U. do Brasil).
Outro cidadão que conheci foi um neto ou bisneto do Dr. Galdino do Vale Filho, que exerceu a medicina em Nova Friburgo, onde existe uma avenida com o seu nome; foi deputado federal e autor da lei do Dia da Criança.
Vivi um momento de emoção quando visitava a mansão do barão; uma senhora se aproximou de mim e disse: “Dr. Júlio, eu nasci com o senhor no Hospital de Cantagalo, sou filha do Roberto e da Maria Olga”. Recordei-me em um segundo, de todos os acontecimentos; foi a primeira cesariana por mim realizado no antigo Hospital de Cantagalo, depois do meu retorno, cercado de muita responsabilidade pois o hospital dispunha de poucos recursos e a parturiente estava preparada para ir para outra cidade, todavia, tudo correu bem, graças a Deus! Guardarei com muito carinho o retrato que juntos tiramos, depois de mais de meio século do ocorrido.
Creio que um local tão belo, com um histórico tão grandioso, merecia ser documentado por alguma rede de TV, sendo exibido para o público, principalmente, para os mais jovens conhecerem o que foi o passado imperial do Brasil.
O amigo João Antônio contou para os presentes, durante a visita à sede, que dez anos antes da abolição da escravidão, o 2º Darão das Duas Barras reuniu seus escravos, deu liberdade aos mesmos, um pedaço de terra, sementes de cereais, dizendo: “Vocês agora são livres, podem começar uma nova vida, plantando alimentos nessas terras para vocês”. Foi, portanto, um precursor da abolição da escravatura! Os escravos foram substituídos por imigrantes italianos, que passaram a trabalhar como meeiros.
Depois de uma tarde repleta de alegrias, emoções e novos conhecimentos históricos vivida pelo nosso grupo, só me resta agradecer o convite aos amigos João Antônio e Kiki, dizendo, plagiando Roberto Carlos: “Se chorei ou se sorri o importante é que emoções eu vivi!”.
Júlio Carvalho.