“Fazendas históricas de Cantagalo: Areas”, por Celso Frauches

Fazenda de Areas (Acervo de Rosa Carvalho)

Fazenda de Areas (Acervo de Rosa Carvalho)

A fazenda de Areas, situada no distrito de Boa Sorte, em Cantagalo (RJ), foi, originalmente, propriedade do Barão de Nova Friburgo, Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, por volta de 1840.

Em seguida, passou às mãos de seu pai, o conde de São Clemente, António Clemente Pinto, depois pertenceu à baronesa de Rio Bonito e, sucessivamente, ao embaixador Antonio Clemente Pinto, neto do conde de São Clemente, a Edgard Faro de Carvalho, sobrinho do embaixador e a Olga Carvalho, sua esposa.

Na publicação de Rosa e Sebastião Carvalho – “Álbum das Fazendas de Cantagalo” – o proprietário, na época da entrevista para a organização do álbum, era Bernardo Winkler. Hoje parece pertencer a uma senhora que vive em Londres.

Nessa fazenda, D. Pedro II e a família imperial ficaram hospedados quando por aqui passaram, tendo a Princesa Isabel como uma ilustre visitante, antes de assinar a Lei Áurea.

 

Fazenda de Areas
Fazenda de Areas

 

A Fazenda possui 205 alqueires. A casa-grande é rodeada de rios, nascentes, mata virgem. A casa tem 350 m², com seis quartos, sendo duas suítes, quatro banheiros, currais, tanques de peixes, piscina semiolímpica.

Na sua construção, o barão de Nova Friburgo foi buscar canteiros e pedreiros em Portugal e metalúrgicos na Alemanha. Os jardins foram planejados por paisagistas oriundos da França. As pinturas das paredes são da época do barão. Foram pintadas, pela última vez, há mais de oitenta anos do tempo da entrevista.

 

 

No salão principal, há um sino de bronze, usado para chamar os escravos. E dois quadros, luxuosamente emoldurados, retratando o imperador D. Pedro II e a imperatriz Thereza Cristina. Na biblioteca, o mesmo bom estado de conservação de cadeiras, sofás, estantes e livros.

Na parte externa, há uma capela, dedicada a Nossa Senhora de Lourdes. No pátio, havia uma senzala e um chafariz, onde os escravos lavavam roupa e se banhavam. Os engenhos estão desativados, mas as serrarias estão prontas para funcionar. Havia moinho de fubá e maquinaria para a produção de energia elétrica. Ainda existe uma jabuticabeira, plantada pela princesa Isabel.

 

 

Na época dos barões, a mão de obra escrava consistia em cerca de trezentos escravos, símbolo de tempos que nunca deveriam ter existido em qualquer lugar do planeta. Os escravos eram quase todos da cultura banto, provenientes de Angola, Congo e Moçambique.

Com a proibição do tráfico de escravos, eles chegavam à região serrana fluminense por conta de contrabandistas, pelo porto de São João da Barra, Itaipu e Macaé, passando pelo Caminho do Imbé, atravessando montanhas, vales, matas virgens, em condições precárias. Nessa época, operavam os contrabandistas Victorino Emmanuel Paretto, italiano; os portugueses José Bernardino de Sá e Francisco Domingos Araújo e os próprios brasileiros, como Joaquim Ferramenta e José de Souza Velho.

O Brasil, por conta da Coroa Portuguesa, tem uma grande dívida social com os africanos, pois muitos escravos eram reis, rainhas e princesas em sua terra natal, no continente africano. Talvez, por isso, haja inúmeros brasileiros e organizações atuando como voluntários na África.

 

 

No Brasil, de maneira geral, os escravos começavam a trabalhar de madrugada, por volta das 4h, com pequenos intervalos para as refeições. Às 4h30, tomavam café, adoçado com rapadura, acompanhado de batata-doce ou aipim; às 10h, almoçavam: farinha de mandioca, angu, arroz quebradiço e escuro, espigas de milho. Jantavam pelas 14h: arroz, farinha, milho, angu e um pouco de carne seca. E a alimentação parava por aí.

As escravas trabalhavam na lavoura e serviam aos patrões. O trabalho iniciava de madrugada e não tinha hora para terminar: 24h por dia, meses e anos. Muitas serviam sexualmente aos desejos de seus senhores (pais, filhos e netos). Esse fato indesejado gerou a miscigenação, tornando o brasileiro um povo colorido do preto ao branco e suas nuances.
A fazenda de Areas serviu de residência e sede administrativa das outras propriedades do barão de Nova Friburgo. Para a produção de café, a área começou a ser construída bem antes do solar do Gavião e do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, indo de 1852 a 1855.

Lá residiam vários médicos, oriundos da Europa. O alemão Teuscher era o chefe da equipe, composta pelos médicos Trobat e Dennewitz. O dr. Teuscher atendia, além de Areas, os escravos das fazendas Itaóca, Santa Rita e outras. O dr. Dennewitz fazia o atendimento hospitalar na fazenda dos Tanques. Esse é um aspecto que não se observava em todos os senhores de escravos.

 

 

A fazenda Areas confrontava-se com as fazendas Bemposta e Boa Vista, ao norte; Santa Thereza, Itaóca e São Clemente, ao sul; Jacutinga e Serino Monteiro Pinto, a oeste, em Boa Sorte, o distrito que abrigava diversas fazendas históricas que marcaram o auge da cultura e da produção agropecuária em nosso município, tornando-se, por exemplo, um polo na cultura e venda do café, mais de 10 mil arroubas anuais.

Para o beneficiamento de arroz, café, milho e cana-de-açúcar havia engenhos. O de cana-de-açúcar era completo, com serra vertical e circular, alambiques, moendas e completa instalação de tachos e depósitos de cobre, pequena centrífuga para o açúcar, grandes semeadeiras, arranca-tocos e usina geradora por turbina hidráulica Francis, com gerador para mais de 42kW, trifásico, 220 volts.

Na fazenda de Areas, havia a criação de gado mestiço Zebu e Caracu e de puro-sangue Zebu Guzerá e os touros indianos importados pelo barão de Cantagalo. Criavam-se suínos mestiços e de puro-sangue Duroc-Jersey. O charqueado servia de refeição para todos, especialmente, na refeição dos escravos.

A Fazenda de Areas é símbolo de um tempo que passou e que ainda nos encanta quando olhamos o lado da fartura e da beleza colonial de suas imponentes sedes, muitas hoje restauradas. Mas escondem também a dureza, solidão, sofrimento e dor na tristeza da visão de suas senzalas e instrumentos de castigo a um povo que as construiu e manteve no seu dia a dia de muita luta e trabalho.

 

Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.
Celso Frauches é escritor, jornalista, historiador, pesquisador e diretor-presidente do Instituto Mão de Luva.

 

Foto da capa: Fazenda de Areas (Acervo de Rosa Carvalho)

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