“Globalização”, por Julio Carvalho

A partir do meado do século XX e do atual passou-se a falar frequentemente em globalização, todavia o processo é muito antigo, desenvolvendo-se, no início, de modo lento, acelerando-se no século XX graças a evolução e aperfeiçoamento dos meios de transporte e comunicação.

Historicamente, a globalização teve início nos séculos XV e XVI com as grandes viagens marítimas dos países ibéricos, principalmente do pequeno Portugal. Até essa época o comércio da seda, algodão, joias, porcelanas, temperos, etc. era realizado com o oriente médio, penetrando pelo sul da Europa, todavia, com a queda de Constantinopla (1453), tomada pelos otomanos, a rota do comércio entre o Oriente e a Europa foi bloqueada.

Era necessário buscar novos caminhos para o oriente e só restavam as rotas marítimas; Portugal e Espanha, na ponta mais ocidental da Europa, foram os primeiros a se lançarem nas grandes aventuras marítimas que terminaram por unir os diversos continentes, criando a primeira globalização.

Em Portugal a escola de Sagres criada pelo Infante D. Henrique com ajuda de capitais particulares, provavelmente de judeus e de ricos Templários, que lutaram para libertação da Terra Santa,  preparava navegadores portugueses e estrangeiros, que se especializavam no conhecimento da geografia, cartografia e da astronomia.

Os estaleiros portugueses construíam as naus e as caravelas; as primeiras era embarcações maiores e pesadas, enquanto as caravelas eram menores, podendo navegar mais próximo dos litorais e penetrar até na foz de alguns rios mais volumosos. Os portugueses, inicialmente, conquistaram ilhas mais próximas do continente europeu, desceram margeando a costa africana, contornaram o cabo das Tormentas, atingindo o oceano Índico e chegaram até a Índia, (Vasco da Gama – 1497)). Foram até a China (colônia de Macau). Alguns acham que atingiram o Japão, citado como Cipango. Atravessaram o oceano Atlântico e chegaram ao Brasil (Cabral – 1500), não satisfeitos fizeram o quase impossível para aquela época, desceram costeando a América do Sul, atravessaram um estreito na ponta sul do continente, penetraram no oceano Pacífico, que foi atravessado, e fizeram a primeira viagem de circum-navegação do planeta Terra (Fernão de Magalhães – 1519); portanto em 22 anos os navegadores portugueses uniam os cinco continentes criando a primeira globalização.

Fico a pensar no risco e na terrível aventura que seria pertencer à tripulação dessa embarcações primitivas. Impulsionadas pelo vento poderiam permanecer estacionadas em alto mar devido ao fenômeno das calmarias; a higiene era precária, não havia instalações sanitárias e as necessidades fisiológicas eram realizadas nos porões dos navios sendo, depois, lançadas ao mar, ocorre que alguns preguiçosos deixavam suas latas com seus resíduos no porão dos navios, prejudicando o ambiente. A alimentação era deficiente, carente em vitaminas, levando ao escorbuto como causa de morte de muitos tripulantes. Havia, também, o risco das doenças endêmicas de outros continentes que encontravam nos europeus vítimas fáceis.

No desembarque em terras estranhas recebiam hostilidades dos locais, principalmente no oceano Índico por parte dos comerciantes árabes, senhores do comércio naquela região.

Não havia comunicação com a terra, descoberta uma ilha ou um continente uma das embarcações retornava a Portugal com uma carta para o rei. Li, certa vez, ao ser descoberto o Brasil, que o médico da frota de Cabral, imediatamente, escreveu uma carta ao rei pedindo que nomeasse seu genro para administrador das terras descobertas, enviando sua carta junto com a de Pero Vaz Caminha. Daí o hábito, existente até hoje no Brasil, de pedir emprego para os parentes.

O número de vítimas fatais era tão grande nessas viagens marítimas que a embarcação de Fernão de Magalhães saindo da Europa com 238 tripulantes, três anos depois, ao regressar da viagem de circum-navegação, tinha apenas 18 marinheiros. O próprio comandante havia morrido, ferido em combate nas Filipinas, aos 41 anos de idade, sendo substituído no comendo pelo navegador Elcano, que retornou à Espanha.

O velho do Restelho, figura criada por Camões, passava o dia nas praias aconselhando, com seus discursos, que os jovens não participassem das viagens das conquista navais portuguesas pelos perigos existentes. Dizem que ele temia que morressem todos os jovens homens portugueses, permanecendo no país apenas as mulheres e os velhos, o que determinaria o desaparecimento da nacionalidade portuguesa pela falta do nascimento de crianças lusitanas.

Apesar de todos os riscos dessa navegação primitiva os portugueses iniciaram o comércio marítimo mundial, tendo os espanhóis como competidores; levavam produtos portugueses para a Ásia trazendo para a Europa especiarias orientais. Da Terra de Santa Cruz transportavam, inicialmente, o pau Brasil. Mais tarde a prata, o ouro, pedras preciosas, etc.

No Brasil introduziram a cana de açúcar em São Vicente e  os engenhos para produção do açúcar, da rapadura, da garapa e do álcool. Para mover os engenhos foi necessário trazer os bovinos, sendo a primeira raça a Caracu, denominação colocada pelos índios. A raça se adaptou tanto ao Brasil, multiplicando-se de tal modo, que passou a prejudicar os canaviais. Depois vieram outras raças bovinas, sendo o Brasil possuidor, hoje, do maior rebanho mundial.

Produtos brasileiros e portugueses eram conduzidos para o continente africano e trocados por pessoas da raça negra levados como escravos para a Europa, o Brasil e outros países das Américas, constituindo o mais brutal comércio da história da humanidade.  Essa prática criminosa permaneceu durante três séculos e só para o Brasil vieram 4,5 milhões de africanos trabalhando nas minas de ouro e na lavoura. Acredita-se que 10 milhões de africanos foram sacados do continente, levados como mercadoria e usados como escravos. Um crime contra a raça negra!

Os portugueses trouxeram para nosso país diversos tipos de frutas, entre elas as deliciosas mangas, próprias do sudeste asiático.

Unindo os cinco continentes e estabelecendo o comércio marítimo mundial nos séculos XV e XVI esses heróis, anônimos na sua maioria, estabeleceram a primeira globalização e foram responsáveis pela miscigenação racial característica do nosso povo brasileiro.

Com muita alegria e honra descendo dessa brava raça lusitana que, com suas viagens marítimas e sacrifício de milhares de vidas, uniu os cinco continentes.

Júlio Carvalho.

Júlio Marcos de Souza Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo
Júlio Marcos de Souza Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo. Atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo e vice-prefeito de Cantagalo.

 

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