“Graças a elas ainda estamos aqui”, por Amanda de Moraes

No Brasil, há um tempo não tão distante assim, mulheres eram excluídas da construção da sociedade, com papéis predefinidos pelo sexo. Direitos básicos, como acesso à educação, trabalho e divórcio eram inexistentes.

A criação de escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas foi autorizada em 1827 (Lei Geral de 15/10/1827). Essas instituições eram destinadas apenas ao ensino primário. Apesar desse pequeno avanço, o ensino era diferente daquele disponível aos meninos.  Com a exclusão de matérias, como noções de geometria, abrangia ensinamentos de prendas que servem à economia doméstica. As aulas somente poderiam ser dadas por professoras, desde que fossem consideradas honestas.

Nas salas de aula às meninas, o bordado e costura; para os meninos, matemática. Culinária, gestão dos empregados, aulas de francês para as mulheres distintas faziam parte da educação feminina; uma formação para serem boas esposas, conforme alerta Guacira Lopes Louro, doutora em educação pela Unicamp.

Levantar-se contra uma injustiça é algo admirável. Mais extraordinário ainda é quando a luta se dá em terreno pouco explorado.  Vozes femininas ecoaram em um momento obscuro, no qual a legislação, refletindo o pensamento da época, previa situações de subordinação e subjugação da mulher.

É nesse contexto que Nísia Floresta, educadora e professora feminista, à frente de seu tempo, lançou, em 1832, a obra “Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens”, denunciando a condição de desigualdade a que as mulheres eram submetidas. O livro, em defesa do acesso à educação, filosofia e cargos de comando, destacava o óbvio: elas deveriam ter os mesmos direitos do que os homens. Após seis anos de sua obra, fundou uma escola feminina, sendo uma importante voz para a igualdade do acesso à educação.

Nísia denunciava: “Por que [os homens] se interessam em nos separar das ciências a que temos tanto direito, senão pelo temor de que partilhemos com eles, ou mesmo os excedamos na administração dos cargos públicos, que quase sempre tão vergonhosamente desempenham?”

Pouco à frente, em 1879, mulheres puderam ingressar na faculdade, desde que a matrícula fosse feita pelo cônjuge ou pai (Decreto-Lei 7.247/79). As salas eram separadas dos homens. Ressalvas eram feitas, como no curso obstétrico (as estudantes acima de 30 anos não poderiam se matricular).

Ganhando algum espaço na educação, mas ainda sem direito ao voto, em 1910 a professora Leolinda de Figueiredo Daltro fundou o Partido Republicano Feminino. Sua luta, entre outras, era para que elas pudessem votar, ter acesso ao trabalho e à educação. Como disse: “Minei, pacientemente, o terreno, sem que os inimigos do voto feminino se apercebessem do meu verdadeiro objetivo.”

O Código Civil de 1916, em seu artigo 233, inciso IV, previa que a mulher somente poderia trabalhar caso o marido autorizasse.  Nas situações de divórcio – quando possível – ela somente poderia receber pensão alimentícia caso fosse pobre e inocente (artigo 320). Viajar? Somente com a com a autorização do cônjuge.

Sem esmorecer nas reivindicações, em 1932 conquistaram direito ao voto.  Trinta anos depois, foi promulgado o Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/ 1962), concedendo à mulher o direito de trabalhar sem precisar de autorização do marido, receber herança, viajar, administrar os seus próprios bens.  Assim, uma mulher brasileira deixou de ser considerada incapaz.

Saber o caminho percorrido até aqui faz com que honremos as mulheres que, em tempos obscuros, colocaram-se em risco para que, hoje, esse artigo pudesse ser escrito em um veículo de comunicação. Para que tenhamos médicas, artistas, juízas, advogadas, engenheiras. Para que a mulher tenha o direito ao divórcio, quando o casamento lhe for opressor. Para que as mulheres possam escrever o livro da sua história.

Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes
Amanda de Moraes Estefan é advogada, no Rio de Janeiro, e sócia do escritório Mirza & Malan Advogados. Ela é neta do ex-prefeito de Trajano de Moraes, João de Moraes

 

 

 

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