“Grande Cidadão e Hábil Político”, por Dr Júlio Carvalho

Francisco Dornelles. Foto Divulgação Estadão

Francisco Dornelles. Foto Divulgação Estadão

Quarta-feira, 23 de agosto, final de tarde; depois de concluir meu trabalho de auditoria da Unimed Serrana RJ, antes de desligar o computador, vejo as notícias do dia, encontrando uma que me causou profunda tristeza: “Morre, no Rio, Francisco Dornelles”.

Durante o período em que militei na política, dezesseis anos como vereador na Câmara Municipal de Cantagalo, filiado ao extinto PFL, tive a oportunidade de estar em contato com o deputado federal Francisco Dornelles várias vezes; cidadão que era portador de características que não se encontram na maioria dos políticos.

Às segundas e sextas-feiras, dias em que não estava em Brasília, era o deputado federal que mais viajava ao interior do estado; de carro ou de helicóptero, chegava pontualmente no horário aprazado. Ao desembarcar, conversava com todos que encontrava como um cidadão comum, nunca tendo a postura de deputado federal, colocava-se no mesmo nível do povo, não sendo acompanhado por seguranças.

Em nossa região, duas obras importantes foram criações suas: o Hospital de São Sebastião do Alto e o Parque de Eventos de Macuco. Como homenagens póstumas, deveriam receber o seu nome: deputado Francisco Dornelles.

Quando não vinha ao interior, marcava dia e hora em um dos seus escritórios no Rio de Janeiro (Rua São José, Av. Beira Mar ou Fundação Getúlio Vargas), nunca falhando. Tive a oportunidade de comparecer diversas vezes, marcava meia hora para cada pessoa do interior. Tinha uma memória prodigiosa; depois dos cumprimentos de praxe, logo me perguntava: “Como vai Cantagalo; e nossos amigos Catitu, José Antônio, Jorge Almeida. Adir Torres e Wilder?“.

Sempre que comparecia, levava as solicitações em ofícios. Ele lia um a um, colocava alguns a sua direita e outros à esquerda. Depois pegava os da esquerda e me dizia: “Júlio, esses aqui eu não tenho a menor possibilidade de atender, são de ministérios em que não tenho a menor influência; os outros vou conseguir”.

Algum tempo depois, chegava alguma correspondência ou um dos seus assessores telefonava confirmando o que fora solicitado. Com o deputado Dornelles não havia promessas nem rolos. Era sim, sim, ou não, não. Essas atitudes geravam sua credibilidade.

No final da década de 80, o deputado estadual Luiz Antônio, em memorável reunião noturna no Cantagalo Turismo Hotel, criou em nosso município o PFL, ficando a presidência do diretório local com nosso amigo Catitu. Era o partido, na época, com o maior número de filiados, quase duzentos. Na eleição municipal, elegeu três vereadores para uma câmara de onze membros: Ademir Mulin, Jorge Almeida e o autor do artigo.

Pouco depois, em uma reunião do nosso partido, ficou decidido convidar o deputado federal Francisco Dornelles, presidente do Diretório Estadual do PFL, a conhecer Cantagalo. José Antônio, que era o secretário do Diretório, fez o convite por telefone. Marcada a data, numa quinta-feira, à noite, depois da reunião da Câmara Municipal, o deputado federal Francisco Dornelles, sem nenhuma pompa, apenas com seu motorista, chega a Cantagalo, vem ao nosso encontro como um cidadão comum, conversa algum tempo e segue para jantar no restaurante do Sr. Nestor Rocha, com José Antônio, Catitu, Jorge Almeida e eu. Às 23h30, embarca e parte para o Rio de Janeiro. Assim era o deputado Francisco Dornelles. A partir daquela noite, Cantagalo ganhou um amigo e um defensor dos seus direitos em Brasília!

Este homem, com características tão simples, tinha uma genética política que poucos possuem; era sobrinho do presidente Tancredo Neves e primo, em segundo grau, do presidente Getúlio Vargas. Primo, também, do deputado federal Aécio Neves e sobrinho de Ernesto Dornelles, que foi senador, ministro da agricultura e governador do Rio Grande do Sul. Nascido em Belo Horizonte, sofreu a influência do tio Tancredo Neves, de quem fora secretário particular. Não era político de discussões veementes, gostava de vencer e conquistar companheiros através do diálogo e da argumentação serena.

Quando presidiu o Diretório Estadual do PFL, no estado do Rio de Janeiro, fez questão de incluir no mesmo diversos representantes do interior, ocasião em que indicamos nosso representante, o economista José Antônio Machado.

 

Pezão e Dornelles
Pezão e Dornelles

 

No momento de tomar algumas decisões importantes, gostava de ouvir os diretórios do interior. Certa vez, quando Leonel Brizola estava disparado nas pesquisas para o governo fluminense pela segunda vez, marcou uma reunião em Sumidouro com sete diretórios de municípios da nossa região. De Cantagalo, seguiram Catitu, José Antônio. Jorge Almeida e eu.

Abrindo a reunião, ele disse que seis ou sete partidos do Rio de Janeiro queriam lançá-lo candidato a governador, mas que, antes de aceitar o convite, ele queria ouvir a opinião dos diretórios do interior.

Começou por Sapucaia, passando por cada um até chegar a Cantagalo, o último a ser ouvido. Todos acharam a ideia muito boa, que Dornelles era o único a poder enfrentar e derrotar Brizola. Quando chegou nossa vez, os companheiros pediram que eu falasse em nome do nosso diretório. Disse, então: “Deputado, nós gostamos imensamente do senhor e achamos que o senhor não deverá aceitar. As pesquisas mostram que o governador já está escolhido. O senhor terá uma imensa decepção, pois esses partidos que querem lançá-lo têm siglas, mas não tem votos. O senhor será muito mais útil ao nosso estado se continuar como deputado”.

Impassível, ele ouviu todas as opiniões, agradeceu e deu por encerrada a reunião. Assim era o Dr. Dornelles. Candidatou-se mais uma vez a deputado federal, sendo um dos mais votados do estado do Rio de Janeiro, continuando em Brasília a prestar ótimos trabalhos ao interior fluminense.

No início do ano seguinte, convidou o Diretório do PFL de Cantagalo para comparecer a São Sebastião do Alto, na solenidade em que receberia o título de cidadão altense. Compareci com o Jorge Almeida; ao nos ver, veio sorridente ao nosso encontro, nos abraçou e disse: “Muito obrigado, vocês de Cantagalo me tiraram de uma grande fria!”.

Creio ter sido um dos brasileiros de vida política mais longa. No final da década de 50, terminou o curso de Direito pela Faculdade Federal de Direito do Rio de Janeiro. Procurando especializar-se da área financeira, fez pós-graduação na Universidade de Harvard (Estados Unidos) e, posteriormente, em Nanci (França).

Ao retornar ao Brasil, exerceu várias funções no serviço público. No período de 1979 a 1985, durante o governo do Presidente João Batista Figueiredo, foi secretário da receita federal.

Em 1985, com a eleição do seu tio Tancredo Neves para Presidente da República, foi escolhido como Ministro da Fazenda, onde permaneceu por cerca de seis meses.

No primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, ocupou o cargo de Ministro da Indústria, Comércio e Turismo. Com a reeleição de FHC, passou a ocupar o cargo de Ministro do Trabalho e do Emprego.

Com a redemocratização do Brasil, depois dos governos militares, foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro, sendo, portanto, deputado constituinte. Por cinco mandatos, representou o povo fluminense em Brasília. Posteriormente, em 2006, foi eleito senador por um período de oito anos. Passou pelo PFL, PPR, PPB e PP.

Em 2014, renunciou ao cargo de senador para ser o candidato a vice-governador do Estado do Rio de janeiro na chapa de Luiz Fernando Pezão. Nesse período, ocupou a cadeira do executivo por duas vezes; na primeira, durante sete meses, no período da doença do governador; e a segunda vez, nos últimos 32 dias do governo estadual.

Merecidamente e com justiça, Francisco Dornelles era o Presidente de Honra do PP em âmbito nacional.

Com sua morte, o governador do Estado do Rio de Janeiro decretou luto por três dias, enquanto políticos de diversos partidos fizeram declarações sobre o extinto e querido homem público.

O estado do Rio de Janeiro, principalmente o interior, muito deve ao senhor Francisco Dornelles. Foi o deputado federal que mais percorreu nosso interior, sempre preocupado em melhorar as condições de vida de seus habitantes.

Pelo seu modo de se relacionar com o homem do interior, de igual para igual, posso afirmar, sem medo de errar, que o deputado Francisco Dornelles foi o mais mineiro dos políticos fluminenses. Que Deus guarde a sua alma!

 

Júlio Marcos de Souza Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo
Júlio Marcos de Souza Carvalho é médico, ex-vereador e ex-provedor do Hospital de Cantagalo e atualmente é auditor da Unimed de Nova Friburgo

 

Foto da capa: Francisco Dornelles. Divulgação / Estadão

Ver anterior

GENTE DE EXPRESSÃO – Edição 1693

Ver próximo

Comércio de Nova Friburgo está autorizado a abrir no feriado de 07 de setembro

Comente

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais Populares

error: Conteúdo protegido !!